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2 de julho de 2011

212-O Iran

Augusto de Jesus Santos Lima foi Administrador da Circunscrição Civil do Bijagós e foi um dos nomeados, em Julho de 1946, membros residentes do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, criado a 13 de Dezembro de 1945, antes da Revista. Este é um texto (Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Volume II, nº 5, 1947) crítico ao culto do iran, com um certo espírito paternalista e perspectivando modificações de acordo com as leis coloniais. Diferente do olhar interessado e compreensivo de Rogado Quintino dos costumes guineenses aqui já mostrado.

Até hoje não creio que a execução do artigo 22.° do Acto Colo­nial [ Nas colónias atender-se-á ao estado de evolução dos povos nativos, havendo estatutos especiais dos indígenas, que estabeleçam para estes, sob a influência do direito público e privado português, regimes jurídicos de contemporização com os seus usos e costumes individuais, domésticos e sociais, que não sejam incompatíveis com a moral e com os ditames de humanidade], reproduzido no artigo 246.° da Carta Orgânica do Império, tenha trazido qualquer dificuldade na prática. Nada custa a um português contemporizar com os usos e costumes indivi­duais, domésticos e sociais dos indígenas, não tanto pelas regras de uma tradição algumas vezes secular mas, principalmente, pela inclinação do seu espírito e pelo seu temperamento afectuoso. É comum o português viver para eles e, até, com eles. Em todo o caso, as disposições acima citadas marcam um limite à contemporização, isto é, irá até ao ponto em que não seja «incompatível com a moral e com os ditames de humani­dade». Ora, a moral vai tão discutida e desnudada com os climas e com as latitudes e os ditames de humanidade tão esquecidos e apagados na mente vária do homem de hoje que talvez não fosse despropositado que os nossos textos dissessem: com a moral e com os ditames da consciência da Nação. Deste modo, esse limite tornar-se-ia mais perceptível e dei­xaria de causar sérias e fundadas dúvidas a muitas centenas de nós que convivemos diariamente com o indígena.
Mas, assim mesmo, parece oportuno perguntar se a adoração e o temor do «lran», tal qual nós o conhecemos e concebemos, está de acordo com aqueles textos de lei ou se, pelo contrário e em seu nome, não temos obrigação de intervir, senão para o extirpar, ao menos para lhe reduzir a acção ao mínimo possível.
Evidentemente, a resposta é discutível. Se se considerar que o «Iran», como entendem muitos dos nossos colegas franceses, não passa de uma manifestação de carácter religioso e que os objectos que o representam não são mais do que a materialização da forma por que o concebem não há dúvida de que a sua adoração fica aquém do limite acima indicado. Neste caso, não seria de aconselhar qualquer intervenção da nossa parte.

Mas se, admitindo embora esse carácter religioso, verificamos que a sua intervenção se efectiva através de pouquíssimos iniciados (balou­beires) detentores exclusivos da sua invocação e da aplicação dos seus desígnios, num campo de acção ilimitado, em que impera o dever sinó­nimo de medo - então, a sua adoração excede o limite fixado, exigindo a nossa intervenção.
Aquele primeiro aspecto tem tido os seus adeptos, cultos embora mas de duvidosa sinceridade, que defendem uma indefinida liberdade porque, dizem, tudo tende para a civilização que ainda não sabem o que é nem qual seja a melhor.
Capciosa, esta argumentação. Em primeiro lugar, porque não há liberdade indefinida que seria sinónima de barbárie e própria do período da pedra lascada: depois, na dúvida do que seja civilização, admitem o absurdo do ponto morto na vida, donde contemplariam a desfilada para­lela de todas as tendências de todos os grupos humanos, até descortina­rem, enfim, qual se adiantara para a... adoptarem. Fantasia. Nós pensa­mos mais terra a terra.
O «Iran» é, idealmente, um presidente, carrancudo, omnipotente, omnisciente e intangível; materialmente, é um «depósito de interesses».

Com efeito, lá está ele presente no casamento, no nascimento e na morte. Não iria muito mal se ficasse por aí. Mas vai mais longe, muito mais longe. Na sementeira, na colheita, na pesca; na higiene, na saúde, na doença; no crime e na justiça; na guerra e na paz - esse «figurão» intervém sempre pela boca dos seus «baloubeiros». Conforme o interesse destes, assim aquele se manifesta. Está-se a ver, pois, que a tais intér­pretes e executores de vontades convém o mais rigoroso segredo e não convém, em contrapartida, a mais pequena alteração desse costume.
Esse «iran» decreta que se não deve semear em tal local ou em tal tempo; que aos trabalhos tais e tais se deve opor decidida resistência passiva: Cumpre-se integralmente...
A essa mortalidade infantil - de que, com razão, tanto falamos, receamos e combatemos - ele não é estranho; não há nenhuma mulher grávida que se atreva a deixar de cumprir com as «cerimónias» que ele ordena, tanto no período da gestação, como no post-natal.
E chegamos assim à conclusão de que temos nesse «fantasma» um inimigo declarado, que opõe embargos às mais breves determinações, oca­sionando paragens frequentes no caminho áspero, mas sempre ascensional do progresso das gentes incultas que nos impusemos como norma de con­duta e ponto de honra. A colonização não é apenas uma ciência; é tam­bém, arte. Temos os princípios e a tendência. O muito que havemos feito está longe ainda de atingir o ponto de saturação do nosso esforço. A tendência deste antecipou o conceito actual da valorização do homem indígena.
Exercemo-lo no combate às doenças e na vacina que, se ainda não é verdadeiramente compulsória, virá a sê-lo; na ideia que assentamos sobre as maternidades e na clínica intensiva; na higiene e salubridade; no estudo, em vias de sucesso, da sua nutrição; nas estações experimentais de agri­cultura e pecuária; nas escolas, etc...

Ora, é isto que, hoje em dia, constitui o nosso interesse. E é isto, sem sombra de dúvida, que vimos realizando, como base preliminar do vigor físico, mental e moral do indígena.
Mas... cuidado! Atrás de cada uma espreita o «Iran», com a sua corte de «baloubeiros», prontos a resistir.
E nós, que vamos fazer? A razão, a lógica e a compreensão mandam que se lhe dê combate. Esse fantasma, esse espantalho, é ou não incom­patível com a moral e com os ditames de humanidade? É ou não con­trário ao espírito daqueles textos no princípio citados? Eu entendo que sim. E os meus colegas? Se estiverem de acordo, como combatê-lo?
Atacando o órgão - Iran - ou o seu suporte - baloubeiros? Aqui está outro problema.  
Sobre ele, breve darei a minha opinião.
A. Santos Lima Administrador 

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