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29 de janeiro de 2011

45-A visita

Os mosquitos não me largavam, só à chapada é que fugiam, ainda conseguia matar alguns. Não eram muitos porque eu tinha tido o cuidado de coser bem os buracos do mosquiteiro e prendê-lo por baixo do colchão, mas havia sempre uns sacanas que conseguiam encontrar maneira de me irem sugar o sangue. Já tinha tentado saber como é que eles faziam, tinha vasculhado todos os buraquinhos para os tapar. Mas não, não conseguia evitar que alguns entrassem. Lembrava-me bem da noite passada na bolanha de Sinchã Jobel, onde os havia aos milhares, e também das noites passadas no mato, mas nessas circunstâncias aceitava-os, que remédio, até me ajudavam a estar desperto Mas agora não, caraças. Depois de uma noite inteira no tarrafe do rio Cacheu, na zona de Canja, tinha chegado às seis da manhã e queria era dormir. Tinha despido o camuflado e a roupa e nem tomara banho, logo para a cama, todo borrado, que se lixe mas a vontade era muita. Mas os gajos só me deixavam fazê-lo a intervalos, quando matava um e antes que outro viesse render o morto. O meu colega da cama do lado também andava na luta, pois no meio da soneira ainda conseguia ouvir as rajadas de palmatoadas que ele lançava com o mata moscas. Mas ele não saiu esta noite, está melhor que eu, eu é que estou pior, ainda soletrei dormentemente, creio que a falar para Deus. Se foi ou não, já não sei, ninguém me deu troco.
O ruidoso girar característico das pás de helicópteros despertou-nos completamente. O Rodolfo deu um salto da cama.
- Que merda é esta?
Levantei a cabeça e apoiei os cotovelos na cama.
- Parece que são helicópteros, pá.
Vestimos calções e enfiámos os chinelos nos pés. Demos a volta por fora do edifício e fomos para a porta da Secretaria. Estavam lá o cabo escriturário e o primeiro-sargento, este todo aprumado e embevecido.
- Vem aí o nosso general.
Também olhámos com espanto o “Caco Baldé” (devido ao seu monóculo, o general Spínola era apelidado pela tropa por "Caco", Baldé era um apelido comum na Guiné, pelo que o seu completo apelido guineense era "Caco Baldé"), que vinha com passo decidido, olhar penetrante e pingalim da ordem. Acompanhava-o o comandante da companhia e, todo emproado, com camuflado limpo e brilhante pelo uso em cerimónias, de luvas impecáveis e boina vermelha berrante, vinha também o adjunto do general com a G3 em prontidão, coronha poisada no quadril.
Olhei para a pista e vi dois helicópteros com alguns comandos à volta. Se calhar estariam mais alguns dentro da mata a montar segurança. Seria o normal nestas visitas de surpresa, habituais do general. Mas espero, pensei para mim, que o capitão não se lembre de fazer uma demonstração como aquela que fez há dias a um piloto da DO. Foi um gozo do caraças e ele não ficou nada bem. Quis mostrar ao homem da dornier como funcionava o morteiro 80. Lançou uma granada que foi cair não muito longe do avião. Felizmente não houve estragos mas o pessoal que estava na mata na segurança veio a correr pensando que era um ataque. Rizo geral. É claro que, com o general, não dava para isso.
O Rodolfo interrompeu-me os pensamentos, todo preocupado.
- É pá, não podemos receber o general em tronco nu, de calções e chinelos.
- O que é que queres? Ele já está perto e já olhou para nós. Estar a fugir agora é que não dá. Quando aparece de repente já sabe o que pode encontrar.
Ele chegou ao pé de nós. O capitão apresentou-nos.
- São os comandantes dos pelotões que tenho aqui. Tenho um que está destacado em Binta e outro que está em Jumbembem.
Inicialmente, levantei a mão instintivamente para fazer a continência, mas, pensei rápido, e vi que não podia fazer isso por estar desfardado. Mas o meu colega alferes não pensou e fez mesmo a continência. Depois da explicação do capitão, vi-me na obrigação de dizer qualquer coisa.
- O meu general desculpe, estamos assim porque não estávamos à espera. Eu estive esta noite toda no mato e…
- Deixa-te disso, pá. Vamos lá que eu estou com pressa, tenho de estar com o COP3 em Bigene.
Entrámos na secretaria e o capitão falou-lhe das nossas missões, do trabalho contra as infiltrações, das operações com o COP3. O “Caco” quis saber das condições em que estavam os homens, da alimentação. Aqui o capitão engasgou-se um bocado. Que havia algumas dificuldades, porque os abastecimentos eram muito intervalados, quer pelo rio Cacheu, quer com as DO que vinham trazer o correio e os frescos. O general ia dizendo para o adjunto “Toma nota”.
Fui tentado a dizer que a carne que tínhamos era das vacas que, às vezes, íamos roubar às aldeias fronteiriças no Senegal, ou daquelas que caíam nas armadilhas que montávamos nos carreiros e que os elementos do PAIGC traziam para atravessar o Cacheu. Os gajos da tabanca não nos vendiam vacas. Mas fiquei muito caladinho, o capitão que desbroncasse.
O adjunto tomou notas, o “Caco” ajeitou o monóculo e mudou de conversa.
- Nosso capitão, quais são as etnias dos pelotões?
- Aqui em Barro são fulas e balantas, mas estão misturados.
- Então vai separá-los. Fulas num pelotão e balantas noutro. Dá mais unidade a cada um e pode criar emulação entre eles.
Ninguém disse nada. Não havia nada a dizer, aquilo foi dado em tom de ordem.
Continuou.
- Vocês já alguma vez foram ao Senegal?
Ri-me abertamente, mas depressa fiquei sério. O general e o adjunto olhavam para mim como que a perguntar-me qual era a piada. O capitão e o Rodolfo estavam aprensivos, a interrogar-me com o olhar se eu ia agora falar das vacas roubadas no Senegal. Tive de dizer alguma coisa.
- Desculpe, meu general. Mas é que nós nunca fomos ao Senegal.
- Não se ria, nosso alferes. Comecem a pensar em ir lá.
Levantou-se e afastou-se em direcção aos helis, acompanhado pelo capitão e o adjunto de G3 no quadril.

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