FABULÁRIO
Não
possuem os biafadas grandes colecções de histórias para contar às crianças ou
para, entre si, os homens contarem para matar o tempo.
Das
poucas que possuem, figuram nelas quase sempre animais e por vezes, de cada
conto transparece um conceito moral. Nos contos figura quase sempre a lebre e é
a ela que cabe o papel que nas fábulas que se contam às crianças europeias cabe
à astuta raposa. É a
lebre que sempre intruja ou vence os animais mais fortes e nos papéis de tolo é
a hiena que figura.
Apresentam-se
a seguir algumas histórias.
A lebre e
a hiena
A lebre e hiena jornadeavam. Depois de caminhar durante algum tempo
avistaram uma povoação. A lebre parou e disse à hiena: «Quando chegarmos ao povoado, se nos perguntarem
os nossos nomes não os dizemos e daremos nomes falsos. Desde já podemos assentar quais os nomes que usaremos: tu serás «Só-trabalho»
e eu «Só-como».
Caminharam
mais um pouco e chegaram à povoação. O chefe desta
ordenou que eles se apresentassem em sua casa e, quando chegaram, a primeira
pergunta que lhes fez foi para saber os seus nomes. A lebre respondeu que se
chamava «Só-como» e a hiena «Só-trabalho».
O chefe disse à hiena que, visto que só trabalhava, fosse para o mato
cortar lenha e mandou trazer comida para a lebre, uma vez que só comia.
A hiena passou o dia todo a cortar lenha e, quando caiu a noite, foi pedir
comida ao chefe da povoação, este recusou-se a dar-lha. Na
manhã seguinte o chefe ordenou novamente à hiena que voltasse ao mato cortar
lenha. Vendo a hiena que estava metida em trabalhos por via da lebre, pensou em vingar-se dela. Partiu o machado au meio e foi à procura do
chefe a quem disse que não podia continuar a trabalhar por o machado se ter partido e acrescentou; «Isso, porém, não tem importância
porque conheço alguém que é capaz de coser O machado e ele fica
como novo». O
chefe perguntou-lhe quem
era capaz de fazer tal e ela respondeu que era o «Só-como». O chefe mandou chamar a lebre à sua presença e comunicou-lhe o que a hiena tinha dito. A
lebre escutou serenamente o chefe e quando este acabou de falar respondeu: «Na verdade posso coser o machado
mas não com linha. Posso cosê-lo, sim, com os tendões do «Só-trabalho».
O chefe ordenou que a hiena fosse morta e que se lhe
tirassem os tendões. Para se livrar da morte certa, a hiena
fugiu e jurou a si mesma nunca mais associar-se com a lebre.
Como a rapariga experimentou o seu namorado
Uma rapariga tinha
um namorado que passava os dias pelos campos a apascentar o gado. Certa tarde começou a
chover torrencialmente e relampejar continuamente e o rapaz, não podendo
regressar a casa, meteu-se no seu abrigo. A mãe deste
pediu a toda a gente do povoado para ir levar comida ao filho mas ninguém quis.
Então a noiva do seu filho foi ter com ela e disse-lhe que
iria à floresta levar comida ao seu noivo. Assim fez.
Depois do seu namorado ter comido, a rapariga voltou para a casa.
No caminho
encontrou alguns lobos e pediu-lhes que fingissem que a comiam e que começaria
a gritar para ver se o seu noivo a iria socorrer. Os lobos
entraram para a sua toca levando a rapariga que se pôs a gritar com quanta
força tinha. Aos gritos da rapariga, o rapaz foi ao local, onde,
juntamente com os gritos da sua namorada, ouviu vozes falando assim: «eu fico
com a perna», «eu fico com a cabeça», «eu fico com os braços». «Não
vale a pena discutir - disse um dos lobos - esperemos por aquele que está à entrada
da nossa toca». Ouvindo assim falar, o rapaz fugiu a bom fugir. A rapariga saiu
e agradeceu aos lobos o serviço que lhe tinham prestado e nunca mais quis
saber do seu namorado.
