ELEMENTOS PARA UMA PALESTRA AOS ALUNOS DO SECUNDÁRIO DA ESCOLA AURÉLIA DE SOUSA EM ABRIL DE 2009
Guerra … colonial.
Aqui está uma coisa que convém esclarecer, até porque há pessoas que quase instintivamente se abespinham quando ouvem alguém a referir-se à nossa guerra em África como “guerra colonial”. Acham que não, que nós nunca fomos colonizadores, que não tínhamos colónias, que Portugal era um caso muito especial, que organizado em províncias se estendia do Minho a Timor.
Esquecem-se essas pessoas que, como na questão da natureza da guerra (nunca se chamou guerra, mas, sim, “acções de policiamento” contra bandidos e terroristas, os prisioneiros feitos pelos guerrilheiros não eram “prisioneiros de guerra” mas sim “retidos pelo IN”) também na questão das colónias versus províncias havia da parte do Regime da altura uma descarada manipulação.
- Nos documentos oficiais, vários foram os termos usados consoante as épocas.
Assim apareceram os termos “praças”, “feitorias” e fortalezas”. De um modo geral os documentos anteriores ao século XIX, referiam-se aos territórios, como “domínios ultramarinos”, ou “conquistas”. A Índia e, mais tarde, o Brasil e Maranhão, constituíram-se em “Estados”. E o Brasil, em 1815, foi elevado à categoria de “reino”, como era o Algarve desde a sua incorporação em Portugal ao tempo do rei D. Afonso III.
Às grandes circunscrições administrativas chamavam-se “Capitanias Gerais” e atribuía-se amiúde, às feitorias e bases navais o nome de “estabelecimentos”.
A designação de “colónia” encontra-se já no século XVII e XVIII e o termo “província” entrou na linguagem do século XIX por via legislativa. É a Constituição de 1822, após a revolução liberal de 1820, que fala em “Ultramar” e “Províncias Ultramarinas”, mas define o território da Nação como o Continente, as Ilhas Adjacentes, o Reino do Brasil e as Colónias na África, Ásia e Oceania. Mas não nos esqueçamos que 1822 foi o ano da proclamação unilateral da independência do Brasil...
Durante a Primeira República, a Lei nº1005, de 7 de Agosto de 1920, decretada pelo Presidente António José de Almeida, diz no Artigo 1 que “As colónias portuguesas gozam, sob a fiscalização da metrópole, da autonomia financeira e da descentralização compatíveis com o desenvolvimento de cada uma, e regem-se por leis orgânicas especiais e por diplomas coloniais...” e no Artigo 2 que “É da exclusiva competência do Congresso da República fazer as leis orgânicas coloniais e os diplomas legislativos coloniais...” e estabelece várias medidas para o governo das colónias.
No Estado Novo, rezava o Artº. 3º do Acto Colonial, aprovado pelo Decreto nº18570 de 8 de Julho de 1930, ( quando Salazar era Ministro das Colónias, e lembrar que Marcelo Caetano também foi Ministro das Colónias na década de 40)) que “Os domínios ultramarinos [porque ultramarinos eram, já se vê] de Portugal denominam-se colónias e constituem o Império Colonial Português”.
Em 1938 era emitido nas oito colónias portuguesas de então um conjunto importante de selos que tinham impressas as palavras “Império Colonial Português”.A Nação pluri-racial e pluri-continental ficaria lá mais para tarde.
Foi o que veio a acontecer em 1951, quando a comunidade internacional começou a apertar connosco, mormente nos pelouros da ONU. Nada que atrapalhasse o Regime que, de pronto, com uma revisão da constituição, resolveu a questão passando a designação dos territórios de além-mar de colónias para províncias ultramarinas. No entanto, os tais selos do Império Colonial Português, circularam até 1957.
Mesmo assim, neste período, foi publicado em 1954 (Dec.-Lei nº 39666, de 20 de Maio) o Estatuto do Indigenato. Nele se definiam as condições requeridas aos “indígenas” para se elevarem à categoria de assimilados, equiparada à de cidadão português; condições essas que deixavam 99% das populações nativas de fora da cidadania portuguesa pois exigiam, para além da maioridade (18 anos), a expressão correcta em português, o exercício de uma profissão, o poder satisfazer as suas próprias necessidades e as da família a seu cargo, e não ser desertor nem refractário ao serviço militar.
Em 1961, pelas repetidas acusações de discriminação e condenações de que foi alvo na ONU, e também pelo começo da guerra, Portugal aboliu o Estatuto do Indigenato e elevou todos os nativos à categoria de assimilados, mas nem por isso a situação de inferioridade económica, analfabetismo e privação de direitos se alterou significativamente.
Pode-se, pois, falar sobre a guerra colonial, com justificação para assim lhe chamar. E será simplista, pelo menos, pensar que a sua causa foi a acção de bandos armados e terroristas.
A guerra de 1914-18 constitui um marco fundamental para o estudo dos movimentos emancipalistas. Com efeito ela foi incentivadora de sentimentos de autonomia nos territórios sob administração europeia, propiciadora do desenvolvimento das ideias pan-africanas divulgadas, pela primeira vez, por Sylvester Williams, da Trinidad, em 1900, na cidade de Londres e geradora de fenómenos políticos que lhe foram favoráveis.
Os EUA surgiram como defensores da doutrina da autodeterminação dos povos. O presidente Wilson, mesmo antes do fim da guerra, anunciara as bases para as negociações de paz, as quais incluiam um ponto sobre o reconhecimento dos interesses das populações, visando particularmente as colónias, o que veio a ter ressonâncias na Conferência de Versalhes. Por outro lado, a Rússia, onde triunfara a Revolução Bolchevista de 1917, aparece na cena internacional como inimiga do colonialismo.
