O José João Ormonde dos Santos foi meu camarada no COM (Curso de Oficiais Milicianos) em Mafra, no 2º ciclo do 2º Pelotão da 3ª do COM, em Abril de 1966. Era um amigo bem divertido. Depois desse período nunca mais soube dele. Só em 1971 tive notícias dele (vão ver...). Foi pena, até para saber se foi mesmo como conta o CM...
«Suzete andava danada com o noivo da filha: o enxoval estava pronto,
os nomes Já tinham Ido a banhos, os padrinhos convidados - mas José João Ormonde
dos Santos, estudante de engenharia e professor no colégio do pai, não se
resolvia a levar Olga Maria ao altar. Para mais, até pedira à futura sogra 500 contos
emprestados para o trespasse de um restaurante - e nunca mais acertava contas.
Padecia Suzete cada vez mais inquieta, quando um belo dia
teve uma alegria inesperada. Ao principio da tarde de 21 de Junho de 1971, José
João e o irmão mais novo, João Manuel, apareceram-lhe em casa, um espaçoso
primeiro andar a dois passos da Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa. Os manos
estavam contentes da vida.
Entregaram-lhe 25 contos em notas e juraram pagar o resto dos
500 contos dai a dois ou três dias. Suzete agradeceu aos céus de contente – e nem
deu importância a um pesado saco de viagem que eles lhe pediram para guardar.
No
outro dia de manhã, Suzete cruzou-se com a porteira, Leonor, na entrada do
prédio. Contou-lhe tudo:
- Sabe quem esteve ontem ã tarde em minha casa? O José João.
- Até que enfim vamos ter casamento - comentou a porteira,
de ouvido à espera de mais pormenores.
- Ele não falou disso... Mas ao menos vai-me pagar os 500
contos. Deu-me ontem 25 e prometeu o resto dai a dois ou três dias - disse
Suzete.
- Tem graça... Li no jornal que ontem houve um assalto a um
banco. Parece que roubaram uns dois mil contos - disse Leonor.
Suzete lembrou-se do saco que os rapazes lhe pediram para
guardar. Despediu-se da porteira à pressa e voltou a subir as escadas. Mal
entrou em casa, contou à filha a conversa com a porteira.
Mãe e filha, roídas pela curiosidade, decidiram abrir o saco
de viagem - e o que viram deixou-as sem respiração: o saco, pousado sobre a
arca do enxoval que aguardava uso, estava cheio de maços de notas ainda com as
cintas do banco. Avisavam a Polida, devolviam o saco aos irmãos Ormonde – ou faziam
de conta que não tinham visto nada? As duas mulheres nem tiveram apetite para o
almoço.
Ainda nesse dia, por volta das oito da noite, o telefone
tocou no comando da PSP, no velho edifício do Governo Civil, ao Chiado: uma
mulher revelou ao agente que a atendeu as suspeitas sobre os irmãos Ormonde. A
PSP levou a denúncia a sério. No outro dia de manhã, 48 horas depois do roubo na agência do Banco
Pinto de Magalhães, os dois foram presos.
José João, o mais velho, era o braço-direrto do pai no
colégio: dava aulas e desempenhava o cargo de sub-director. João Manuel, o mais
novo, terminara o liceu e ainda não decidira sobre o rumo a dar à vida. Viviam
desafogados em dinheiro e tinham um fraquinho pelos delírios da noite.
Numa dessas madrugadas de desvaria encontraram Wilson
Filipe, o 'Sabu', então com 23 anos, regressado da guerra na Guiné, onde
servira na Armada. 'Sabu', natural do concelho da Azambuja, ajeitara-se por
Lisboa guando terminou a comissão no Ultramar. Morava num segundo andar da Rua da
Atalaia, no coração do Bairro Alto, onde tinha duas mulheres por conta:
dava-lhes protecção e geria-lhes o negócio. Não era um menino bem comportado -
mas tirando as arrelias com a brigada de costumes, nada devia à Justiça.