De como a lebre se viu livre do elefante e do hipopótamo
A lebre não se entendia muito bem com o elefante e o
hipopótamo e esse desentendimento vinha, ao que parece, de questões de comida -
a lebre, mais fraca, ficava sempre mal.
Depois de magicar
durante alguns dias, a lebre foi junto do elefante e disse-lhe: «Vou fazer-te
uma proposta: amarras uma ponta desta corda que aqui trago a uma perna e eu
faço o mesmo com a outra ponta e cada um puxa para o seu lado. Aquele que
arrastar o adversário ganhará um monte de milho que aqui está perto». O
elefante aceitou a proposta. A lebre amarrou o elefante com a corda por uma
perna e seguiu com a outra em direcção ao rio. Ali encontrou o hipopótamo a
quem fez a mesma proposta que tinha feito ao elefante. O hipopótamo aceitou.
Pôs a corda ao hipopótamo e disse-lhe que iria amarrar-se com a outra ponta
depois do que começaria a competição. A lebre desapareceu e o elefante e o
hipopótamo começaram a puxar, cada um para seu lado. Depois de puxar durante
algum tempo, ficaram admirados que a lebre tivesse tanta força - qualquer deles
estava convencido que tinha a lebre por adversário. Tiveram o mesmo pensamento
ao mesmo tempo: ir verificar se de facto era a lebre que estava a bater-se com
eles. Quando se encontraram e compreenderam que tinham sido enganados pela
lebre, combinaram ir em sua perseguição para a castigar A lebre que andava
perto ouviu tudo e tratou logo de se esconder. Vendo perto uma pele de gazela a
apodrecer, meteu-se dentro dela e aí deixou-se ficar. Pouco tempo depois o
elefante passou por ali e ao ver a pele, disse: «Pobre gazela, certamente foi
alguma hiena que a matou». Mas a lebre, escondida lá dentro, respondeu imitando
a voz da gazela: «Nada disso foi; tive uma desavença com a lebre e ela
rogou-me uma praga e eu fiquei neste estado». «Se ela é dessa força, exclamou o
elefante, não quero nada com ela, apesar de termos umas contas a ajustar».
Algum tempo depois
o hipopótamo encontrou a pele da gazela e o mesmo aconteceu com ele.
A partir daquele
dia a lebre andou à vontade e nunca foi incomodada pelo elefante ou pelo
hipopótamo.
De como a mulher se livrou
das pancadas do seu marido
Havia certo homem
que tinha por hábito discutir com a sua mulher acabando sempre por lhe dar uma
tosa. No final de
cada tareia, espetava a sua espada no chão, subia para cima dela e gritava: «Não há homem como eu». A mulher acrescentava:
«Nesta povoação».
Mas ele continuava
convencido que não havia homem tão forte como ele.
O tempo foi
correndo e um dia a mulher pediu-lhe que a acompanhasse a casa de seu pai ao
que de aquiesceu.
Partiram de
madrugada e, depois de muito caminhar, encontraram um grande rio no qual
navegavam grandes canoas. O homem admirado por encontrar um rio num local por onde já
havia passado anteriormente sem ver água, manifestou a sua admiração à mulher.
Ela respondeu que o
pai, quando dormia, babava muito e que o rio que via não era mais que a baba do
pai que, naquele momento, estava a dormir.
Andaram mais um
pouco e começaram a ouvir um barulho ensurdecedor. O homem, assustado,
perguntou à mulher o que era aquilo ao que ela respondeu: «Estão a
acordar o meu pai. Só com este barulho c com fortes marteladas no corpo se
consegue acordá-lo porque ele é muito
forte.
Passados alguns
dias voltaram a sua casa e, pelo caminho, o homem disse à mulher:
«De facto há homens
mais fortes do que eu». A partir daquele dia não mais bateu na mulher.

