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25 de outubro de 2011

284-Cacheu e o comércio de escravos

Cacheu e o seu forte (fonte: Wikipedia)


Gonçalo Gamboa Aiala foi nomeado capitão-mor do Cacheu em 1644, depois da Restauração. Antes, era esta a situação:

« (...) Apoiados em André Álvares de Almada, contemporâneo dos factos, poderemos concluir que em 1581-82 (2) já os portugueses es­tavam instalados nas margens do rio de S. Domingos, onde nego­ciavam em couros, cera, marfim e escravos, que compravam aos buramos ou papéis, os quais lhes resistiam e humilhavam. Para se libertarem destas dificuldades, em 1588, e por iniciativa do feitor dos rios, Manuel Lopes Cardoso, cabo-verdiano, obtêm licença do chefe da terra, Chapala, para fazerem uma fortificação no sítio de Cacheu com o pretexto de se defenderem dos navios inimigos. À volta do forte, construído e artilhado a expensas dos moradores, começaram a surgir as habitações e pouco depois os comerciantes e lançados abandonaram a aldeia indígena e fixaram-se no novo povoado.
Os papéis não reagiram bem a esta atitude e em segredo orga­nizaram o assalto à povoação. Avisados por duas negras do ataque que se perpetrava, os portugueses prepararam a defesa e consegui­ram repelir os assaltantes.
Vejamos como André de Almada descreve este acontecimento que ocorreu em 1590:
«Durou a guerra três dias, nos quais foram mortos muitos negros, e da parte dos nossos não morreu pessoa nenhuma; os quais, vendo quão mal lhes ia do partido se recolheram, e daí a poucos dias tomaram a rogar aos nossos os recolhessem e aceitassem na amizade em que dantes estavam. E são amigos, vivendo os nossos na sua povoação e eles na sua, e assim tratam uns com os outros.» (3)
A povoação cresceu e em 1594 já os seus habitantes acultura­dos se podiam contar por algumas centenas, de acordo, mais uma vez, com Álvares de Almada que informa haver «quaresma em que se confessam setecentas e oitocentas pessoas, entre brancos e pre­tos,(4) e não falta mais que pôr Sua Magestade justiça nela, queren­do-a fazer vila.» (5) Na verdade, Filipe I, atendendo à importância crescente deste porto, resolveu dar-lhe, em 1605 (6) o título de vila «e conçedeo algús priuilegios exortando os a viuerem com policia e justiça, mas os moradores não acceitaram isto, e estão como aleuantados.» (7) Continuaram, portanto, a viver como até aí, sem polícia, nem justiça, e na dependência dos grandes mercadores de escravos.
A autoridade era exercida pelo capitão dos contratadores que chefiava os feitores dos rios, seus agentes e intermediários. Subor­dinado ao governo de Cabo Verde, praticamente exercia funções de capitão-mor.
Oficialmente, porém, só em 29 de Dezembro de 1614 (8) é nomeado por Nicolau de Castilho, governador de Cabo Verde, o pri­meiro capitão e feitor de Cacheu. A escolha recaiu em João Tava­res de Sousa a quem foi dado um regimento que recomendava a reparação da fortaleza; a paz com os reis e senhores da terra; a difusão da religião católica; a fiscalização da navegação e comér­cio de estrangeiros; a proibição da venda de cera e marfim e da entrada em Cacheu do algodão da Gâmbia, de S. Tomé e de outras partes; o controlo do preço dos escravos; o reenvio das mulheres cristãs que por causa da fome fugiram de Cabo Verde e se refu­giaram na Guiné.
Meses depois, em 4 de Abril de 1615, (9) é designado novo capitão-mor, Baltasar Pereira de Castelo Branco, e desta vez por nomeação régia. O regimento, que vai regular toda a sua actividade como «capitão das pouoações de Cacheu, Rio Grande, e de Sam Domingos, e dos mais da conquista de Guine que são do distrito das jlhas do Cabo Verde», (10) contém diversos capítulos respeitan­tes à evangelização, à necessidade da construção de uma fortaleza para defender o porto e impedir o comércio com estrangeiros, para além de outras instruções sobre o governo e o comércio da Guiné.
O último lembra a sua subordinação ao «gouernador das ilhas do Cabo Verde, de cujo distrito são aquellas pouoações de Guine, porem o dito governador vos não poderá tirar nem suspender de nenhúu dos cargos de que vos encarrego.» (11) Por um lado, man­tém-se a dependência teórica, mas não prática, porque aquela auto­ridade não o podia destituir de qualquer cargo, o que lhe dava uma certa segurança e autonomia.
Os regimentos que foram dados posteriormente mantiveram no essencial o mesmo formulário.
Antes de entrar na época posterior à Restauração, e para fina­lizar esta pequena e sucinta análise de Cacheu, é preciso acentuar que este porto era o mais frequentado de toda a costa da Guiné e onde afluía o maior número de escravos. A ele se vinham fornecer os navios de Lisboa, da ilha de Santiago e de Sevilha, para além dos franceses, ingleses e holandeses que, sem licença das autorida­des, negociavam directamente com as populações autóctones.
Ao findar o período filipino, a praça de Cacheu continuava a ser dominada pelos grandes mercadores de escravos que detinham o poder, provocando com a sua prepotência a indisciplina.
Os meios de defesa eram quase nulos apesar de tantas vezes se ter ordenado a construção de uma fortaleza e de ser tão insegura a vida em Cacheu por causa. da resistência dos africanos a quem nem mesmo os constantes presentes conseguiam apaziguar.
Podemos, em resumo, concluir o seguinte: a situação económica era má; a anarquia e a indisciplina campeavam em consequência dos abusos cometidos pelos comerciantes espanhóis e outros estran­geiros; a concorrência movida pelos lançados, judeus e cristãos-­novos, que actuavam activamente como intermediários dos estran­geiros, criava dificuldades aos comerciantes da terra e tudo isto era agravado pela fome que grassava em vastas zonas daquela região. 

(2) André Álvares de Almada - Tratado breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde. Lisboa: Editoria1 L.I.A.M., 1964, p. 77.
(3) Idem, ibidem, p. 72.
(4) A Igreja de Nossa Senhora do Vencimento do porto de Cacheu, no rio de S. Domingos, recebeu o seu primeiro vigário, Fernão Novais de Quiroga, em 20 de Fevereiro de 1598. (António Brásio - Monumenta Missionaria Africa­na. África Ocidental. Segunda Série. Lisboa: Agência-Geral do Ultramar, 1964, vol. 3, p. 407).
(5) André Álvares de AI!TIada - Ob. cit., p. 72-73. (6) AHU - ConseLho ULtramarino, cód. 45, fi. 341.
(7) António Brásio - Ob. cit., Lisboa: Agência-Geral do Ultramar, 1968, vol. 4, p. 210.
(8) AHU - Guiné, ex. 1, doc. I; BoLetim do Arquivo Histórico Colonial.
Lisboa, 1950, vol.jl , p. 203-206; António Brásio - Ob. cit., vol. 4, p. 568-572.
(9) AN1T - Leis, Iiv. 3, fls. 24-26; José Justino de Andrade e Silva - Co­leoção cronológica da legislação portuguesa. Lisboa: Imprensa de lJ.A.Silva, 1855, vol. 2, p. 127-129; António Brásio - Ob. cit., vol. 4, p. 573-576.
(10) Idem, ibidem.
(11) Idem, ibidem.»

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