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6 de fevereiro de 2012

381-Báná Sirabanda - lenda dos banhuns


Há pouco mais de um século constituíam os banhuns uma das mais importantes tribos de entre as que habitavam toda a região de Sédhiou da vizinha colónia francesa, estendendo as suas povoações até ao rio Casamansa e ainda mais além, em terre­nos férteis que, nessa ocasião, pertenciam a Portugal.
Mais tarde vieram estabelecer-se também na actual área da Circunscrição Civil de São Domingos, fundando, entre outros, os aldeamentos que ainda hoje, existem, com os nomes de Géqui, Beguingue e Sonco, de população bastante numerosa naquele tempo, mas agora muito reduzida.
Pois na referida região de Sédhiou, num local denominado Coli, perto da povoação de Cudompo que ainda ali se encontra, vivia um banhum que usava o nome de Sirabanda e a quem os negociantes man­dingas que por ali passavam chamavam «báná», que o mesmo é dizer «o mais rico», em virtude das várias histórias que corriam sobre a sua grande fortuna, aliás comprovada pelo esplêndido tratamento que lhes era dispensado.
E porque achasse que o apodo lhe convinha passou a usá-lo, denominando-se daí por diante Báná Sirabanda, nome porque todos o conheciam, embora a sua pronúncia não fosse agradável aos invejosos que lhe cobiçavam as riquezas e consequente importância social.
Entre outras coisas, contava-se que, em local bem escondido no mato e só de seu dono conhecido, existiam fornos onde de dia e de noite se derretia o ouro colhido nos terrenos por ele descobertos. A atestá-lo estava o facto de serem daquele metal as cadeiras onde, em sua casa, se sentava.
A confirmá-lo havia a grande manada de gado, bovino, cujo número de rezes ninguém podia contar, pois era tão grande que diariamente e durante todo o ano nasciam vitelos nos seus currais. A sua «morança» era tão povoada, devido ao elevado número de mulheres que possuía, filhos havidos delas e serviçais, que só por si formava a povoação denominada Coli, onde habitava o potentado.
Várias vezes os ambiciosos tinham querido levá-lo a ocupar qualquer cargo de chefia, procurando captar-lhe as simpatias e o dinheiro, mas Báná Sirabanda sempre se recusara: «A administração da sua casa e os múltiplos cuidados que sobrevinham da sua numerosa família, dizia ele, já eram suficientes para trazer constantemente preocupado o seu pensamento».
Entretanto, numeroso grupo de escravos tratava dos célebres fornos onde se preparavam as barras de ouro, extraído dos areais onde residia o segredo de tão grande opulência. Para evitar, porém, que este fosse conhecido de estranhos, todos aqueles escravos - homens, mulheres e crianças - viviam como que enclausurados dentro das suas habitações, de onde saíam apenas para. trabalhar nos serviços que lhes estavam distribuídos.
Apesar de toda a vigilância, porém, a argúcia dos invejosos, que eram muitos, ultrapassou as precauções de um só, e um dia, em reunião magna, resolveram aqueles acabar com a vida do Sirabanda, para lhe roubarem as riquezas.
Fácil foi subornarem os servos, prometendo-lhes sua parte na rapina que se seguiria à morte do potentado e, durante a noite, prepararam a armadilha: na frente da palhota que, por principal, servia de moradia ao «báná», havia um terreno onde, em dias de festa, se realizavam os batuques. Aí se abriria uma cova com a altura de um homem, disfarçando-a de modo a que o capim a cobrisse.
Cumprindo o plano pré-estabelecido, na manhã do dia seguinte numerosa multidão se dirigia por vários caminhos para a povoação do ricaço, e como este ao sair de casa se admirasse do que seus olhos viam, logo os servos traidores lhe explicaram tratar-se de. uma surpresa que lhe· queriam fazer, dando uma festa em sua honra, para. lhe manifestarem o seu apreço e a muita consideração em que o tinham.
