Tenho consultado, e continuarei a consultar, o "Boletim Cultural da Guiné Portuguesa", porque o considero uma fonte prestimosa para conhecimento das "coisas da Guiné", sobre o tempo em que esteve sob domínio colonial e também sobre as suas gentes.
O primeiro volume saiu em 1946, incluindo os números de 001 a 004. Teve à cabeça um texto de Marcello Caetano, então Ministro das Colónias, intitulado "Uma crónica nova da conquista da Guiné..." e que, de acordo com o espírito colonialista que ele tinha (embora 22 anos mais tarde o negasse...), é claro, acabava assim:
«Que esta revista seja, a partir de hoje, o registo fiel de um progresso incessante, a crónica nova da conquista da Guiné para a civilização e para a ciência, sempre dentro das concepções tradicionais da política colonial que soube casar a fé e o império: - a necessidade do mando com a fraternidade cristã!»
Também o Governador Sarmento Rodrigues afirmou, no artigo "Para a elevação do nível cultural da Guiné":
«Foi criado para permitir que a gente da Guiné pudesse mais facilmente tomar parte no movimento literário, científico, artístico, numa palavra, intelectual, com' vista à formação e desenvolvimento dos valores espirituais. Ler e escrever.
(...) Estou certo que o «Boletim» nos não há-de envergonhar. Corresponderá, certamente, pelo seu aperfeiçoamento contínuo, ao desejo principal que motivou a sua criação: a elevação do nível cultural da Guiné. O seu êxito depende da capacidade e do esforço que cada um empreender para se valorizar.
É tempo de a Guiné ser mais alguma coisa do que um campo fértil de produtos materiais. É preciso que pelo valor dos seus habitantes se transforme num meio onde floresçam também as culturas do espírito, acima de todas, expoentes de uma civilização.»
É conhecida a célebre frase de Sarmento Rodrigues quando lhe perguntaram como conseguia manter a paz entre as várias etnias: "Sabe... é que eu ouço-os a todos atentamente, mas depois não ligo a nenhum". É um pouco como esta de, com a revista, pôr a gente da Guiné a tomar parte no movimento literário, científico e artístico... Somente Amílcar Cabral, nascido na Guiné, colaborou no Boletim como engenheiro agrónomo que era, e só durante algum tempo, obviamente. Os restantes foi tudo "gente" da Metrópole.
Mas com muito valor, reconheça-se. Tanto que é uma obra considerada pelos especialistas a melhor publicação científica das ex-colónias portuguesas. Foram publicados 110 números desde 1946 a 1973, e um número especial, em 1947, comemorativo do V Centenário do Descobrimento da Guiné.
Têm muito valor os documentos históricos, os etnográficos e os científicos sobre a flora, a geografia, as pragas e as doenças, bem como a revista de imprensa e bibliografia, e mesmo os dados estatísticos e económicos. Para ver como era, há a "Crónica da Província", as notícias sobre a governação da colónia.
O INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa da Guine-Bissau, é que mantém os direitos sobre esta publicação, por ser herdeiro do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. Todos os números podem ser consultados na Biblioteca Digital em "Memória de África", criação da Universidade de Aveiro.
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