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21 de julho de 2011

222-Abdul Indjai


21.V.1909 - Os Balantas atacam, com intenso tiroteio, o posto de Goli, desde  as 7 da manhã até às 12 horas. A 25 desse mês, esse posto é reforçado, fazendo parte desse reforço Abdul Indjai, recém nomeado régulo de Cuor, e o seu grupo de auxiliares
12.IV.1913 -  Teixeira Pinto inicia uma campanha contra a região insubmissa do Oio, onde bivaca no dia 15, precedido pelas forças de Abdul Indjai compostas por 400 irregulares,
26.XII.1913 a IV.1914 - Desenrolam-se operações contra os indígenas de Cacheu e Churo, tendo-se distinguido a acção do chefe de guerra Abduil Indjai.
25.II.1914 - «Por ter dado sempre sobejas provas de sua dedicação ao Governo e manifestado a mais heróica valentia» o régulo Abdul Indjai foi nomeado tenente das forças de 2.ª linha.
IV-VIII.1914 - Operações contra os Balantas de Abril a Agosto de 1914. Entre outros, distinguiu-se o chefe indígena    Abdul Indjai. 
15-V-1916 - Por despacho do governador publicado nesta data foi o chefe de guerra Abdul Injai, tenente de 2." linha, nomeado régulo da região do Oio, em atenção aos «relevantes serviços por ele prestados, tendo dado sobejas provas de lealdade e dedicação ao Governo».
8-VII-1919 - É declarado o estado de sítio nas regiões de Bissorã e Farim por motivo de Abdul Injai se recusar a acatar as ordens do Governo.
16-VIII-1919 - Foi preso em Farim o régulo Abdul Injai, tenente de 2.ª linha, que se entregou às autoridades locais com a sua gente terminando assim as operações militares de Oio. 
29-VIII-1919 - Foi demitido do posto de tenente das forças de 2.ª Linha o régulo Abdul Injai e destituído do cargo de régulo da região do Oio, sendo-lhe imposto a transferência para a Ilha da Madeira pelo tempo de 10 anos.O mesmo foi mais tarde deportado para Moçambique, tendo, porém, morrido em Cabo Verde. 


ANTES da narração, quero dizer que não pretendo discutir a figura de Abdu Injai - um dos heróis da ocupação da Guiné - e menos ainda diminuir a sua personalidade.
Ao citar factos, desejo apenas dar a conhecer o homem, tal como nos aparece.
A mentalidade de um «não civilizado» só pode ser compreendida, em certos casos, por aqueles que lhe conhecem a religião, os usos e costumes tribais e o temperamento próprio - muitas vezes também a sua convivência com civilizados, graduada pela cultura destes últimos.
Daqui deve inferir-se que, neste âmbito, o que para nós representa socialmente uma má acção, pode ser para ele motivo de glória e vice-versa.
O balanta, por exemplo, não rouba pelo lucro material que lhe pode advir da vaca furtada, mas pela importância social que lhe trará o facto de o saberem audacioso, valente e, sobretudo, conseguir roubar sem ter sido apanhado o animal furtado, ainda que ele próprio o seja (uma prova de esperteza).
De resto, foi o temperamento aventureiro de Abdu e sua provada valentia que deram a Teixeira Pinto um dos seus melhores colaboradores nas campanhas da ocupação; digamos pacificação.
Conhecedor dos homens e sabedor das características especiais das guerras africanas, ele soube certamente com quem lidava, mas soube também aproveitar as suas qualidades de guerreiro destemido, sendo além disso um precioso auxiliar pelo conhecimento que possuía da topografia local.
* *
O que vai ler-se foi-me contado - na parte que diz respeito à vida de Abdu Injai antes de ter sido chamado a cooperar na campanha superiormente comandada pelo capitão Teixeira Pinto - por um velho mandinga, nascido em Geba e que, quando pequeno, o pai levou para território francês, por ter resolvido fixar ali a sua residência.