É criada a Sociedade das Nações, de forte influência americana, que apoia os movimentos emancipalistas, ainda incipientes.
Os países da Europa, administradores de territórios ultramarinos, saíram da guerra demasiado enfraquecidos para se poderem opor eficazmente ao envolvimento gerado em torno das suas possessões africanas e asiáticas. As promessas feitas pelos aliados, em momentos difíceis da guerra, aos povos sob o seu domínio e que lutavam a seu lado, constituíram um forte incentivo para que estes prosseguissem na luta para a satisfação dos seus ideais...
Foi também no período do após-guerra que pan-africanistas, como o americano William Du Bois, o jamaicano Marcus Garvey e o haitiano Jean Price-Mars, que, havia anos, vinham lutando pela afirmação da raça negra e por demonstrar a importância da África, se sentiram encorajados a organizar os primeiros congressos pan-africanos em Paris, no ano de 1919, Londres em 1921 e 1923 e Nova Iorque em 1927. (CECA)
Será que Portugal e as colónias portuguesas ficaram imunes a este movimento emancipalista internacional? Foi em 1912 que se constituiu em Lisboa a Junta de Defesa dos Direitos de África. Esta tinha por fins estatutários federar todas as agremiações da África Portuguesa, lutar pela educação das colónias para poderem vir a governar-se a si mesmas, promover a revogação de leis de excepção em vigor naquelas, valorizar os estudantes africanos e insurgir-se contra as ofensas ao direito e à justiça, sem olhar a diferenças de religião, raça ou nacionalidade, através de uma intervenção de carácter essencialmente pedagógico e cultural. (CECA)
A segunda guerra provoca um abrandamento neste clima reivindicativo, mas em Março de 1945, Du Bois organiza, em Manchester, o V Congresso Pan-Africano, durante o qual sobressaíram os nomes de Kwame Nkrumah, do Gana, e George Padmore, de Trinidad. O congresso aprovou uma declaração da delegação oeste-africana, segundo a qual a única solução para o problema existente residia na completa e absoluta independência para os povos da África Ocidental.
A partir daqui, multiplicam-se as iniciativas e manifestações que dão expressão aos movimentos pan-africanos que, por sua vez, começam a apoiar-se na noção de negritude, lançada já nos anos 1933-35 por Leopold Sengohr, do Senegal, e Aimé Césaire, da Martinica. O conceito tido então como uma recusa pelos negros da assimilação cultural que lhes quisesse ser imposta, é ligado ao de independência que, por seu turno, era tomado como a correspondente recusa a uma assimilação política, pretendendo-se que fosse um instrumento sério de libertação e de solidariedade no mundo de então.
Em 1948, Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade e Amilcar Cabral fundam o Centro de Estudos Africanos, em Lisboa.
No mesmo ano verifica-se a prisão de centenas de negros em Lourenço Marques (Maputo) e a sua deportação para a Ilha de S. Tomé. No ano seguinte e também em Lourenço Marques, Eduardo Mondlane e outros fundam o núcleo dos Estudantes Secundários Africanos.
Por seu lado, o regime português também não está parado: em 1951, como se referiu, altera a Constituição, passando a designar as colónias por “províncias ultramarinas”.
Dois anos depois, em 1953, é promulgada a Lei Orgânica do Ultramar Português e surge em Angola o PLUA (Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola).
Torna-se perceptível que o antagonismo cresce e ambos os lados da barricada vão criando instrumentos políticos que sustentem as suas posições.
Mas o marco histórico incontornável que impulsiona definitivamente os movimentos de libertação das colónias é, sem dúvida, a Conferência de Bandung, realizada na Indonésia a 18 de Abril de 1955.
Na cena mundial surgira o chamado terceiro mundo, onde desempenhava papel importante o líder indiano Nheru, que sucedera a Gandhi.
Os objectivos da Conferência de Bandung, foram assim definidos na reunião preparatória de Bogor, em Dezembro de 1954:
“Fomentar a boa vontade e compreensão entre as nações da Ásia e África, estudar e favorecer os seus interesses mútuos e comuns para estabelecer e promover a amizade e relações de boa vizinhança. Examinar os problemas que interessam especialmente aos povos da Ásia, por exemplo, os problemas que afectam a soberania nacional como o racismo e o colonialismo. Apreciar a posição da Ásia e da África e dos seus povos no mundo contemporâneo, bem como a contribuição que eles podem dar ao fortalecimento da paz e cooperação internacional.”
Estes objectivos representam, não só a tomada de consciência dos povos asiáticos quanto ao seu valor, como lhe acrescentam a necessidade de uma solidariedade activa com os africanos. Aliás, no seu comunicado final, afirma-se explicitamente em Bandung a adesão plena e inteira dos participantes à Carta das Nações Unidas e à Declaração Universal dos Direitos do Homem, e menciona-se o dever de todos os povos libertados ajudarem os povos ainda dependentes a alcançar a sua soberania.
Parece-me que mais do que uma revolta moral contra o domínio europeu, a Conferência de Bandung enterrou definitivamente qualquer complexo de inferioridade eventualmente existente entre os povos colonizados.
A Escalada
Os dados estavam lançados.
Vejamos uma breve cronologia de mais alguns episódios assinaláveis, na inexorável marcha para a guerra. O sofrimento e a morte, entraram em contagem decrescente.
1954
Angola – Fundação da UPNA (União das Populações do Norte de Angola) sob presidência de Holden Roberto, a 10 de Julho.
Guiné - Fundação do MINGC (Movimento pala Independência Nacional da Guiné e Cabo Verde)
1955
Angola – Fundação do PCA (Partido Comunista Angolano), em Outubro.
