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6 de julho de 2011

217-A caserna 3 da EPI... e o "fantasma cagão"

Era um salão com alguns sessenta metros de comprido e quinze de largo, com um arco oval a meio separando-o em duas partes. A meio, numa das pontas do arco, ficava a porta de entrada, que servia de ponto de referência. À direita desta, ao fundo, na parede que limitava esse lado da caserna, ficava outra porta que dava acesso aos chuveiros e lavatórios. No lado oposto à porta de entrada havia várias janelas, literalmente cravadas nos flancos da abóbada oval da caserna, rentes ao chão, parecendo as patas de um bicho comprido de dorso arqueado. Permitia que, nos vãos assim formados, houvesse, em cada um, uma cama e um armário. Estes lugares, iluminados pela janela e com vista para o exterior - só para os telhados do convento, claro - tinham sido logo ocupados pelos primeiros a chegar. Os outros, à medida que iam chegando,  foram-se distribuindo pelas várias camas junto à parede e pelas que estavam em duas filas no meio. As camas eram metálicas e com colchões de arame, com um armário também metálico perto de cada uma.
Não foi fácil chegar até ela. A caserna 3 ficava no terceiro piso do convento. Foi necessário subir uma longa escadaria. Uma longa, larga e sólida escadaria com grandes lajes de pedra a servirem de degraus. Chegados ao cimo, andaram bem uns cem metros de corredor, também largo, parecendo forrado a pedra por baixo, por cima e pelos lados, até chegarem à tal porta que dava acesso à caserna. Em frente desta porta estendia-se outro corredor, mais pequeno que o anterior, mas grande, mesmo assim, para quem vive em casas de duas assoalhadas, ou menos. Num e noutro corredor havia outras portas além da da caserna, mas ninguém sabia nem ninguém lhes disse o que estava por detrás delas.
Os soldados-cadetes tinham sido distribuídos pelas casernas conforme a companhia a que ficavam a pertencer. Assim, a caserna 3 fora atribuída à 3ª Companhia do COM. Aí estavam o Aiveca, o Norberto, o Pais, o Simões, o Realinho, o Orlando, o Carreira e o Félix, que ficaram a pertencer àquela companhia. Isso porque estavam todos seguidos na bicha quando foram à atribuição dos números.
- "O meu pai, quando esteve na tropa, foi como soldado raso, é claro. Não passava de um trabalhador rural. Deram-lhe o fardamento todo, que não era nada igual a este, e deram-lhe também roupa interior, cuecas, camisolas e meias. Diz ele que a roupa interior era de pano cru, que até doía no corpo". O Aiveca falava a meia voz para o Pais, que estava na cama ao lado da dele. "Quando o meu pai queria vestir as cuecas de pano cru e cheias de goma tinha de as pôr em pé no chão, saltar para dentro delas e só depois as puxar para cima e apertar. Se tentava vesti-las sentado não conseguia, porque elas não dobravam".
O Pais riu-se.
- "Mas aqui não te vão dar roupa interior. Mesmo estas fardas vais ter de as pagar".
- "Pagar as fardas?! Mas como? Eu não tenho dinheiro para isso."
- "Vão-te descontar dinheiro ao fim do mês enquanto cá estiveres. Não recebes pré. Isto é, recebes um pré que te dá para beberes um café. O resto ficam com ele".
- "Mas que é isso de pré?"
- "Não sei se é esse o nome, ou se é soldo... sei lá. É o que os soldados recebem ao fim do mês".
- "E quanto é?"
- "É pá, sei lá... Para os soldados é uma merda, mas para os oficiais não é mau".
- "Então nós..."
- "Nós agora somos como soldados. O que vais receber se calhar nem chega para beberes uma cerveja. Olha, eu vou ficar bem lixado com isto tudo: sou casado, tenho responsabilidades. Guardei algum dinheiro antes de vir, até nem ganhava mal. Mas, mesmo assim vou-me ver enrascado".
"E eu? Como vai ser", começou o Aiveca a pensar. "Agora, nem os miseráveis mil e duzentos escudos da AGPL tenho...". Mas não teve tempo de ir mais longe.
- "Estou à rasca! Pessoal, vou cagar!"
Era o Realinho, em voz alta, numa cama perto. E largou rápido em direcção ao sítio dos lavatórios. Mas mais depressa voltou, muito atrapalhado.
- "Aquela merda não tem cagadeiras, só tem lavatórios e chuveiros. Quem é que sabe onde são as cagadeiras?"
- "O gajo que estava aqui disse que eram fora da caserna, ao fundo corredor ali em frente", disse o Norberto. O gajo que tinha estado ali era o faxina que acabara de fazer a limpeza da caserna na altura em que chegáramos. 
O Realinho desatou a correr porta fora em direcção ao corredor.
Isto faz-me lembrar, agora, de umas cenas que se passaram quando lá estávamos já há uns meses, não me recordo exactamente quantos.
Houve um dia em que o faxina foi logo de manhã, como era hábito, fazer a limpeza dos chuveiros. Os "nossos cadetes" já tinham marchado para a instrução, estava na hora. Quando levantou uma das grades de madeira de um dos chuveiros olhou horrorizado para as mãos. Estavam cheias de trampa!
"Filhos da puta, cagaram no chuveiro!", terá dito, como qualquer um perante aquilo. Foi fazer queixa ao comandante da companhia, o capitão Caramelo.
Este mandou reunir a companhia à hora de almoço.
- "Um dos nossos cadetes fez uma coisa muito grave, e há que encontrar o culpado. Se não, ninguém vai a casa no fim de semana!", ameaçou. 
Um sussurro perpassou pela formatura. Que terá sido?... Alguém se meteu com alguma das mulheres?... Nessa altura já todos sabiam que vários oficiais e sargentos viviam com as mulheres nos quartos da zona da caserna. Mas o capitão continuou.
- "É que alguém fez as necessidades nos chuveiros da caserna 3. É uma vergonha! Não pode ser! Fico à espera que o culpado se acuse!". Disse ao segundo-comandante para mandar destroçar.
A malta riu à fartazana. Comentou. O que é que querem!? As casas de banho estão ao fundo do corredor e, quando um gajo está muito à rasca, não tem alternativa...
Na manhã seguinte, apareceu nos chuveiros da caserna 3 uma inscrição:
E, dessa vez, o faxina teve cuidado. Mas fez novamente queixa ao comandante da 3ª do COM.
Face a isto, e como o cagão não se tivesse apresentado, a companhia foi novamente formada. Mas foi o tenente Chung, que era o segundo-comandante, quem se dirigiu à formatura.
- "O nosso capitão está tão envergonhado que não quis dirigir-se a vocês. Quer que o culpado se manifeste. Diz que não o vai castigar. Quer, apenas, que ele ponha um bilhete na caixa da companhia a dizer que foi ele".
Muito enfiado, o bom do tenente Chung (era mesmo bom, como homem e como militar) mandou destroçar. A caixa da companhia lá ficou sem nada e foram todos de fim de semana. E nunca se soube quem era o "fantasma cagão"...
Foi o Braz, que esteve em 1967/1969, como alferes da CCav1693, na Guiné, primeiro em Nova Lamego e depois em Bula. Vive agora nos EUA.

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