Disse-me que tinha convivido pessoalmente e durante alguns anos com o Abdu, seu vizinho na povoação onde ambos residiam e que, ainda meninos, correram juntos várias aventuras, sendo já nessa altura aquele considerado um valentão, pelo que sempre tomava a chefia do bando de garotos que capitaneava.
Abdu Injai nasceu de pais «yolof», na povoação denominada Salum, da Circunscrição de Koalac (Senegal), e, segundo o informador, devia ter vindo ao mundo entre os anos de 1860 e 1865.
Muito novo ainda, dedicou-se ao comércio ambulante, parecendo que também fez dinheiro, ainda que encobertamente, vendendo escravos que numa ou noutra sortida conseguia aprisionar.
Sobre a veracidade desta última parte, tenho dúvidas, bem podendo ter acontecido que o meu informador se deixasse levar pela sua imaginação, ou talvez mesmo por qualquer antigo rancor, o que no decurso das nossas conversas me quis parecer.
Mas como comerciante, os seus gastos exagerados - gostava de ostentar grandeza e cobiçava quantas mulheres bonitas encontrava - fizeram com que, em determinada ocasião, não pudesse pagar as dívidas contraídas, resolvendo fugir para Zinguinchor, que começava o seu desenvolmento como centro comercial, sob o domínio francês.
Já ali residiam bastantes funcionários e as casas mais importantes de Dacar estabeleciam as suas agências, numa visão justa sobre o futuro do novo porto de saída para as oleaginosas do Senegal.
Durante dez anos Abdu Injai fez parte dos grupos que auxiliavam a carga e descarga dos barcos; nos intervalos para se manter e à única mulher que o acompanhava, saía para a pesca na sua pequena canoa e muitas vezes o Sol o encontraria remando, em busca de cobiçado peixe, sem querer confessar ao seu companheiro destas lides - um yolof também - o quanto o enojava esta vida miserável de pescador, sempre com mãos e vestes cheirando a peixe, trabalhando para satisfazer o estômago das gentes e dificilmente ganhando para o seu sustento.
A temporada era longa demais para o seu carácter dado a aventuras e como nada aparecia que o fizesse entrever uma melhoria na sua vida, resolveu ir a Dacar, consultar «marabout» de fama que o aconselhasse sobre o futuro.
Não se sabe se foi por conselho deste que resolveu conhecer o nosso território, primeiramente carregando os fardos de peixe seco até às povoacões fronteiriças e depois alargando as suas excursões até à vila de Cacheu.
De Cacheu, onde procurou o convívio e a amizade de manjacos e cobianas, foi-se internando no território e dentro de pouco tempo tornou-se conhecido de chefes e influentes, que o recebiam com agrado, pois sabia cativá-los com as histórias, que contava, sobre os povos que habitavam o Senegal e a Gâmbia, e os conselhos com que lhes resolvia as doenças, dizendo-se conhecedor de ervas para aliviar os padecimentos e aplicando as «mezinhas» feitas com aquelas.
Andaria então por quarenta anos a sua idade e a sua compleição física era de molde a permitir todas as vicissitudes no tratamento.
Em Calequisse, mais do que em nenhuma outra povoação, era Abdu Injai estimado, entrando em casa do régulo com a maior liberdade, desde que conseguira curar dos seus padecimentos a sua mulher preferida, e, como o sabiam seu grande amigo, todos os do «chão» lhe tributavam respeito, estando entre eles como na sua própria terra.
Como era homem que se dizia capaz de conseguir tudo o que pretendia, de uma vez, estando em Pelundo, foi procurado por um dos «grandes», que se prontificou a garantir-lhe um óptimo lucro se fosse capaz de conseguir-lhe uma pequena bombarda, das que os manjacos usam carregar com pólvora seca para dar as repetidas salvas nos seus festejos ou por morte de pessoas importantes. Como para ele nunca havia dificuldades, seduzido além disso pela enorme recompensa e consequente importância que o caso lhe daria entre os de Pelundo, logo aceitou a incumbência.
Passavam-se, porém, os dias e de ninguém conseguia a venda do objecto encomendado.