Os Ormonde encontraram o homem que lhes faltava para o
assalto - operacional capaz de arquitectar um plano, recrutar executantes e
comandar o golpe. Numa noite de copos, convenceram-no. Wilson reuniu dois
amigos: Fernando Pio, de 22 anos, mecânico, e António Reis, de 24. O primeiro
fora seu camarada na Marinha. O outro, algarvio, engraxava sapatos no Rossio:
participava em combates de boxe e era uma espécie de guarda-costas de 'Sabu'.
O golpe foi desferido ao final da manhã de 21 de Junho de
1971. O 'comandante' da operação não quis ninguém armado: as armas utilizadas
no assalto eram de plástico.
Quatro clientes - uma mulher e três homens - eram atendidos
ao balcão. 'Sabu', de pistola na mão, obrigou o gerente a abrir o cofre do
tamanho de um roupeiro. Nunca tinha visto tanto dinheiro. O suor escoria-lhe
pelas fontes. Nem deu pela aproximação de um agente da PSP à civil que lhe
apontou uma pistola à cabeça. Mas o Reis estava atento. Encostou a metralhadora
de plástico ao policia e gritou: "Se o matas morres!" O policia
voltou-se. Deu de caras com um Hércules de ar feroz, carantonha talhada a
sopapos a fazer inteira justiça à alcunha de 'Feio' - e largou a arma. O
assalto foi um êxito. Saíram, cada um para o seu lado. 'Sabu', agarrado ao
saco, correu até ao Apeadeiro do Areeiro, onde os irmãos Ormonde o aguardavam,
e entregou-lhes o dinheiro. Não imaginava que os imprudentes fossem guardar o
saco em casa de Suzete. Os irmãos, presos, denunciaram os outros.
Encontraram-se todos na prisão.
GOLPE HISTÓRICO
- O golpe contra o Banco Pinto de Magalhães, na Avenida de
Roma, em Lisboa, ficou para a história do crime - foi o primeiro assalto de
delito comum contra uma agência bancária em Portugal
- Apenas Palma Inácio, destacado opositor da ditadura, se
atrevera a atacar um banco: fê-lo na Figueira da Foz, em 17 de Maio de 1967,
para financiar a revolução
- 'Sabu', Pio e Reis levaram 2180 contos do Banco Pinto de
Magalhães - o que, na época, dava para comprar três apartamentos.
- Os assaltantes deixaram os quatro clientes do banco, os
seis funcionários e o policia com bolsas de pano, iguais ás que usavam para o
pão, enfiadas na cabeça.
PRESOS POLÍTICOS
JULGAMENTO: Wilson Flilipe ('Sabu'), Fernando Pio, António
Reis e os irmãos Ormonde dos Santos foram julgados, em 1971, no Tribunal da
Boa-Hora, em Lisboa.
PENAS: Os dois irmãos foram condenados como mandantes do
assalto. Apanharam as penas mais severas: José João, o mais velho, levou 14
anos de cadeia; o mais novo, João Manuel, foi punido com 12 anos. Os outros
três foram condenados, cada um, a seis anos de prisão.
LIBERDADE: Nenhum deles cumpriu as penas até ao fim. A
voragem da Revolução de Abril encontrou-os na Penitenciária de Lisboa. O assalto
foi então considerado um golpe com motivações políticas - e os cinco saíram em
liberdade.»
“Correio da Manhã”, Polícias e Ladrões, 11 de Março de 2003
“Correio da Manhã”, Polícias e Ladrões, 11 de Março de 2003
O Wilson Filipe, "Sabu", foi, em 1975, o líder da ocupação da herdade Torre Bela pelos trabalhadores agrícolas sem terra de Manique do Intendente, Macussa e Lapa, localidades do Ribatejo, transformando-a depois em cooperativa.
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