A seguir apresentam-se pequenas histórias, charadas afinal, escutadas com
grandes risadas e no fim das quais cada um tenta apresentar melhores respostas
às perguntas que se formulam.
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Perante uma grande multidão, dois cavaleiros discutiam as suas habilidades,
cada um se considerando superior ao outro. Como a discussão parecia
eternizar-se sem chegarem a Um acordo, decidiram que cada um
faria uma proeza e os presentes avaliariam as suas habilidades.
Um deles espetou uma agulha no tronco de um poilão e, afastando-se um pouco, meteu o seu cavalo a galope e
passou pelo buraco. O segundo cavaleiro arrancou a agulha que estava espetada
no tronco e, recuando alguns metros, partiu em direcção ao poilão em cujo
tronco fez um orifício com a agulha que empunhava como se fora uma lança,
passando através do orifício.
Qual deles o mais habilidoso?
o homem teimava ser mais ligeiro que a mulher que não lhe
reconhecia essa superioridade.
Uma manhã saíram de casa para fazer uma viagem. A mulher levava à cabeça um balaio com farinha.
Ao chegarem junto de uma lagoa, a mulher escorregou e caiu e a farinha que
levava derramou-se pelo chão. Antes dela se levantar já o homem tinha recolhido
toda a farinha no balaio. A mulher ficou despeitada mas não disse nada. Mais
adiante encontraram uma lala - terreno alagadiço.
O homem escorregou e caiu. Levantou-se e perguntou à mulher se a sua roupa tinha ficado enlameada. Mas ela,
apresentando-lhe a roupa, disse-lhe que não estava suja porque lha tinha
despido antes dele tocar o chão.
Qual deles o mais ligeiro?
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Iufu e Iafá conduziam uma vaca, indo o primeiro à frente com a corda e o
segundo, atrás, a enxotá-la.
No meio do caminho a vaca fugiu. Quando chegaram notaram com espanto que o
animal tinha fugido. Puseram-se a perguntar pela vaca.
- Então tu levas a corda e não
sentes a vaca fugir, diz Iafá.
- E tu vais atrás dela e não a vez
fugir? - replica Iufu.
Qual deles o mais tolo?
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Cabucu
dunia (1)
Um velho saiu com o seu filho a correr o mundo a fim de o
pôr em contacto com a vida porque o rapaz era novo e inexperiente.
Andaram algumas horas e encontraram três fontes: duas com
água e no meio delas, uma seca.
De uma das fontes que tinha água, esta corria para a
outra e vice-versa. Para a que estava seca não ia uma gota.
O rapaz admirou-se
e perguntou ao pai por que as fontes que tinham água trocavam-na entre si e não
mandavam uma gota para aquela que estava seca. O pai respondeu-lhe: «Os ricos
associam-se entre si mas nunca verás os ricos associarem-se aos pobres».
Mais adiante
encontraram um homem a colher lenha, tendo já feito um grande feixe com o qual
não podia. De vez em quando experimentava o feixe e, apesar de não o poder
fazer, ia-o sempre aumentando. O filho manifestou a sua estranheza ao pai,
tendo-lhe este respondido: «Há homens que mal podendo sustentar uma mulher, nem
por isso deixam de tomar todas as que lhe aparecem. Homens assim nunca
conseguem ir para diante».
Finalmente
encontraram duas vacas a pastar num campo. Uma, coberta de moscas, comia
pachorrentamente ao passo que a outra sacudia-se e fugia de um lado para outro
para se livrar de uma só mosca que tinha pousado nela. Perante o espanto do
filho, o velho explicou: «Há homens que têm muita família e trabalham sempre
para a sustentar mas hás-de encontrar quem só tenha um parente para sustentar e
que empregará todos os meios para se livrar dele».
(1) Cabucu dunia significa: coisas de pasmar.
(1) Cabucu dunia significa: coisas de pasmar.
OCTÁVIO C. GOMES BARBOSA
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