Qual era o manjaco, merecedor desse nome, que voluntariamente se desfaria de uma peça tão importante, que o tornava credor da maior consideração entre os seus? Não havia, como não existia homem daquela raça capaz de cometer um furto que representava como que um sacrilégio e que, mesmo não sendo descoberto, traria para o seu autor um sem número de infelicidades.
Mas se não conseguia um manjaco que, vendendo ou roubando, lhe entregasse a cobiçada pequena bornbarda, ele Abdu Injai, é que não era homem para recuar, deixando de ganhar a prometida soma que o tornaria feliz por algum tempo - talvez com a possibilidade de, mais uma vez, se tornar comerciante.
Quem sabe se não estaria naquela pequena dificuldade a solução para a sua vida no futuro?
É talvez por estes motivos que, aproveitando-se da liberdade que gozava em casa do régulo de Calequisse, rouba uma das suas bombardas, guardadas em lugar seguro, escondendo-a em local escolhido previamente, bem dentro do mato.
Pretende conhecer, antes de a levar, se o dono dará pela falta. Passam-se três ou quatro dias e a sua impaciência não consente mais delongas.
Abdu Injai despede-se do seu hospedeiro, como faz sempre que sai da terra, seguindo para Pelundo.
No trajecto, colhe o objecto roubado e carrega-o, convencido de que ganhou a partida.
Quis, porém, o destino, que logo após a sua saída, um dos servos do régulo de Calequisse, indo à arrecadação onde estavam as bornbardas, desse por falta de uma.
Dado o alarme, o régulo que, possivelmente, não tinha confiança no seu hóspede - um estrangeiro e demais yolof - manda segui-lo, e os encarregados da perseguição vão encontrá-lo já no Pelundo, de noite, descobrindo na própria casa onde pernoitava, a coisa furtada, que não havia tido tempo de entregar àquele a quem se destinava.
Ali mesmo o amarraram com cordas que traziam, e assim, preso e de mãos atadas atrás das costas, conduzem durante cerca de 35 quilómetros (de Pelundo a Calequisse) aquele que uns anos depois há-de concorrer para que seja dominada a rebeldia dos manjacos. Em Calequisse o régulo não o quer ver e manda-o meter num compartimento da sua casa onde improvizou um calabouço. Reserva-lhe um castigo especial, que sirva de exemplo para outros audaciosos.
De facto, o preso sente com surpresa que na parte inferior das paredes exteriores há um ruído, como se alguém pretendesse fazer um orifício, não podendo, porém, pensar que em pleno dia, pretendiam dar-lhe fuga. Dura pouco a sua indecisão, pois vê a parede furada em dois sítios e logo que este trabalho fica concluído, entram no improvizado calabouço alguns dos homens de confiança do régulo que, sem o desamarrar, obrigam o preso a enfiar os pés nos referidos orifícios.
Sentado ou deitado no chão, numa posição quase insustentável e agora com os pés na parte de fora da casa e o resto do corpo no interior dela, cogita Abdu Injai na maneira como sair daquela situação, e, sozinho cm terra estranha, como conseguir subornar os carcereiros, tanto mais que o pouco dinheiro que possuía havia-o perdido ou tinha-lhe sido roubado depois de preso.
Todos os ardis que aprendeu e aqueles que o seu cérebro cogitava não lhe trazem a solução desejada e, no entanto, se encontrasse quem quisesse levar-lhe um recado a certa mulher do régulo, talvez conseguisse modificar a situação.
Sente-se deprimido, mas na sua mente nasce também um projecto de vingança que há-de pôr um dia em prática, se Allah o tirar desta situação difícil.
Passam as horas; vem o cabaço com a comida e tiram as cordas que lhe prendem as mãos.
Cheio de fome, come apenas o .suficientc para se manter alerta, com receio do veneno, mas não é este o castigo que lhe está reservado.
Perto da noite, ouve grande algazarra e percebe que bastante gente se dirige para o local da prisão. Crê chegada a hora de morrer, mas soou apenas a hora do castigo.
Vêm queimar-lhe os pés com um ferro em brasa, para que fique impossibilitado de andar depressa, pois quem rouba necessita ter meios para fugir.
