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18 de fevereiro de 2011

67- Um dia em Banjara

Texto do ex-alferes António Moreira

Banjara
As fotos seguintes e as do video são da autoria do ex-alferes Alfredo Reis


Banjara fica situada a cerca de 40Km de Geba e a cerca de 20Km de Mansabá, na estrada Bissau/Bafatá. Fica no coração da mata do OHIO, e teve antes da guerra colonial, uma unidade industrial de serração de madeiras. Pertencia, durante a guerra, à área de actuação da Companhia de Geba, do Batalhão de Bafatá.


Gozava da fama, e do “proveito”, de ser o 2.º pior destacamento da Guiné, a seguir a Beli, na zona de Madina do Boé. Não apenas pelos ataques mas, sobretudo, pelo perigo que representava, por estar muito isolado da Companhia, e por estar cercado por uma cintura de destacamentos IN, que vigiavam de fora do arame farpado e do alto das gigantescas árvores que o envolviam todos os movimentos da nossa tropa.
Era constituída por uma caserna, quatro abrigos subterrâneos, e um posto de comando, que era uma casa abarracada, sem portas nem janelas, por onde os sardões o as cobras vagueavam livremente, sem nenhum obstáculo que lhes barrasse a passagem, a não ser a presença humana. Tinha ainda outros abrigos à superfície.  A envolver este destacamento, que no essencial era uma clareira circular com cerca de mil metros de diâmetro, 2 fiadas de arame farpado, paralelas e em círculo. O capim era necessário cortá-lo de dois em dois meses, para evitar a aproximação camuflada do  IN. As casas de banho, como é de calcular, eram a céu aberto.


A guarnição deste destacamento, comandado por um Alferes, variava entre 60 a 80 homens, normalmente, bem armados e disciplinados, capazes de aguentar debaixo de fogo uma boas dezenas de horas.
O seu comando era rotativo e por lá passámos os mais longos meses da nossa juventude, então com 23 anos, e responsabilidades tremendas em cima dos galões de Alferes.
A paisagem envolvente era de uma beleza indescritível, com dezenas de cajueiros, mangueiras, árvores gigantes, capim e as célebres lianas. O barulho ensurdecedor dos milhares de pássaros e a vozearia nocturna da mais variada bicharada, desde macacos a hienas, tornavam aquele ambiente um mistério todos os dias renovado.
  O “dia” em Banjara, iniciava-se naqueles anos (1967/1968), por volta das 18 horas. A essa hora o Comandante mandava distribuir a 3.ª refeição, e as sentinelas avançadas ocupavam os seus postos. Toda a gente vestia então o seu camuflado, calçava as botas e recarregava as armas. Não é que de dia estivessem todos a dormir, mas durante a noite, entrava-se em alerta máximo. Durante a noite era rigorosamente proibido acender luzes, fazer fogo e fumar à vista desarmada para não denunciar a presença e a localização de ninguém.   Tomada a 3.ª refeição e colocadas as sentinelas, que eram sempre dobradas, iniciava-se toda uma série de rondas de posto a posto, podendo os soldados que estavam de folga, e só nos abrigos subterrâneos, jogar cartas, conviver e confraternizar, pôr a correspondência em dia, etc. De vez em quando dormia-se uma hora ou duas mas sempre em sobressalto, e sem a mínima tranquilidade. Posso dizer que durante o tempo que passei neste destacamento não dormi uma única noite descansado.
   Durante a noite, de vez em quando, uma sentinela nossa dava um tiro, à aproximação do arame farpado de um macaco ou qualquer outro bicho (podia náo ser...). Logo todos corriam para as armas pesadas e, normalmente, o IN respondia com dois tiros ao longe. Então a nossa sentinela, aquela ou outra, respondia passado algum tempo com três tiros. A seguir a resposta de novo do IN, então com 4 tiros. Era um jogo macabro, que nos mantinha constantemente vivos e despertos.
   O dia amanhecia, então, e, pelas 7 da manhã, iniciava-se a distribuição da 1.ª refeição. As horas mortas do pessoal eram gastas, durante o dia, à caça, quando isso era possível e o capim estava seco e caído no chão, a jogar cartas, pôr a correspondência em dia e jogar futebol. O jogo de futebol era normalmente diário, mas sempre a horas diferentes, para não se cair na rotina, e sempre com os abrigos guarnecidos de atiradores.   Terminada a 1ª refeição iniciavam-se os trabalhos de rotina, para o que o efectivo estava dividido em 4 grupos, cada um deles composto por 15 ou 20 homens, comandados por um sargento.Um grupo estava de serviço à água e à lenha para as refeições. Os banhos eram tomados na bolanha a um quilómetro do arame farpado, e sempre com 10 ou 12 homens armados em vigia. Outro dos grupos era o piquete que realizava, normalmente, uma patrulha de reconhecimento nas imediações do aquartelamento. O terceiro grupo estava de prevenção rigorosa e o quarto estava de "folga".
  Este destacamento tinha apenas uma coluna de reabastecimento por mês, no máximo, mas chegava a estar mais de 2 meses sem alimentos frescos e sem correio. Não havia população civil, apenas militares.  Mas nesta situação de extrema insegurança, com privações de toda a ordem e dificuldades sem fim, estabeleceram-se relações de amizade, de solidariedade e de união de tal modo fortes, e com exemplos de lealdade e entrega total de tal modo intensos que considero ser a parte positiva da guerra colonial, que a todos marcou de uma forma mais ou menos traumática.

2 comentários:

  1. Olá camarigo Marques Lopes,
    Antes demais, felicita-lo pelo magnífico trabalho que está a desenvolver, por outro lado quero dizer que publiquei um texto seu de uma msg que me enviou, já à algum tempo atrás, são textos seus que guardo religiosamente. Bom!... O assunto que aqui me trás tem a ver com "Um dia em Banjara". Consultei meus doc's e dou com uma notícia publicada na revista do "EXPRESSO" de 29NOV97 - [1969-1997: prisioneiros de guerra] onde a dado diz e passo a citar: que a CART 1690 a 10MAR68 ás 00,00 horas sofre violento ataque onde é morto um elemento e doze elementos da CART 1690 são capturados. O grupo era constituído pelo furriel João Neto Vaz,que era o CMDT, 1º's cabos José Manuel Moreira Duarte e José da Silva Morais e os sol. Domingos Noversa da Costa, Agostinho da Silva Duarte, António Ângelo Duarte, David Nóbrega Pedras, José dos Santos Teixeira, Luís Salvador Antunes Almeida Vieira, Luís dos Santos Marques (falecido em cativeiro) e na altura da libertação não aparecem os Soldados João da Costa Sousa, Francisco Gomes da Silva e Armindo Correia Paulino.
    Lembra-se deste episódio?
    AB,
    Sousa de Castro

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  2. Lembro-me, isto é, sei. Eu já não estava em Geba. Está no meu blogue aqui
    http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=247242507723586834&postID=1653249852715406106

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