1956
Angola – De 7 a 17 de Março, ocorrem movimentos de greve dos trabalhadores contratados no Norte de Angola. A 10 de Dezembro é fundado o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), sob presidência de Agostinho Neto, por fusão do PLUA (Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola) e do MIA (Movimento pela Independência de Angola)
Guiné - Fundação em Bissau, a 19 de Setembro, do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e de Cabo Verde), sucedendo ao MINGC (Movimento pala Independência Nacional da Guiné e Cabo Verde) e sob a presidência de Amilcar Cabral.
1957
Portugal- Implantação da PIDE nas colónias portuguesas. Criação em Paris do MAC (Movimento Anti-Colonial) que agrupa os movimentos anti-coloniais portugueses, em Dezembro
1958
Angola - Fusão do MINA (Movimento pela Independência de Angola) no MPLA. A UPNA passa a designar-se UPA (União dos Povos de Angola) em Dezembro
Guiné – Criação da UNTG (União Nacional dos Trabalhadores da Guiné), movimento sindical clandestino.
1959
Angola – A 29 de Março, prisões em massa em Luanda, que dão lugar ao “Processo dos 50”, envolvendo africanos e europeus, entre os quais um casal de médicos, a Drª. Julieta Gandra e o Dr. Cochat Osório e, também o Engº Calazange. Estabelecimento da Força Aérea Portuguesa em Angola com uma demonstração no aeroporto de Luanda, incluindo ataque ao solo, destinada a atemorizar a população africana, no dia 26 de Abril. Em Julho, acontece nova vaga de prisões em Luanda.
Guiné – No dia 3 de Agosto há uma greve no porto de Pidgiguiti, em Bissau, reprimida com o morticínio dos estivadores e realiza-se o dia internacional de solidariedade com os povos da Guiné e de Cabo Verde. Fundação, em Dakar, da FLGC (Frente de Libertação da Guiné e de Cabo Verde).
Moçambique – Fundação do MANU (União Nacional Africana de Moçambique)
1960
Em Janeiro, o MAC transfere-se para Argel e passa a denominar-se FRAIN (Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional).
No dia 14 de Dezembro, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclama a Declaração à Independência dos territórios portugueses e povos sujeitos ao domínio colonial.
Angola – Em Agosto é preso Agostinho Neto. A 13 de Junho o MPLA faz uma declaração ao governo português, propondo a solução pacífica do problema colonial. No dia 25 do mesmo mês é preso em Luanda o Padre Joaquim Pinto de Andrade. A 31 de Outubro dá-se a fusão da UPA e do PDA na FCPPA (Frente Comum Popular das Populações de Angola). No dia 29 de Dezembro são fuzilados 20 angolanos presos em Luanda.
Guiné – Início da doutrinação do PAIGC entre a população. Declarações do PAIGC ao governo português, reclamando a autodeterminação, por meios pacíficos, dos povos da Guiné e de Cabo Verde.
Moçambique – Massacre de Mueda, que provoca 500 mortos a 16 de Junho.
Fundação em Salisbúria da UNDENAMO (União Nacional Democrática de Moçambique).
1961
Assembleia Constituinte da CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas), em Casablanca, a 18 de Abril.
No dia 13 de Novembro, por 90 votos contra 3, a Comissão de Tutela da ONU condena a política colonial portuguesa.
Ocupação de Goa, Damão e Diu pela União Indiana, a 18 de Dezembro.
Portugal – A 14 de Abril, Salazar, ameaçado por um golpe de estado, remodela o governo e acelera a repressão em Angola.
As grandes empresas portuguesas com interesse nas colónias associam-se numa campanha de propaganda colonialista no EUA.
Em Setembro são abolidas as diferenças legais entre indígenas e assimilados (Dec.-Lei nº 43893, de 6 de Setembro).
Na noite da passagem de ano, a 31 de Dezembro, um grupo, ligado ao general Humberto Delgado, de militares comandados pelo capitão Varela Gomes e de civis chefiados por Manuel Serra, ataca o quartel do Regimento de Infantaria nº 3, em Beja.
Angola – Massacre de agricultores do algodão na Baixa do Cassanje, a 6 de Janeiro. Início da revolta armada a 4 de Fevereiro, com o ataque às prisões de Luanda por destacamentos do MPLA, seguido pelo massacre de milhares de africanos. A 15 de Março, eclosão da revolta no Norte (Uíge e Zaire) por elementos da UPA, que chacinam centenas de europeus. Começa a guerra em Angola.
Guiné – Prisão de 20 elementos do PAIGC em Bissau. Carta aberta de Amílcar Cabral ao governo português, reclamando a independência da Guiné e de Cabo Verde, ao mesmo tempo que a cooperação dos respectivos povos com o governo português.
Moçambique – Fundação no Malawi da UNAMI (União Africana de Moçambique Independente). A 25 de Junho do ano seguinte, UDENAMU, MANU e UNAMI, agrupam-se com o nome de FRELIMO, elegendo presidente Eduardo Mondlane.
1963
Na Guiné, o PAIGC ataca o quartel de Tite em 23 de Janeiro, e em 1 de Março captura os navios Mirandela e Arouca na região de Cacine. Começo da guerra na Guiné.
1964
24/Set - Primeira acção da FRELIMO no Niassa, com ataque ao posto administrativo do Cobué. Começo da guerra em Molambique.
E, mais do que a narrativa do que a partir daí foi acontecendo, terá maior interesse apontar alguns aspectos que caracterizam o que de específico teve o conjunto das três frentes da Guerra Colonial:
- A guerra é conduzida nas três frentes por organizações que se reclamam do estatuto de “movimentos de libertação”.