Ainda no dia seguinte sofre o mesmo martírio, dando gritos que soam agradàvelmente aos ouvidos do seu carrasco, mas nessa noite, não se sabe como - talvez por favor da tal mulher do régulo com quem se supõe tenha mantido relações íntimas - consegue fugir com os pés em sangue, feridas que depois de cicatrizadas farão recordar até ao fim da sua vida o furto cometido e alimentarão sempre aceso o ódio aos manjacos, especialmente os de Calequissc.
Parece que mais tarde, durante a campanha, teve ocasião de se vingar cabalmente.
Há aqui uma pequena temporada sem noticias de Abdu Injai, que depois nos aparece no Gabú, onde consegue tornar-se amigo de um fula, grande criador de gado bovino.
Na casa deste último permanece durante algum tempo, captando-lhe a estima e fazendo-se valer pelas suas habilidades, tanto que o seu hospedeiro, condoído da sua situação pecuniária, lhe oferece auxílio.
É assim que os habitantes de Bafatá passam a conhecê-lo transformado agora em negociante de gado, que adquire no Gabú para vender ou abater naquela povoação.
Por essa ocasião tem a sua residência na «morança» do seu protector, onde constituiu nova família, parecendo que assim será a sua vida até final, por haver já passado, com a idade, o gosto pelas aventuras e o amor à riqueza e consequente importância social a que primeiro aspirava.
A ambição e espírito aventureiro não deixam, porém, que o sedentarismo seja a sua norma de viver e por isso resolve obter o gado vacum por meio de extorsões, visto que com as compras não obtém o lucro que ambiciona.
Facilmente consegue ligar-se com outros do mesmo estofo e organiza um grupo armado com que vai até à região do Oio, onde assalta as povoações, roubando o gado bovino que depois mandava vender em Bafatá.
Apanhados de surpresa os oincas, que viviam em povoações afastadas umas das outras, facilmente se deixaram dominar pela impetuosidade dos assaltantes, aos quais opunham fraca resistência quando estes, depois de roubada a manada ou parte dela, seguiam o seu caminho, conduzindo-a para o lugar do acampamento.
Mas a gente do Oio não era de molde a deixar-se espoliar sem procurar desforço condigno.
Não havia memória que deixassem sem resposta qualquer provocação e os «blufos» (1) balantas bem o sabiam, pois já alguns tinham sido mortos, quando apanhados a furtar gado.
Na estação seca, em que os currais ficam ao ar livre, dormindo sob a protecção das estrelas, tornava-se necessário que se escalassem nas «moranças» os guardas que toda a noite vigilantes e bem armados evitavam o atrevimento dos balantas.
Agora, porém, o caso era de maior gravidade: os «blufos» vinham aos pares e fácil era aos guardadores descobri-los e dar-lhes o tiro de «longa» (2) que, mesmo não acertando, os atemorizava e fazia retardar por algum tempo as incursões; estes, porém, eram muitos, bem armados e respondiam aos vigias oincas com descargas que sempre deixavam vestígios.
Além disto, em vez de fugir atacavam, levando a guerra dentro das próprias povoações onde, por vezes, até as mulheres dos moradores eram vítimas da sua concupiscência.
Resolveram, portanto, acabar com os assaltantes.
Reuniram-se os chefes e os grandes, combinaram o seu plano de defesa e quando a quadrilha veio para novo assalto, deram-lhe combate e reduziram a pouco mais de um terço o grupo dos assaltantes.
Sem despojos e deixando grande parte dos seus homens - feridos ou mortos - em poder da gente do Oio, retiraram os vencidos para Bafatá e desta vez sem que o «judeu» (3) pudesse contar as façanhas do Abdu Injai.
Dissolveu-se o que restava do bando, mas não por muito tempo. Desta vez, após a formação do novo grupo, também por ele capitaneado, resolveu Abdu transferir o campo das operações para a região de Begine, perto de Bambadinca, habitada por mandingas também possuidores de grande número de cabeças de gado bovino.
Mas também dali teve um dia de fugir com os seus homens, muito inferiores em número, resolvendo dissolver o bando.