Admirado do facto, mas também satisfeito na sua vaidade, não pensou o Sirabanda noutra coisa que não fosse corresponder a tão grande prova de afecto, e assim deu logo ordens para que se matassem as cabeças de gado precisas para fornecer boa comida aos seus hóspedes e se tirasse o melhor vinho das palmeiras, em quantidade que bastasse para matar a sede de tanta gente que ele via dirigindo-se para a sua casa. Assim se fez.
Entretanto, iam os homens mais importantes entrando na residência do homenageado, onde depois de juntos e segundo mandava o uso da tribo, o mais velho comunicaria o fim da reunião, tudo isto com os costumados louvores e as cortesias devidas a tão grande personagem.
Aqueles que, por sua menor importância social, não participavam desta audiência, as mulheres e as crianças, foram agrupados no terreiro, em semicírculo, tendo os seus arrumadores - os próprios servos do dono da casa - o cuidado de os pôr em posição tal que a armadilha ficasse entre eles.
Acabados os cumprimentos e recebidos pelo «báná» as nozes de cola e o gado caprino trazidos como dádiva pelas diversas povoações representadas, mandou ele chamar os seus familiares, ordenando-lhes ainda uma vez que nada deixassem faltar aos hóspedes - a comida e o vinho - não só para que a festa tivesse o desejado brilhantismo, mas porque também, dentro da sua opulência, seria vergonhosa qualquer falta.
Já nos currais se ouviam os mugidos dos bois sacrificados e começavam chegando os portadores com o néctar das palmeiras: o vinho mais doce para as mulheres e o fermentado para os homens beberem, depois de aromatizado com aquelas ervas que os tornaria alegres, estimulando ao mesmo tempo a sua sensualidade.
Ia dar-se início ao festim. Báná Sirabanda manda que os seus servos tragam os célebres bancos de ouro, que vão servir para ele se sentar e também o grupo dos mais importantes, ordenando-lhes que os ponham em lugar de destaque.
Cumpre-se a ordem; somente em vez de colocarem os bancos a par, põem aquele onde se sentará o anfitrião defronte da porta da sua resi­dência e os restantes junto da armadilha, na parte onde, no chão, já se encontra sentada toda a assistência, ansiosa por. que principie o tambor e se iniciem as danças, e ignorando que em lugar de festa vão assistir a uma tragédia. O plano foi bem urdido e melhor executado.
Sirabanda sai de casa quando os seus inimigos já se encontravam sentados nos respectivos lugares e logo censura ·os servos que indelica­damente colocaram a sua cadeira em lugar à parte. Imediatamente se dirige para onde os outros se encontram, mandando que lhe levem o seu banco, mas ao passar sobre a ratoeira sente que o chão lhe falta e cai desam­parado. Logo se ouve grande borborinho e os conjurados lançam-se, de espada na mão, para consumarem o plano.
Báná Sirabanda está prestes a ser vítima da sua riqueza. Consegue, porém, erguer-se dentro da cova e dignamente, sem mostrar receio da morte, pede para que o deixem falar antes de lhe cortarem a cabeça, o que, apesar da má vontade de muitos, lhe é concedido. Dirigindo-se então àqueles que sabe serem os seus algozes, diz-lhes em ar de maldição:
- Eu vou morrer, mas a vossa traição é um acto de tanta malvadez que há-de ser castigada. Outros virão, de outras raças, que vos hão-de vencer, roubando-vos a terra e a família, e o castigo será de tal natureza que a tribo dos banhuns, por tão vil, há-de desaparecer.
Nada mais o deixaram dizer e a sua cabeça, decepada com um só golpe, ficou com o corpo naquela mesma cova.
Durante a noite, quem passava a muitos quilómetros podia ver os rolos de fumo que saíam da povoação que havia sido pertença de um só homem e que os seus congéneres tinham reduzido a cinzas, depois do saque. A praga, porém, surtiu efeito.