Todos eles beneficiam, como não poderia deixar de ser, de refúgio e apoios no exterior.
- Todos reclamam como finalidade a independência total.
- Com excepção da UPA/FNLA, marcadamente apoiada pelos EUA, todos os outros movimentos recebiam apoios, de entre outros, dos países do bloco socialista.
Depois vêm as diferenças, que são muitas:
Depois vêm as diferenças, que são muitas:
- Enquanto em Angola se nos opõem três movimentos de libertação, tanto na Guiné como em Moçambique, só há um movimento em luta contra as tropas portuguesas.
- Já no que respeita a vizinhanças – e aqui pensamos em refúgios e apoios –, nos casos de Angola e de Moçambique há países vizinhos amigos e inimigos de cada uma das partes em conflito, enquanto que na Guiné, tirando o Atlântico que vamos considerar neutro, as vizinhanças – Senegal e Guiné Conakry – são tudo do mesmo, ou seja, amigos do PAIGC e adversos a Portugal.
- Numa outra perspectiva, enquanto que em Angola e Moçambique no fulgor da Guerra Colonial ainda é possível distinguir um Norte (em guerra) e um Sul (poupado), na Guiné nem Norte nem Sul, é tudo mais ou menos por igual.
- No que respeita especificamente aos “movimentos de libertação”, em Angola opunham-se-nos a UPA/FNLA, o MPLA e a UNITA, liderados, respectivamente por Holden Roberto, Agostinho Neto e Jonas Savimbi; em Moçambique era a FRELIMO, primeiro liderada por Eduardo Mondlane e depois por Samora Machel; na Guiné era o PAIGC liderado por Amílcar Cabral, que era de todos os outros dirigentes que se nos opunham o mais prestigiado e em alguns casos, até, representante e porta-voz do conjunto dos restantes, nomeadamente dos que com o PAIGC eram alinhados, concretamente, o MPLA e a FRELIMO, e que foi morto ainda não se sabe bem por quem antes de almejar a independência da Guiné e Cabo Verde.
- Quanto a recursos, então, as diferenças são quase abissais, o que, não explicando tudo, explica quase tudo o que se estava e depois viria a passar. Angola era uma terra de promissão com os diamantes, o petróleo e tudo o mais que aqui não dá para especificar; Moçambique, ainda assim, lá se ia safando com o chá, o caju e, principalmente, os direitos de transportes logísticos dos países vizinhos do interior. A Guiné não tinha quase nada: um pouco de arroz nas imensas bolanhas e uns restos da cultura de mancarra que lá ia sobrevivendo ao esgotamento de terras, já de si tão fracas, fomentado pela acção monopolista da Casa Gouveia (CUF).
A Guerra
Aos ventos da história, à realidade, como responde o Dr. Salazar?
Aceita as ofertas para solucionar pacificamente o problema colonial? Respeita as resoluções das Nações Unidas? Nada disso.
Consumada a “Abrilada”, como ficou conhecida uma tentativa palaciana de um grupo de oficiais encabeçados pelo general Botelho Moniz, para travar o rumo dos acontecimentos, Salazar assume a pasta da Defesa Nacional. Proclama que estamos “orgulhosamente sós” e escolhe a guerra.
A falta de flexibilidade do governo português terá sido também provocada, paradoxalmente, pelo atraso económico e pela vulnerabilidade do país – por um lado, porque o império era ainda essencial para sectores importantes da produção nacional, que necessitavam dos mercados coloniais protegidos, por outro lado, porque se tinha geralmente a convicção de que não seria possível substituir o controle político directo no ultramar por outras formas de influência (como a Grã-Bretanha (Commonwealth e a França procuravam fazer).
Custos em Pessoal
QUADRO DE EFECTIVOS NOS 3 TEATROS DE OPERAÇÕES
Em Dezembro de 1960 havia em Angola cerca de 6500 militares, dos quais 1500 metropolitanos
TO/Anos | Angola | Moçambique | Guiné | Total |
1961 | 33477 | 11209 | 4736 | 49422 |
1962 | 44925 | 11852 | 5070 | 61847 |
1963 | 47400 | 14246 | 9650 | 71296 |
1964 | 52493 | 18049 | 15195 | 85737 |
1965 | 57073 | 22856 | 17252 | 97181 |
1966 | 55816 | 30588 | 20801 | 107205 |
1967 | 57420 | 34721 | 21650 | 113791 |
1968 | 58230 | 36615 | 22839 | 117684 |
1969 | 55574 | 39096 | 26581 | 121251 |
1970 | 55233 | 38712 | 26775 | 120720 |
1971 | 62060 | 44505 | 29210 | 135775 |
1972 | 60317 | 46723 | 29957 | 136997 |
1973 | 65592 | 51463 | 32035 | 149090 |
Daqui não parece excessivo concluir que a guerra colonial foi um sorvedouro fantástico e alucinante de homens, a esmagadora maioria constituída por jovens soldados na casa dos vinte, vinte e cinco anos.
Portugal foi obrigado a mobilizar cerca de 1 por cento da sua população para combater em África e não podia, simplesmente, suportar esta drenagem nacional de pessoal activo, com uma vida inteira à sua frente.
Numa base percentual, tinha mais homens em armas do que qualquer outro país ocidental, excepto Israel.
A mobilização de Portugal teria sido equivalente aos Estados Unidos colocarem 2,5 milhões de homens no Vietname, em vez dos 500 mil que lá estiveram.
Africanização dos Efectivos Militares
Ao longo da guerra, a política de “africanização” de efectivos em campanha levou ao aumento progressivo de recrutamento local, atingindo-se efectivos apreciáveis que, no caso de Moçambique, acabaram por constituir mais de 50%.