Outro interregno e aparece Abdu lnjai como régulo de Cuór, onde se encontrava quando Teixeira Pinto, disfarçado em inspector de uma casa francesa, fez o reconhecimento dos territórios para o plano da campanha.
Parece que o Governador Muzanty, procurando esquecer o seu passado e reconhecendo as suas qualidades aproveitáveis, numa época em que não abundavam homens fiéis entre os indígenas, viu nele, com razão, um futuro chefe de guerra, destemido auxiliar, fazendo-o chefe daquela região.
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Desde o início da campanha, é uma das principais figuras e grande colaborador do seu comandante, o chefe de auxiliares Abdu Injai.
Por várias vezes é citado o seu nome, entre os de maior valor. Estava no seu elemento e a guerra prestava-se a satisfazer os seus instintos naturais.
Era a guerra em Africa, feita à maneira dos africanos, pois de outro modo não podia ser, prestando-se a todos os actos individuais de ousadia e em que, isoladamente, quando chega a hora da victória, cada um procede como entende.
A relativa disciplina, em certos casos só requerida aos civilizados, que acima de tudo têm que manter as características de uma condição superior, não podia ser exigida nessas mesmas ocasiões àqueles - os indígenas - que não compreendem a guerra sem a chacina e posse do que os vencidos, em fuga desordenada, deixaram ficar.
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Acabou a campanha com a vitória absoluta das forças comandadas pelo capitão Teixeira Pinto,
Pelos serviços relevantes prestados ao Governo Português durante toda aquela época, foi Abdu Injai nomeado régulo do Oio, correspondendo assim ao desejo que manifestou. São-lhe além disso oferecidas, também como prémio dos seus bons serviços, todas as presas de guerra que havia feito com os auxiliares do seu comando.
Mas, pelo seu temperamento não era homem para, durante a paz, dirigir subalternamente os negócios da região que lhe fora confiada.
Os que o rodeavam, muitos dos quais nascidos em território estrangeiro, verdadeiras aves de rapina, aconselhavam a não se submeter inteiramente e procuravam convencê-lo que os seus homens, agora bem adestrados na guerra, sairiam vencedores mesmo que combatessem com as tropas portuguesas que não podiam causar estorvo só com a sua provada valentia, em virtude do reduzido número, agravado pelas faltas derivadas do rigor do clima e naturalmente impaludadas.
De novo começaram os assaltos no Oio e as exigências de toda a espécie feitas aos aborígenes, agora sob a ameaça da autoridade suprema indígena, que as sancionava.
Não podendo suportar por mais tempo as violências sobre eles exercidas, os habitantes da região dirigiram suas primeiras queixas ao representante do Governo, e o Governador, supondo que o mal acabaria quando acabasse a excitação produzida pela recente campanha, mandava aconselhar o Abdu, querendo demonstrar-lhe apenas por palavras que os vencedores de ontem, quando enquadrados nas tropas de ocupação, seriam os vencidos de amanhã, se persistissem na desobediência.
Mesmo assim, não paravam os distúrbios, e o Governador Sousa Guerra - o antigo chefe de estado maior da coluna de Teixeira Pinto, decide falar pessoalmente cem o régulo Abdu Injai,
Estava-se em 1919. Uma manhã a vila de Farim fica atemortzada com a multidão que, tendo atravessado o rio a vau, lá para os lados de Tambicó, se dirige com todo o cerimonial de tambores e «judeus» para o bairro indígena.
A frente seguiam a cavalo Abdu Injai e os seus conselheiros -- os «Jauras».
Umas horas mais tarde são recebidos no edifício da Administração pelo próprio Governador que, no entanto, havia ordenado que só atravessariam a cidade o régulo e os seus conselheiros, o que foi cumprido.
Ainda uma vez, procura o Governador aconselhar Abdu Injai à obediência e faz-lhe ver todos os inconvenientes do seu procedimento.
Espera-se que, depois das palavras do Governador - ditas com aquela firmeza que denuncia a resolução de terminar irrevogavelmcnte com uma situação deprimente para as autoridades portuguesas - o assunto ficará solucionado.
