(…)
Todavia, o que mais preocupava a atenção do Rei eram os estrangeiros, que
indevidamente iam negociar com o gentio, e os tangomaos. Os
primeiros
prejudicavam os interesses da fazenda real pondo em perigo a soberania
nacional, e os segundos, para quem foram necessários alvarás especiais, considerados
fora da lei, procuravam colocar-se longe da área de jurisdição do capitão-mor,
para exercerem livremente o ofício de comprador de escravos. Profissão perigosa e tanto mais arriscada quanto é certo que, não gozando de qualquer protecção das autoridades,
estavam sujeitos aos caprichos dos potentados negros e dos próprios indígenas
que podiam matá-los sem que tal acto constituísse crime.
Deixando o litoral e a segurança que dava a presença das bocas-de-fogo no
alto dos baluartes, os lançados,
contraventores das ordenações, subiam os rios e internavam-se no mato.
estendendo as suas correrias por pontos desconhecidos de outros portugueses. A decisão
real impedia os nativos de lhes ensinar os caminhos do sertão. Contudo. nem por
isso esses homens audaciosos. habituados aos trilhos da floresta e que podem
ser considerados como os verdadeiros pioneiros da ocupacão das terras a Guiné, se deixaram intimidar. Torneando os
embaraços da organização fiscal do tempo iam pela terra dentro resgatar
cativos, praticando actos defesos aos moradores, vivendo .em mancebia com as
negras.
Documentos coevos referem-se a casos em que os tangomaos se achavam desapegados das coisas da fé. e que seus filhos nascidos do conúbio com
muçulmanas eram circuncidados.
Deste modo os desmandos com mulheres nativas foi igualmente objecto de uma
disposição inserta nos Regimentos, tendo as de Cabo Verde que já nessa época,
compelidas pela fome, se viam na dura necessidade de emigrar, merecido especial
cuidado do soberano que queria evitar a todo o transe o relaxamento dos
costumes.
Tal questão era por sua natureza delicada. Não havia então emigração
feminina para os tratos da costa. As donzelas conhecidas por órfãs de el-rei, que
desde o século XVI iam para o oriente, destinavam-se apenas ao povoamento
europeu da Índia, terra ainda preferida pela imaginação aventurosa dos
portugueses.
Grande era a falta de mulheres nas Conquistas de África e, por isso, não é de estranhar que muitos portugueses
vivessem em estado de culpa e com
escândalo com nativas, chegando alguns que por lál permaneciam
longos anos a esquecer as próprias mulheres que haviam deixado no Reino. Reduzidas
a extrema penúria haviam solicitado o favor real para a sua desesperada
situação.
«E porque outrosim sou informado que
nas ditas ilhas e rios andam muitos homens casados que foram deste Reino há
muitos anos sem quererem vir fazer vida com as suas mulheres nem as proverem
do necessario, vivendo mal e dissolutamente, informar-vos-eis disso, e achando
que há lá alguns dos ditos homens fareis embarcar para o Reino aqueles de que
vos constar que vivem, e que há muito tempo que lá andam sem prover suas
mulheres, e este capítulo se cumprirá sem embargo de quaisquer provisões minhas
que hajam nas ditas ilhas nas quais seja limitado o tempo que os homens casados
nelles poderão estar.»
(…)
Fausto
Duarte
Regim. to de 'q' ha de uzar o mesmo João Carr.º Fidalgo,
q' hora vai por Ouvidor e Capitão de Cacheu, no tocante ao d.º Cargo.
«Eu EI Rey Faço saber a vós João Carr.º Fidalgo,
q' hora tenho encarregado do Cargo de Cap. e Ouvidor de Cacheu, no Rio de
Guiné, que hey por bem e me práz, q' emq. to servirdes o d.º
Cargo de Ouvidor, uzeis do Regim. to seguinte; e isto alem dos poderes, e
jurisdição q' por minhas Leis, e ordenações são dadas aos Corregedores das
Comarcas, de q' outro sim uzareis nas couzas em q' se poderem aplicar, e não encontrarem
este Regim. to.»
(…)
10º
«Avizar me heis particularrn.te pelo
d.º Cons.º das pessoas q' andarem feitos tangomaos e dos que tiverem encorrido
nessa culpa, e de suas qualidades, e que utilidade receberá meu Serviço delles
se se reduzirem e vierem povoar, e viver na Povoação, e se convirá, ou haverá
algum inconveniente em se lhe perdoarem as culpas q' tiverem, e com q' condições
se lhes deve conceder perdão, e do beneficio que elles disso receberão, com o
mais de que vos parecer informar.»
(…)
Regim. to de q' ha de uzar o mesmo João Carr.º
Fidalgo, q' hora vai por Ouvidor e Capitão de Cacheu, no tocante ao d.ºCargo.
«Eu EI Rey Faço saber a vós João Carr.º Fidalgo,
q' hora tenho encarregado do Cargo de Cap. e Ouvidor de Cacheu, no Rio de
Guiné, que hey por bem e me práz, q' emq. to servirdes o d.º
Cargo de Ouvidor, uzeis do Regim. to seguinte; e isto alem dos poderes, e
jurisdição q' por minhas Leis, e ordenações são dadas aos Corregedores das
Comarcas, de q' outro sim uzareis nas couzas em q' se poderem aplicar, e não encontrarem
este Regim, to.»
(…)
8º
…e assim mais devaçareis das pessoas q' andão nos
Rios, ou em outras partes feitas tangomaos, e trabalhareis por os prender, e
procedereis contra elles, como for justiça e assim procedereis contra os homens
cazados, que tem suas mulheres neste Reino e se deixão lá estar mais tempo do
que por minhas Leis, e Provizões
lhes hé premetido.»
(…)
Regim. to do que ade usar o capitão e feitor Pedro
Tavares de Sousa em Cacheu.
«Nicolao de Castilho G.or Capitão Geral e provedor da Faz.da, de
sua Mag.de em todas estas Ilhas de Cabo Verde e destricto de Guine, etca Faço saber a vós
João Tavares de Sousa que por entender que tudo o que o que vos for emcarregado
do serviço de sua Mag.de dareis tão boa conta como de vos se espera
ouve por bem de vos prover em seu nome da Capitania de Imfantaria do porto de
Cacheo e seu destricto e assi de Feitor e Prov.dor da Faz.da
de sua Mag.de no dito Rio e mais portos e em os quaes guardareis o
Rcgim, to seguinte.
(…)
Sou informado que no tpo da fome se forão m.tas
molheres cristãs a viver nessas partes o que he em grande desserviço de d.as
pela contingencia em que se poem de viverem mal e a sua vontade entre gentios,
alem disso em detrim.to notavel do Resgate por respeito dos panos e
berafulas [espécie de tecido] que ahy fazem com que tudo a baratão [embaratecem], logo sem dilação as fareis
embarcar repartidas em navios para esta ilha.
(…)
»
A grande preocupação com os tangomaos, lançados, e mesmo com "as mulheres cristãs", era a fuga ao "Resgate", isto é, ao comércio legal controlado, isto é, com pagamento de impostos à Fazenda real.
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