Nem podia ser de outra forma, atendendo ao desgaste que o esforço de mobilização provocava à rectaguarda. Ele eram os refractários e desertores. Ele era o número de jovens que preferiam atravessar a fronteira a salto, e partir para a aventura da emigração clandestina na Europa, do que ir defender a Pátria nas matas africanas.
Para já não falar do curso de engenharia da Academia Militar que aproveitou a viagem de finalistas para pedir asilo político na Suécia.
E ela era também uma opinião pública que não parava de questionar a guerra, incluindo sectores insuspeitos da sociedade portuguesa, tidos como aliados, ou pelo menos tradicionalmente coniventes com o regime. Do pároco de Macieira de Lixa, ao Padre Feliciano Alves, aumentavam, no clero, as vozes que se interrogavam publicamente sobre a tão propalada defesa da civilização cristã ocidental. Foi também o caso da vigília na Capela do Rato, em Lisboa, onde compareceram leigos, católicos destacados, incluindo professores universitários, e outras figuras públicas e respeitadas.
Portanto, a chamada política de africanização da guerra, não foi mais do que a resposta desenrascada, diga-se, a uma necessidade premente que era esta: nem o país suportava o esforço de mobilização, nem a pressão da opinião pública o consentia.
À boa maneira portuguesa, improvisou-se. Toca a africanizar, visto que a guerra é em África. Mas havia, e houve, o reverso da medalha: com essa solução acabou por se pôr a combater, na mesma colónia, africanos contra africanos. E se isso contribuiu para minar os movimentos de libertação, de acordo com a velha máxima de dividir para reinar, acabou por ter um efeito perverso: o sangue derramado entre irmãos tem um preço muito alto. Será que já deixou de ser pago? Será que já foi totalmente pago?
Julgo que não. CASO DOS COMANDOS AFRICANOS NA GUINÉ
Pela comparação dos mapas oficiais de recrutamento metropolitano e africano, chega-se aos aos seguintes resultados
PERCENTAGEM DE RECRUTAMENTO LOCAL DOS EFECTIVOS
Ano | Angola (%) | Guiné (%) | Moçambique (%) |
1961 | 14,9 | 21,1 | 26,8 |
1962 | 24,9 | 19,7 | 25,3 |
1963 | 27,2 | 13,6 | 35,1 |
1964 | 28,7 | 15,3 | 43,9 |
1965 | 27,1 | 15,1 | 42,4 |
1966 | 31,0 | 9,3 | 36,1 |
1967 | 25,0 | 14,9 | 33,3 |
1968 | 35,5 | 14,0 | 40,4 |
1969 | 33,6 | 14,0 | 40,4 |
1970 | 34,5 | 16,0 | 41,5 |
1971 | 41,8 | 19,9 | 51,0 |
1972 | 42,2 | 19,8 | 51,5 |
1973 | 42,2 | 20,1 | 53,6 |
As estatísticas valem o que valem e servem para o que servem. Por issso, acho preferível apresentar os quantitativos oficiais da despesa com a defesa nacional, no período da guerra, sem mais considerações.
TOTAL DAS DESPESAS ORDINÁRIAS COM A DEFESA NACIONAL
(Milhares de contos)
ANO | 1960 | 1961 | 1962 | 1963 | 1964 | 1965 | 1966 | 1967 | 1968 | 1969 | 1970 |
DES | 1833,1 | 1827,1 | 1919,6 | 2007,3 | 2185,0 | 2192,2 | 2471,8 | 2623,5 | 2892,6 | 2936,7 | 3506,1 |
1971 | 1972 | 1973 |
3730,6 | 4266,1 | 4706,1 |
A guerra colonial foi uma aventura que envolveu a generalidade dos portugueses e custou ao país cabedais avultados (40% do orçamento nacional era aplicado na guerra).
A Doutrina
Mas para além da frieza dos números, importa sobretudo analisar como foi possível esta guerra ter durado treze anos ou, se preferirem, como foi possível o aguentá-la durante tanto tempo.
Desde logo há que reconhecer que o exército português se adaptou de forma extraordinariamente rápida e eficaz às suas características específicas. Analisou e estudou as tácticas de guerrilha e colocou no terreno um dispositivo de contra-guerrilha sem paralelo na história militar contemporânea.
Neste campo, nada como dar a palavra a um analista externo ao conflito, o Dr. Cann, que nos explica assim “o modo português de fazer a guerra”:
“A preparação das forças armadas de Portugal para a contra-insurreição era constantemente repensada e reajustada para reflectir a experiência adquirida, não só com os outros, como também no seu próprio conflito. O exército tinha estudado profundamente e tinha organizado o seu ensino e treino baseando-se tanto numa abordagem teórica, como na sua própria experiência prática dos primeiros tempos da insurreição em Angola, em 1961. A experiência dos britânicos na Malásia proporcionou conhecimentos que foram absorvidos pela missão do exército português a Maresfield Park Camp em 1958-1959. Os britânicos consideravam que esse treino na arte da guerra na selva, contra um inimigo furtivo, era a chave para o sucesso.