Não passou muito tempo sem que os djolá, cobiçando os terrenos dos banhuns, lhes não movessem dura guerra, que os obrigou a estabe­tecer-se para nascente do Casamansa a fim de viver em paz, pois só pondo o rio de permeio conseguiram não serem totalmente aniquilados.
Valeu-lhes o facto de os djolá temerem as correntes de água, de tal modo que, quando imperiosa necessidade os obrigava a embarcar em canoas, faziam-no deitados no fundo destas e com o rosto tapado, tal era o medo que sentiam da água.
Mas bastantes banhuns houve que ficaram prisioneiros, e destes, enquanto os homens eram vendidos como escravos, as mulheres e crianças eram entregues aos vencedores, obrigatoriamente adoptando os seus usos e costumes.
Mais tarde, quando o famoso chefe de guerra Fodé Càbá procurava territórios para conquistar os cativos para trabalharem as terras apresadas, parte desses banhuns, agora já convertidos em djolá, foram feitos prisioneiros e totalmente perderam a ligação com os ascendentes.
Alguns ficaram, porém, integrados na tribo dos djolá, escapando com vida àquelas guerras, pois o Fodé Càbá havia sido assassinado perto do Gâmbia.
Criaram família, casando com cativas banhuns em poder dos djolá, pois embora estes casassem com mulheres banhuns não consentiram que as da sua raça o fizessem com eles e destas uniões nasceram filhos que, secretamente, eram informados pelos pais sobre a respectiva ascendência. Mas, já morto o Fodé Càbá, novo chefe de guerra apareceu.
O célebre Abdu Injai, que anos depois se devia revoltar contra o governo português, andava então por aquelas paragens fazendo a guerra. Tendo, segundo parece, tanto de guerreiro, como de comerciante, preferia, depois de provocar o terror, entrar em combinações com as populações, que por qualquer preço pretendiam evitar as razias, prometendo-lhes paz em troca de escravos em boa idade para serem vendidos. Foi assim que exigiu aos djolá, para lhes não fazer guerra, que cada uma das povoações lhe entregasse vinte mancebos entre os 18 e 25 anos.
Não é difícil concluir que aqueles, tendo aceitado a imposição, mandaram entregar os banhuns que tinham em seu poder, e também desta maneira desapareceram mais alguns dos existentes.
Reduzidos em número e escorraçados dos territórios que primeiramente povoavam, habitavam, como já se disse, a região a Sul de Ziguinchor, estendendo as suas povoações pelo território até São Domingos e cerca de oito quilómetros para Oeste desta última povoação, mas não formavam núcleos, antes procuravam fundar os seus aglomerados em regiões já habitadas por outras tribos.
Daqui, segundo parece, a sua ligação amistosa com os ihádja, mais conhecidos por cassangas, de que houve casamentos, no entanto mais numerosos de mulheres banhuns com ihádja do que o contrário e do que resulta, mesmo por direito consuetudinário, nascerem os filhos como per­tencendo à última tribo - a dos ihádja.
Esta foi outra das causas do seu desaparecimento, agravada com o uso imoderado do vinho de palma a que se entregam, ainda pelo facto de só o beberem depois de um período longo de fermentação, adicionando-lhe determinadas ervas a que atribuem poderes estimulantes, mas que são apenas motivo para uma senilidade precoce.
Assim se vai cumprindo a profecia - se não praga - do banhum Sirabanda, assassinado pelos seus irmãos de raça por ser demasiadamente rico.
É o que reza a tradição. Se a história é verdadeira ou se apenas uma lenda que chegou aos nossos dias, já hoje se não pode saber, mas foi-me narrada por um velho, mas muito velho, que se chama Seco Djatá e que durante muitos anos viveu em território francês, ainda que oriundo de Geba, da nossa Circunscrição de Bafatá.


                                                                                                                 Amadeu Nogueira


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