SEGUNOO a tradição, há cerca de cem anos, Alfá Moló, régulo de Firdú (território francês), entrou na Colónia, pelo regulado de Sam CorIá, área do Posto Administrativo de Contuboel, e, depois de dominar algumas regiões situadas na margem direita do rio Gêba, fixou-se em Dandum, hoje sede do regulado de Gussará, naquele tempo povoado por Beafadas, Mandingas e Soninqués (bebedores), donde veio atacar Chime (Bassum) e foi derrotado pelo régulo Ansumane Sambú, auxiliado por DjaJiá Nanqui, régulo de Cossé, que não tomou parte activa nos combates.
Regressado a Firdú, como se sentisse ferido pela derrota de Chime, Alfá Moló voltou a Dandum e pensou em atacar o régulo de Cossé, cuja fama tinha chegado até ao território francês. Aconselhado pelo seu «mouro» Saico Umarú, expediu um ultimatum ao régulo Djaliá Nanqui, que, por sua vez, confiado na união, valentia e fidelidade do seu povo, imediatamente destacou um emissário para prevenir Alfá Moló da sua visita, a todo o momento. Nesse mesmo dia, a alta noite, Djaliá, que era «pauteiro» - Bafá-Uanguiré (cabeça aberta) - fez as suas cerimónias e, no dia seguinte, de manhã cedo, reuniu o povo e, em palavras convincentes, lhe disse: «Afinal o tal régulo Alfá Moló, que .nos pretende fazer guerra, não é homem e está quase a morrer. Estive com ele a noite passada e mal lhe toquei com as mãos na cabeça, adoeceu. Tinha levado um machado (Qllissá) para lhe partir a cabeça, mas penalizou-me imenso o estado dele e deixei-o. Coitado! - Djantôlé !». De facto, ao romper da aurora, morria em Dandum o famoso Alfá Moló, conforme mensagem recebida do sobrinho de Djaliá, Saneá Nanqui, régulo de Badora. Recebida que foi a notícia, a povoação de Galú Maro, uma das mais antigas da Circunscrição e sede do regulado de Cossé, envolveu-se numa balbúrdia infernal. Por todos os lados ressoavam tambores, dançavam velhos e crianças, repletos de satisfação, pois que muitas vidas se tinham poupado. O régulo mandou abater vacas, carneiros e cabras, que distribuiu pela comitiva. Em seguida, chamou o povo, afirmando: «Muito agradeço a vossa pontualidade e mais uma vez vos assevero o inquebrantável poderio de Cossé».
Por morte de Alfá Moló, subiu ao trono de Firdú o seu filho Mussá Moló, cuja maior preocupação era a de continuar a obra do pai, isto é, submeter os restantes territórios. À medida que estes eram expugnados, os régulos eram substituídos por Fulas escolhidos dentre os melhores guerreiros. Venceu o régulo de Chime e ali deixou Belá Baldé, pai de Hábido Baldé, penúltimo régulo daquele território. Em seguida atacou Carantabá (Corubal), povoação que muito se tinha distinguido pelas suas notáveis fortificações, até então consideradas inexpugnáveis. Depois de muitos dias de resistência, foi completamente arrazada, tendo os seus habitantes fugido para Quínara, que era o refúgio dos Beafadas. Deu a «reinança» de Corubal a Damam Baldé, pai de Moli Baldé, seu último régulo, falecido em Buba, em 1938.
Após a ocupação de Corubal, Mussá Moló, por necessidade imperiosa, teve de voltar a Firdú. Como lhe tivesse constatado que a morte do pai tinha sido por feitiçaria, e que o régulo de Cossé se considerava insuperável pelas suas práticas sortílegas, Mussá Moló, que era dotado de um temperamento rígido e severo, génio impetuoso e por vezes insuportável, imediatamente convocou os seus melhores guerreiros e narrou-lhes os fados que lhe haviam constado. Consultado o seu «mouro» (conselheiro), que lhe deu todas as esperanças de vitória, Mussá mandou preparar o exército com que ia desiludir Djaliá do seu mágico poderio. Volvida uma semana, tinha chegado a Dandum, onde foi visitar a sepultura do pai e fazer as cerimónias de costume. Porém, ficou estupefacto com a morte do seu rival e de Saneá Nanqui, régulo de Badora, por onde tinha que passar.