A abordagem portuguesa tentou emular este sucesso britânico e representou um grande contraste com os exercícios de treino e com as instruções das escolas de serviço do exército norte-americano, que eram geralmente pro forma por natureza. Mesmo quando o exército norte-americano fazia sérias tentativas para treinar, o esforço resultava, muitas vezes, mais numa forma derivada das operações convencionais do que num reflexo da doutrina de contra-insurreição. Este treino mal orientado e a confusão doutrinal fizeram que os Estados Unidos não estivessem preparados para a guerra do Vietname em 1965. Os franceses na Indochina (1946-1954), foram orientados de forma semelhante, e pareciam ter esquecido os seus princípios de contra-insurreição e os ensinamentos de Joseph Gallieni e Hubert Lyautey. Só muito mais tarde puseram em prática programas que reflectiam a sua herança, na Argélia (1954-1962). Como um historiador explicou: a queda de Dien Bien Phu marcou a queda de um império no Sudeste da Ásia e a queda de muitos dogmas militares. Aqui, um país oriental notoriamente atrasado obteve uma vitória esmagadora sobre um dos países ocidentais mais avançados tecnicamente, apetrechado, com poder aéreo, tanques, artilharia e graduados da École de Guerre. Já no fim da campanha, o coronel Charles Lacheroy, um veterano da Indochina, afirmava: devemos examinar urgentemente o grau a que a guerra da Indochina foi para nós uma lição, e a forma como virou do avesso a nossa doutrina e as nossas práticas militares.
A educação e o treino das tropas portuguesas para a contra-insurreição foram retirados da experiência dos britânicos e compreendiam quatro aspectos fundamentais interligados:
1. A função educativa de sintonizar as mentes dos homens para compreenderem a insurreição e subversão: a forma como a força é utilizada para atingir objectivos políticos e como as considerações políticas afectam o uso da força.
2. Instrução sobre a integração de medidas civis e militares para atingir um único objectivo governamental.
3. Desenvolvimento de aptidões de liderança no contexto de guerra de contra-insurreição.
4. Instrução nas tácticas utilizadas em combate num ambiente de contra-insurreição.”
Este modo português de fazer a guerra, como lhe chama John Cann, baseou-se na experiência britânica na Malásia, mas também na dos franceses na Argélia. Em 1959 foi enviada para a Argélia uma missão de seis oficiais, chefiados pelo major Joaquim Franco Pinheiro. Estes oficiais fizeram um estágio com duzentos oficiais franceses no Centre d’Instruction de Pacification et Contre-Guerrilla, em Arzew, na província de Oran.
“Encontraram semelhanças entre a Argélia e a África portuguesa e mencionaram frequentemente os problemas franceses e as soluções do Magrebe. Ficaram particularmente interessados pelas operações psicológicas francesas e aperceberam-se das vantagens imediatas da sua aplicação na África portuguesa. A guerre révolutionaire (doutrina francesa) evidenciava um sentido de urgência na sua aproximação à contra-insurreição, e foi este sentido de imediatismo que foi transmitido pelo major Franco Pinheiro e pelos seus companheiros no seu regresso a Lisboa.”
De tudo isto resultou que o exército português aplicasse em África uma táctica de contra-guerrilha baseada em pequenas unidades de infantaria com baixo poder de fogo, em detrimento de grandes operações tipo Nó Górdio, cujos efeitos desastrosos já se encontram bem reportados. Também não caiu na arrogância evidenciada quer pelos franceses na Indochina quer pelo americanos no Vietname. Nem podia fazê-lo, quanto a mim, atendendo à enorme distância a que se encontravam os teatros de operações africanos, à escassez demográfica, económica e financeira, e aos exíguos meios aeronavais para projecção de forças a paragens longínquas.
Conseguiu, assim, conduzir uma guerra de baixa intensidade e longa duração, a custos compatíveis com os fracos recursos do país, ou melhor, desviando-os para o esforço de guerra, em prejuízo do desenvolvimento e progresso de Portugal e dos portugueses. E fê-lo, pondo o acento tónico na acção psicossocial, aquilo que se passou a chamar a psico.
Em primeiro lugar, o objectivo principal de qualquer programa social – fosse ele sanitário, educacional, económico, desportivo, ou outro – era separar a população dos guerrilheiros, de forma a que estes ficassem desprovidos do seu apoio logístico, político e de recolha e transmissão de informações. Mas com as populações dispersas, refugiadas nos seus matos, tal desiderato era difícil de alcançar. Daí se ter procedido ao agrupamento e realojamento de população em aldeamentos pré-construídos e dotados de auto-defesa garantida por milícias REORDENAMENTO. Dificultava-se o contacto com a guerrilha e facilitava-se a transmissão da mensagem política e da nossa propaganda. Por último, se a população fosse controlada, então o exército poderia conduzir a guerra contra os guerrilheiros sem restrições fora das aldeias; sem aquilo a que hoje se chama “efeitos colaterais”...Bom em teoria, nem sempre este conceito de reinstalação era fácil de aplicar. Exigia um planeamento minucioso, financiamento nem sempre disponível e deparava com a resistência das populações. Já alguém disse que a minha terra é o sítio onde repousam os meus antepassados. Para esses, a mudança é uma afronta. Para as populações nómadas, as restrições de uma instalação permanente, construída e administrada por terceiros, é uma humilhação. Consequentemente, pode dizer-se que tivemos tantos sucessos como fracassos na aplicação prática deste conceito.
Quanto à acção psicológica, julgo que se dividia em duas partes distintas: uma de guerra psicológica que visava o o guerrilheiro, tentava quebrar-lhe o moral e, em limite, a vontade de combater; e outra de acção psicológica sobre as nossas tropas e as populações, que visava mostrar a justeza da guerra e dos sacrifícios exigidos no presente, com vista a alcançar benefícios no futuro. Esta psico era sistemática e permanente, com alvos perfeitamente definidos e métodos programados.
Consequências
Para terminar direi apenas que os custos em vidas humanas de militares do exército português se cifram em 8290, segundo dados oficiais publicados pela CECA. A estes há que somar os militares da Armada e da Força Aérea que também perderam a vida. O número total dos três ramos orça os dez mil. Será difícil contabilizar ainda as chamadas tropas irregulares do recrutamento local, forças policiais e, principalmente, população civil.