Ouviram todos - régulo e «batulais» (4) - mas não se convenceram. De novo no Oio, recomeçaram as extorsões e violências contra os oincas. Decide o Governador mandar intimar o régulo Abdu Injai a entregar todas as armas que a sua gente possuía.
É o princípio do fim.
Recusando acatar a ordem, é considerado revoltado e organiza-se uma coluna para o submeter, sob o comando do capitão Augusto José de Lima Júnior.
Ao mesmo tempo determina-se ao Administrador da Circunscrição dos fulas - em Geba - que marche à testa dos auxiliares daquela região, atravessando o Oio, para se reunir às forças que estacionam em Mansabá.
Mas esta última coluna já não devia ter qualquer interferência na campanha, visto que em três dias a tropa comandada pelo capitão Lima havia submetido os revoltosos e feito prisioneiro o régulo, com a sua gente.
No entanto, algumas baixas houve entre os componentes da coluna e bastantes dos indígenas sublevados morreram ou ficaram feridos.
Um dos militares que encontrou a morte durante as operações foi o alferes Figueira, atingido por um tiro isolado quando se encontrava em Mansabá, actual Posto Administrativo da Circunscrição de Farim, onde um pequeno monumento recorda aos actuais colonos os tempos em que a Guiné não era, como hoje, um país onde os indígenas e civilizados vivem na melhor harmonia, concorrendo cada um com o seu esforço e capacidade para o progresso da terra onde trabalham. 
Julgado e condenado a deportação para Moçambique, Abdu Injai, quando em Cabo Verde aguardava o transporte que o levaria para o degredo, pede e obtém do Governo da Metrópole que o deixe ficar no arquipélago.
Os seus principais conselheiros seguiram para Angola e alguns voltaram à Guiné depois de cumprido o castigo. 
Destes últimos, ainda há pouco existia, em idade bastante avançada, o futa-fula Cherno Bocar, que residia em Mansoa e, segundo reza a tradição, era o executor das sentenças de morte, no reino do Abdu.
Ao ser preso, uma única das inúmeras mulheres com quem vivia ficou com ele, tendo as restantes fugido. Da tribo papel, era uma das presas da campanha de ocupação.  Ainda criança, quando foi submetido o gentio da Ilha de Bissau, Abdu fez dela sua mulher, e, apesar da diferença de idades, foi a única que o seguiu para o desterro.  Ainda hoje é viva a Imbombo - é este o seu nome - e depois da morte do seu marido e senhor, voltou para a sua terra natal, residindo actualmente no Bairro Indígena do «Chão de Papeis, da cidade de Bissau.  
'' "  
Assim termina a história da vida de um guerreiro, a quem o destino não quis dar morte condigna, pois que, pelo seu temperamento e espírito aventureiro, pertencia-lhe encontrá-la em combate.  Dando a conhecer os factos da vida de Abdu Injai, antes da sua actuação como cabo de guerra nas campanhas de 1914/15, de que, por mero acaso, fiquei sabedor, pretendo concorrer para que o historiador de amanhã o veja sobre o seu verdadeiro aspecto.  
Amadeu Nogueira 
Administrador 

(1) Blufo -Palavra que, entre OS balantas, designa o rapaz incrrcuuciso.  
(2) Longa - Longa é a espingarda de carregar pela boca, usada pelos illdigella.  
(3) ]udeu- Uma tribo especial, cuja origem ainda hoje se conhece mal.  Já existia há 500 anos e a sua ocupação era como hoje, cantar os feitos guerreiros dos chefes importantes das outras tribos.  Não lhes era permitido casarem com os indivíduas que não fossem «judeus» e em tempos antigos não tinham sequer o direito de entrar em qualquer habitação, sem estarem especialmente autorizados pelo respectivo dono, conforme nos conta André Álvares de Almada no seu «Tratado Breve dos Rios da Guiné».  
(4) Batulais - Os ministros ou conselheiros.

 Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Volume IV, nº 13, 1949

1 comentário:

  1. Matéria muito interessante, para quem queira perceber um pouco dos últimos 160 anos da vida guineense. Obrigado.

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