CONSULTAS

Para consultas, além da "Caixa de pesquisa" em cima à esquerda podem procurar em "Etiquetas", em baixo do lado direito, ou ver em PÁGINAS, mais abaixo ainda do lado direito, o "Mapa do Blogue"

Este blogue pode ser visto também em

25 de setembro de 2011

263-Ataque da aviação à "base do Gazela", em Sinchã Jobel

Do livro "De Campo em Campo, Conversas com o Comandante Bobo Keita", de Norberto Tavares de Carvalho: 

Capítulo 2. A base do 'Gazela' é flagelada por bombardeiros do exército português

Fiquei ali até 1969. Ainda em 1968 fomos fazer uma operação na zona de Cantacunda. Naquela operação fui juntamente com o Braima Bangura(18), comandante de destacamento. Apanhámos naquele dia onze Tugas. Foram todos evacuados para Conacri. [ Foi o ataque feito ao destacamento de Cantacunda da CART1690, na noite de 10/11 de Abril de 1968. Ver aqui ] Da segunda vez que fomos à mesma zona, apanhei um tiro, um estilhaço de morteiro, aqui debaixo do ventre, que saiu pelas nádegas, mas mesmo assim conse­gui andar nove quilómetros a pé, a perder sangue, naquela noite. Não podia dizer aos camaradas que tinha sido ferido para não os desanimar.
Aconteceu quando o camarada que estava à minha frente com uma bazooka nos ombros, caiu numa mina e eu fui atingido pe los estilhaços da mina. O camarada perdeu um pé e aquilo doía­-lhe muito. Pediu-me que lhe desse um tiro para poupar o seu sofri­mento.
Eu estava armado com a minha faca militar. Disse-lhe que não, que ele não podia morrer ali. Peguei no meu punhal cortei-lhe o pé ferido que enterrei na mata. Cortei a palha duma bananeira, lavei-a com a água do cantil e com uma ligadura improvisada bandei-Ihe o pé. Fiz-lhe dois torniquettes na perna para parar a hemorragia. Pusemo­-lo numa maca e levámo-lo para lugar seguro. Foi aí que um camarada percebeu que eu também sangrava. Fez-me ver que havia sangue no meu camuflado. Eu disse-lhe que era sangue do camarada ferido e que eu não tinha sofrido nada.
Só quando chegámos à base, e depois do médico ter dado os primeiros socorros ao camarada ferido, é que resolvi ir ter com ele. Disse-lhe então que estava ferido. Despi as calças e mostrei-lhe o lugar do impacto do estilhaço. O médico não acreditou. Era um cubano. Depois de me observar concluíu que eu tinha apanhado um tiro na bexiga. Eu disse-lhe que queria ter a certeza de que era de facto isso que me tinha acontecido, pois a dor que eu sentia não indicava um ferimento assim tão grave. Aquilo aconteceu no dia 9 de Junho de 1968. Foi a segunda vez que os Tugas acertaram em mim.
Fui fazer chichi e não senti nenhuma dor ou qualquer outra reacção que me impedisse de deslocar. O cubano fez-me um tratamento local e fiquei mais calmo. Afinal não era assim tão grave, disse para com os meus botões...
Naquela manhã preparámo-nos para evacuar todos os feridos para a fronteira através do rio Farim. O Gazela e o Hilário esta­vam no lado do N'Djobel (Sinchã Jobel) Fui até lá para os avisar de que deviam abandonar o local sobretudo porque, a meu ver, não tinham tomado as devidas precauções. Para se desloca­rem abriam caminhos como se fossem estradas para carros. Ven­do aquilo, pensei logo que poderia haver perigo em caso de ataque do inimigo.
Mais a mais que, o batedor, que fazia o reconhecimento do grupo, regressava sempre e dizia que tudo estava normal. Reuni-me com eles e disse-lhes que deviam abandonar o local. O Gazela, que era um dos chefes militares presentes na região, tentou convencer-me de que não havia perigo nenhum naquela zona. Por volta das quatro horas da manhã, depois de ver que não conseguia convencê-los, saí com os meus homens e arrancámos.
A meio caminho andado, perto de Inchalé, ouvimos o ruído de aviões. Eram aviões de caça, bombardeiros. Disse aos meus homens: «Dirigem-se para a base do Gazela!» Dito e feito, os jactos atravessaram os ares e as bombas caíram sobre os nossos camaradas. A primeira vítima foi o Comissário político, o Hilário.
O Hilário morreu logo aí. Enviei quatro camaradas para irem ver o que tinha acontecido na base. De regresso, disseram-me que tinha sido um ataque relâmpago dos portugueses, que haviam bombardeado a zona com aviões fazendo mortos e feridos. Resolvi mandar buscá-los para que se juntassem a nós, que também contávamos feridos que deviam seguir para a fronteira...


[ Quando estive em Sinchã Jobel em 2006 - conto aqui essa visita - , vi isto


...e isto]

Fizemos uma só caravana, os que tinham sofrido os bombardeamentos e nós. Eu tinha uma bengala na mão e deslocava-me com cuidado, visto a minha ferida. Chegámos ao rio Farim, verificámos se não havia nenhum barco nas redondezas. Às vezes os barcos portugueses rebocavam botes e as tropas que iam nos botes escondiam-se debaixo da sombra dos tarrafes e os barcos afastavam-se. Se não se prestar atenção, mal se apercebe de um movimento de homens e os Tugas escondidos nos tarrafes, saem do escondirijo e começam a fazer fogo sobre a malta.
(18) O Braima Bangura foi executado após a independência, acusado da suposta tentativa de golpe de estado alegadamente dirigida pelo Coronel Paulo Correia, conhecido como "O caso 1 7 de Outubro".

Sem comentários:

Enviar um comentário