Quanto ao número de feridos, ultrapassou os quarenta mil. Vejamos o seguinte quadro comparativo:
Rácio de mortes/ferimentos
Conflito | Proporção |
Vietname | 1 para 5,6 |
Guerra colonial | 1 para 5,4 |
Argélia | 1 para 4,7 |
Coreia | 1 para 4,1 |
Ilhas Malvinas | 1 para 3,8 |
II Guerra Mundial | 1 para 3,1 |
Malásia | 1 para 2,4 |
Sobre o número de mortos e feridos guineenses, angolanos e moçambicanos – incluindo guerrilheiros e população civil – não dispõe o exército português de dados estatísticos. Mas não se me afigura exagerado estimá-lo em várias centenas de milhares.
Descoloni zação Portuguesa
A descolonização portuguesa tem sido quase exclusivamente falada numa perspectiva de tempo curto, privilegiando o período que vai da revolução de 25 de Abril de 1974 até à data da proclamação da independência de Angola, a 11 de Novembro do ano seguinte.
É bem claro, no entanto, que ela faz parte de um movimento mais vasto, de ordem global, iniciado sobretudo logo após a 2.ª Guerra Mundial mas, nalguns casos, com raízes mais longínquas. Pois a descolonização já tinha levado à formação dos EUA na segunda metade do século XVIII, alastrando depois a outras partes da América por todo o século XIX, por exemplo o Brasil.
Portugal, nessa altura, enfraquecido pelas lutas liberais, perdeu em parte essa corrida, como se veio a verificar na Conferência de Berlim (1884/85), onde as potências europeias procuraram regular as questões decorrentes do assalto colonizador ao Continente Africano.
Mas as coisas não ficaram bem e veio a 1ª Guerra Mundial (1914-18) que entre outras coisas visava, da parte de quem a fomentou e desencadeou, uma nova partilha das possessões coloniais. E todos sabemos que dela saíram derrotados os Impérios Alemão, Austro-Húngaro e Turco-Otomano. No final, a Alemanha, para além das condições humilhantes que lhe foram impostas, viu-se privada das suas possessões coloniais que passaram a protectorados sob administração de potências vencedoras, enquanto os outros dois impérios pura e simplesmente se dissolveram.
As condições em que se verificaram as dissoluções destes impérios e a emergência dos protectorados, vão explicar muito do que veio a seguir e, até, muito do que ainda hoje se passa, nomeadamente nos Balcãs e no Médio Oriente.
Na 2ª Grande Guerra Mundial (1939-45), em boa verdade, todos perderam, com excepção dos EUA que, vacinados com a Guerra de Secessão, assentaram que, a entrar em guerras, então que fosse na terra dos outros, o que neste caso os levou, no fim, a afirmarem-se como uma grande potência mundial. E assim se entende que de tão depauperadas as potências coloniais europeias, com mais ou menos resistência ou relutância, começassem a abrir mão de grande parte dos seus domínios coloniais.
Só para se ficar com uma ideia do vertiginoso movimento independentista que se segue, e só no que ao Continente Africano diz respeito, alguns dados:
1947 | Libéria |
1956 | Sudão |
1957 | Gana |
1958 | Guiné-Conakry |
1960 | Benim, Camarões, Chade, Congo-Brazaville, Costa do Marfim, Gabão, Madagascar, Mali, Mauritânia, Níger, Rep.Centro-Africana, Congo, Senegal, Somália, Togo |
1961 | Serra Leoa, Tanzânia |
1962 | Argélia, Burundi, Ruanda |
1963 | Quénia |
1964 | Malawi, Zâmbia |
Em Portugal, orgulhosamente sós, resistimos aos ventos de mudança, representando teimosamente a nossa comédia, pela Guerra Colonial transformada em tragédia, sob o pano de fundo da Guerra-Fria. Guerra-Fria que nos finais dos anos sessenta, princípios da década de setenta apresentava sinais contraditórios, uns de mudança outros de consolidação de um certo statuo quo.
Recordemos aqui, então só alguns desses sinais: Maio 68; Primavera de Praga (68); Conferência de Helsínquia (70) …); Conferência de Paris s/ Guerra do Vietname (68/74); Caso Watergate (72/74); Golpe de Pinochet (11 Set 73) e, por fim, como a culminar, a Guerra do Yom Kippur (73/74) que carregava no seu bojo a famosa Crise do Petróleo, que em três meses vê o seu preço ser multiplicado por quatro, interrompendo, de forma súbita e trágica aquilo que os economistas designam pelos trinta anos gloriosos de crescimento das economias ditas ocidentais a partir do rescaldo da 2ª GG.
Em Portugal o cerco apertou-se com o agravamento da situação militar e as sucessivas resoluções da ONU num tenaz esforço, na altura liderado pelos EUA.
No terreno, e situemo-nos já nas imediações de 1974, a situação militar se, em Angola, também pelo facto de ali lutarem contra nós e por vezes entre si três movimentos de libertação, a situação apresentava um certo equilíbrio, pior, bem pior estava no Norte de Moçambique e praticamente insustentável na Guiné.
E o Regime, decisivamente, tinha entrado num caminho sem retorno.
Em desespero de causa, ainda tentou fazer reverter a seu favor o denodado esforço de guerra dos militares, promovendo e apoiando o famigerado “Congresso dos Combatentes” em Julho de 1973.
