OS PANOS DOS PAPÉIS E AS BALOBAS DE MARIANA
Fernando Peixeiro, da Agência
Lusa
Bissau, 09
jun (Lusa) - Os tradicionais panos de pente da Guiné-Bissau voltaram a fazer-se,
a cultura da etnia Papel é divulgada e Quinhamel é um polo turístico já este
ano. Porque a Mariana, um dia, conheceu na Roménia um
guineense.
É em Quinhamel, a poucos quilómetros de
Bissau, que Mariana Ferreira dirige a Artissal, uma organização
não-governamental que acolhe uma sala de tecelagem onde diariamente trabalham 22
tecelões e outros tantos aprendizes (familiares, porque o aprendiz tem de ser
sempre da família).
São Papéis (uma das etnias da Guiné-Bissau)
e fazem pano de pente, tradicional do país, com teares melhorados, mas de base
idêntica aos que existiram até quase terem caído no esquecimento, há uma década.
Mais a norte, em Calequisse, outros 22 homens, Manjacos de etnia, trabalham
também em pano de pente, patrocinados pela Artissal.
A tradição quase se perdeu na Guiné-Bissau,
mas foi recuperada através da organização, criada por uma romena formada em
música e artes plásticas e que um dia conheceu no seu país um guineense
estudante, com quem se casou, passando a viver na Guiné-Bissau a partir de
1986.
Mariana deu aulas, ensinou música, promoveu
a cultura, publicou livros de recolhas de músicas tradicionais, deu a conhecer
artes como cestaria e olaria. Tudo passado. O "presente" começou há oito anos:
"fundei a Artissal em 2004 aqui em Quinhamel e a cooperação portuguesa financiou
a construção da fábrica, o atelier. Fizemos voltar do Senegal 22 pessoas que
sabiam fazer pano de pente, mas que tinham emigrado porque aqui já não se
fazia".
Esse trabalho de sensibilização, e também de
alfabetização e formação, durou dois anos. A Artissal começou a fazer panos
tradicionais em 2006. É membro da organização africana de comércio justo e fazia
cerca de cinco mil euros mensais em vendas na loja de Bissau, até ao golpe de
Estado de 12 de abril. Também exporta para Portugal.
Porque a tecelagem é coisa de homens, a
Artissal "começou a pensar em integrar as mulheres deles". Com mais apoios,
desta vez espanhóis, formaram-se 16 costureiras.
Mas não chegava. "Temos de viver das vendas,
o que é muito vulnerável", diz Mariana Ferreira. Cabelo apanhado, ar sério,
português com ligeiro sotaque, acrescenta: "pensámos numa estrutura que pudesse
ligar tudo, pensámos num pequeno polo turístico que pudesse englobar o pano de
pente, um projeto de turismo diferente, baseado na riqueza cultural da região de
Biombo" (onde se integra Quinhamel).
E foi assim que de uma organização de
produção e divulgação de panos tradicionais, coloridos e com motivos recuperados
nas tabancas (pequenos aglomerados do interior), a Artissal, de novo com apoio
português (Instituto Marquês de Valle Flôr), se lançou no turismo
cultural.
Ao lado da fábrica de tecelagem fizeram-se
'bungalows' e voltou-se a ir ao povo. "Conseguimos fazer essa gente perceber que
podíamos levar pequenos grupos de pessoas, interessados no que eles têm e que
tem valor para essas pessoas".
Com o aval das comunidades a Artissal criou
o "circuito das Balobas", locais sagrados dos Papéis, o "circuito dos saberes",
mostrando aos turistas o pequeno artesanato local, e um circuito de passeio. E
deu emprego a mais 16 pessoas.
Ainda em fase experimental, o projeto
turístico deve desenvolver-se este ano. Porque o da tecelagem está em pleno, com
os mestres a ensinarem aos aprendizes ("não há uma escola de tecelagem, passa-se
de pai para filho, para sobrinho") como se faz e o que representa o pano de
pente.
"O pano é um objeto de grande significado
para a etnia Papel, intervém em todas as etapas da sua vida e é um objeto
sagrado. Quantos mais panos se arrecada em vida mais rico se é", conta Mariana
Ferreira, ao lado de homens a tecer panos coloridos e padrões ancestrais,
ajudados por outros mais jovens. Serão colchas, serão toalhas de mesa, serão
roupas, serão também bolsas e carteiras.
"A Artissal surgiu no desejo de defender um
pouco aquilo que era o património guineense que era o pano de pente, e conseguir
gerar emprego autónomo através de uma profissão antiga mas que estava quase em
vias de desaparecer, a tecelagem", resume Mariana.
Atelier mas também escola e polo turístico,
a Artissal é ainda centro de conferências e de apoio a pequenas produções
locais. E será o que o "engenho e arte" de Mariana Ferreira ditar.
"A ideia agora é parar seis meses para ver o
que esta simbiose vai dar", diz. Mas já pensa em expandir o turismo a outras
regiões da Guiné-Bissau. Assim o país estabilize e os turistas voltem. Para
comprar panos de pente e fazer o "circuito das Balobas".
Fonte no net: http://paginaglobal.blogspot.ch
(09.06.12)

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