Como os Mandingas de Bigine, a maior povoação de Badora, não quisessem reconhecer Bali Sanhá como régulo, este pediu auxílio a Mussá Moló para a sua submissão. Saqueada Bigine, Nimam Dabó, então régulo de Cossé, fugiu com toda a comitiva para Corubal e dali para Quinara, embora tivesse sido aconselhado pelo seu lugar-tenente, Galona Dabó, a não o fazer. A povoação de Galú Maro ficou indefesa e desprovida de tudo. Toda a população se pôs em debandada. Mães fugiram, deixando crianças nos leitos, e crianças se internaram no «mato», ao Deus dará, a chorarem pelas mães, que, com certeza, nunca mais tomariam a ver. Mussá Moló era o terror dos Mandingas e Beafadas.
Cossé foi dado a Djobore Baldé, pai de Infali Balclé, seu actual régulo. Como Djobore não quisesse abandonar a companhia de Mussá Moló, deu o território a SambeI Comandim, seu tio, para governar provisoriamente. Por morte deste, Djobore foi a Galú Maro para fazer as cerimónias habituais e assumir as funções de régulo, O que lhe foi recusado pelo filho de SambeI Comandim, Gueladje Baldé, que se achava investido naquele cargo. Em face da recusa, Djobore pediu a intervenção do Comando Militar de Gêba, que resolveu a questão a favor de Gueládje.
o reinado de Gueládje durou cerca de 15 anos, tendo sido destituído, por ter auxiliado o régulo Bóncó Sanhá, que sucedeu a Ieró Mané, na guerra contra Adulai Baldé, régulo de Chime, em 1908, o qual, por sua vez, havia solicitado auxílio ao Governo da Colónia, que lhe foi prestado pelo comando militar de Chime. Derrotados em Taibatá (sede do regulado de Chime) e em Cam Pampi (Badora), Boncó e Infali Soncó, régulo de Cuór, fugiram para este território, tendo transposto o rio em Fa, desembarcando no porto de Aldeia, donde foram refugiar-se em Úio.
A fuga de Boncó Sanhá para o Oio provocou um interregno no regulado de Badora, durante o qual esteve subordinado ao régulo de Chime. Por relevantes serviços prestados, o Governo deu o território a Sampocá,. cuja «reinança» durou apenas um ano. A Sampocá sucedeu Assete Seidi, que reinou durante seis anos. Por morte deste, Boncó foi nomeado, novamente, em recompensa de valiosos serviços prestados ao Estado nas campanhas de pacificação, tendo o seu reinado durado cerca de 40 anos. Era valente e cheio de prestígio.
Com a destituição de Gueládje, Cossé foi dado a Djobore Baldé, em recompensa do auxílio prestado na guerra de Chime, tendo o seu reinado durado cerca de 20 anos. A Djobore sucedeu Issufo, seu filho, que reinou durante oito anos, tendo-lhe sucedido Infali Baldé, seu irmão, actual régulo.
Cabomba e Bulole, como eram territórios pequenos, não puderam oferecer resistência a Mussá Moló. Depuseram as armas, e o primeiro foi dado a Tócótchel Baldé, muito conhecido pelo seu penteado, cujas tranças se atavam por baixo do queixo, e o segundo a Samba Móló Baldê, que fundou a povoação de Sa-Moló (Sa, simplificação de Samba, e Moló, nome da mãe). A Tócótchel (pequenino) sucedeu Sambei Uma Baldé, de quem foi sucessor lerondim Baldé, penúltimo régulo de Cabomba, sendo estes dois filhos daquele. Sambei Baldé foi sucessor de Sa Moló, tendo sido destituído, há cerca de 15 anos, por má condução da política indígena, e o território de Bulóle anexado a Badora.
Pelo exposto vê-se que quase todos os régulos Fulas da área de Bafatá (Gabungábé) devem a sua «reinança» a Mussá Moló. A designação de «Gabungábé» é atribuída a todas as raças que habitam a margem esquerda do rio Gêba, ou seja do lado de Gabú, sendo as raças que habitam a margem oposta denominadas «Brassungábé». do lado de Brasso, Circunscrição Civil de Farim, sobre as quais, oportunamente, farei detalhada referência, por ainda não ter coligido todos os elementos relativos à sua história.
Augusto de Barros
Chefe de Posto de Bambadinca
Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Volume II, Nº 007, 1947
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