Mal imaginavam os senhores do Regime que nessa mesma altura começava efectivamente aquilo que veio a ser o “Movimento dos Capitães”, com alguns militares na rua a recolher assinaturas dos seus pares com vista ao envio de um telegrama de repúdio daquele congresso que veio a ter o seguinte teor:
“Cerca de quatro centenas de militares dos quadros permanentes e combatentes do Ultramar com várias comissões de serviço, certos de interpretarem o sentir de outras centenas de camaradas que, por motivo de circunstâncias múltiplas, ignoram verdadeiramente o Congresso, desejam informar V. Exas. e esclarecer a Nação do seguinte:
1. Não aceitam outros valores nem defendem outros interesses que não sejam os da Nação.
2. Não reconhecem aos organizadores do I Congresso dos Combatentes do Ultramar e, portanto, ao próprio Congresso, a necessária representatividade.
3. Não participando nos trabalhos do Congresso, não admitem que pela sua não participação sejam definidas posições ou atitudes que possam ser imputadas à generalidade dos combatentes.
4. Por todas as razões formuladas se consideram e declaram totalmente alheios às conclusões do Congresso, independentemente do seu conteúdo ou da sua expressão.
Subscrevem o presente telegrama, em representação simbólica das quatro centenas de militares referidos, dois militares que publicamente e por diversas vezes a Nação Portuguesa consagrou:
Capitão-tenente Alberto Rebordão de Brito (oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, Valor, Lealdade e Mérito; Medalha de Prata de Valor Militar com palma; Cruz de guerra de 1ª classe); 1.º Sargento graduado em alferes Marcelino da Mata (cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; Cruz de Guerra de 1.ª classe; Cruz de Guerra de 2.ª classe).
Solicita-se que ao presente telegrama seja dada publicidade igual à utilizada para as conclusões do Congresso.”
“Cerca de quatro centenas de militares dos quadros permanentes e combatentes do Ultramar com várias comissões de serviço, certos de interpretarem o sentir de outras centenas de camaradas que, por motivo de circunstâncias múltiplas, ignoram verdadeiramente o Congresso, desejam informar V. Exas. e esclarecer a Nação do seguinte:
1. Não aceitam outros valores nem defendem outros interesses que não sejam os da Nação.
2. Não reconhecem aos organizadores do I Congresso dos Combatentes do Ultramar e, portanto, ao próprio Congresso, a necessária representatividade.
3. Não participando nos trabalhos do Congresso, não admitem que pela sua não participação sejam definidas posições ou atitudes que possam ser imputadas à generalidade dos combatentes.
4. Por todas as razões formuladas se consideram e declaram totalmente alheios às conclusões do Congresso, independentemente do seu conteúdo ou da sua expressão.
Subscrevem o presente telegrama, em representação simbólica das quatro centenas de militares referidos, dois militares que publicamente e por diversas vezes a Nação Portuguesa consagrou:
Capitão-tenente Alberto Rebordão de Brito (oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, Valor, Lealdade e Mérito; Medalha de Prata de Valor Militar com palma; Cruz de guerra de 1ª classe); 1.º Sargento graduado em alferes Marcelino da Mata (cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; Cruz de Guerra de 1.ª classe; Cruz de Guerra de 2.ª classe).
Solicita-se que ao presente telegrama seja dada publicidade igual à utilizada para as conclusões do Congresso.”
Com um Regime orgulhosamente só (lá fora e cá dentro), com 40% do Orçamento afectado aos encargos da defesa, com milhares de mortos, milhares de feridos e muitos estropiados, com um esforço militar cinco vezes maior, em termos proporcionais ao dos EUA no Vietname, com a sangria das melhores energias da Nação na Guerra Colonial e na emigração, com a privação de todas as mais elementares liberdades, com um povo profundamente triste por tanta ausência e tanta perda era absolutamente necessária e, mesmo, inevitável qualquer coisa como foi o 25 de Abril, levado a cabo pelos militares, porventura porque sentiam melhor que ninguém a inutilidade da tragédia da Guerra Colonial, porque lhe preparavam uma saída ultrajante como a da Índia, porque talvez só eles estariam em efectivas condições de o fazer.
Não foi certamente pela cegueira política de um ditador, ou pelas ridículas teorias racistas que o exército português se transfigurou, esforçou e sacrificou durante a longa guerra colonial.
Profissionais ou não, voluntários ou obrigados, nós, os militares, cumprimos a parte que nos cabia, que era a de dar tempo e margem de manobra aos políticos para que resolvessem a questão colonial.
Não houve intenção política de resolução... e veio o 25 de Abril.
Como balanço final, parece-me pacífico poder extraír as seguintes conclusões da guerra colonial:
1. Conduziu à revolta militar de 25 de Abril de 1974 que derrubou a ditadura em Portugal e permitiu, finalmente, a autodeterminação e independência das colónias portuguesas.
2. Provocou uma revolução em Portugal cujos efeitos ainda hoje se fazem sentir e, para muitos, ficou por concluir.
3. Permitiu que Portugal deixasse de estar orgulhosamente só, passasse a ser um Estado democrático de direito, após meio século de ditadura, e merecesse o respeito e consideração do resto do mundo.
Creio que esta guerra podia e devia ter sido evitada.
... a um conhecido comunista (ou pelo menos "compagnon de route"), apoiante das teses dos ML's, como este coronel reformado que, em Abril de 2009, palestrou "isto" a alunos de uma esola secundária, não seria de esperar que adjectivasse de forma diversa, que "colonial", a guerra que decorreu no Ultramar Português africano, para tanto se servindo de ganga argumentária que tresanda ao mais ordinário marxismo-leninismo.
ResponderEliminarJ.C. Abreu dos Santos
Acho que não é chamando nomes, e este até não me desagrada, vá lá, mas sim demonstrando o contrário...
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