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18 de novembro de 2011

302-A islamização na Guiné

O Capitão de Fragata M.M.Sarmento Rodrigues, à época Governador da Guiné, proferiu uma conferência na Escola Superior Colonial, em 20 de Novembro de 1947, tendo como tema "Os Maometanos no futuro da Guiné Portuguesa". Entre várias considerações na defesa da colonização portuguesa, referiu-se também como via, na altura, o avanço do islamismo na Guiné:
«...Metade da população da Colónia, ocupando metade do território, está hoje islamizada. A parte restante é feiticista. Cristãos, muito poucos.
Dos moiros, que todos se dizem árabes, são as tribos Fulas (Futa­-fulas, Fula-forros e Fula-pretos), os Mandingas, os Sossos e moderna­mente os Beafadas, os principais representantes, Ocupam a parte interior da Colónia, deixando no litoral os «bárbaros». Apenas no Sul, em Cacine, os Sossos avançam como um braço ao longo da beira-mar; e em Fula­cunda os Beafadas, habitantes de grande parte da região até ao mar, sucumbiram à pressão muçulmana e abriram-lhe, portanto, as portas até ao oceano.
De resto, os feiticistas ainda estão entrincheirados desde Varela e Suzana até ao rio, com os Felupes e Baiotes a fazerem resistente barreira; pelas terras de Cacheu e Canchungo, baluarte dos paganíssimos Manjacos, e através de Bissau e Mansoa, com os seus Papéis e Balantas, pouco dados à contemplação religiosa; e lá estão também os Bijagós impe­netráveis, isolados nas suas ilhas encantadoras, defendidos pelo mar das invasões dos maometanos, tradicionalmente pouco dados às navegações oceânicas.
Ao Sul os Balantas assenhoriam-se, progressivamentc, das novas terras de Catió; e os doces Nalus vacilam e vão caindo sob a pressão impetuosa dos Sossos catequistas.
É esta a posição.
Verifica-se, pois, em toda a Colónia, uma nítida linha de demarcação religiosa. Vem da fronteira do Norte, do Sedengal até Barro, separando os Mandingas dos Baiotes : segue dali, por Bissorã, para Bambadinca até ao Corubal, dividindo os Balantas primeiro dos Oincas e depois dos Fulas de Bafatá; sobe pelo dorso do Quinara até morrer em S. João, deixando os Balantas, pagãos, de um lado, junto ao estuário do Geba e os Beafadas, moiros, do outro; finalmente, os Balantas feiticistas reali­zam a ocupação dos litorais de Catió.
Ao longo e em volta dessa linha de combate - ou melhor, de avanço para os moiros e de resistência para os outros - notam-se os mais eviden­tes sinais de luta.
Um pequeno exemplo.
A tabanca de Sansanto está entre Mansoa e Bissorã. Um pouco antes, para o lado de Mansoa, as aldeias são de Balantas, alegres, bebe­dores, meio-nús, trabalhadores, feiticistas, amantes das saborosas aventuras.
Para o lado oposto, para Bissorã, já nos poentes doirados se recortam as silhuetas dos albornozes brancos em adoração a Allah! São os Mandingas, cada qual um catequista, há pouco tempo ainda cate­quisados pelos seus escravos Fulas, a golpes de espada, porque de outra forma não se resolviam a deixar de ser bebedores.
Sansanto fica entre as duas linhas. Mas o drama já penetrou as moranças da plácida tabanca. Em umas os homens ainda não largaram as deliciosas liberdades primitivas. Noutras, as brancas gilabas já lhes revestem os corpos, num primeiro sinal de muçulmanização. Aquele balanta «vai virar mandinga»! Ainda não reza, não está iniciado, mas já lhe entrou nos sentidos a admiração pelos maometanos, pelos mantos alvos, pelas cerimónias que ele não compreende, pelo porte mais digno.
Esse alegre balanta, folião, irrequieto, amante da boa pinga, vai deixar de roubar, de se divertir sem peias, de se embriagar ruidosamente. Dentro de dias, de semanas, Mahomet será o seu profeta e os seus músculos de aço, que vigorosamente lavravam a terra, hão-de enlan­guescer, pois à dura luta com a natureza vai preferir a contemplação dos paraísos de Allah, sentado numa esteira orando ao sol poente, talvez trabalhando o coiro à sombra do beiral, enquanto as suas mulheres, as suas escravas, de enxada em punho e filhos às costas, ao sol e à chuva. hão-de cavar e semear a terra para servir humildemente o arroz branco ao seu ocioso senhor!...
E este drama que hoje persiste, eficazmente, embora sem violência, já vem de longos tempos, sem descanso e com seus períodos de exacer­bação e massacre. Vinda do Senegal, dos almorávidas, ou de mais longe ainda, nos impérios ou nas idades, a bandeira do crescente tem vindo sistemática e incansavelmente a submeter os pagãos ou a empurrá-los para o mar. A nossa Guiné coube, sobretudo, ser alvo das atenções dos fanáticos que do Futa Jalom, no último século desceram pelas encostas e se espraiaram pelas planícies, alfange alçado, impondo o seu crê ou morres aos boçais agricultores serni-nús. E aonde não chegou a força da guerra, foi o artifício. Os Fulas introduziram-se primeiro como criados e servidores, foram-se alargando em número e em importância; impuse­ram-se no princípio pela superioridade de espírito e, no momento preciso, de armas na mão, transformaram os seus senhores em seus escravos. É esta, em rápida impressão, a história dos Mandingas da Guiné, outrora prestigiados, hoje postos em segundo plano pelos Fulas.
Assim os Fulas avassalaram toda a faixa do interior, catequizando os nossos Mandingas - que por sua vez já tinham fugido a um ataque semelhante feito na sua própria pátria de origem, - e outras raças, «virando» os Beafadas, seduzindo os Nalus e empurrando para o mar os mais impenitentes.
Ser fula era ser alguém. Era o poder das armas e o poder da fé. Apenas a tradição não os ajudava e por isso ainda hoje alguns fulas não são árabes e ainda muitos mandingas se não decidiram a deixar de ser «Soninqués», bebedores.
Mas o que podemos dizer é que se num dado momento não tivesse surgido a ameaça do nosso poderio e o dos franceses, povos como o felupe e outros teriam desaparecido ou adorariam Mahomet. A fúria catequista de um Fodé Cabá e outros arrasava tudo, cortava todas as cabeças que se não curvassem perante AlIah. Fomos nós que evitámos essa heca­tombe e assim, indirectamente, preparámos o campo para a nova semente ira cristã.
Ora a invasão maometana, visou o nosso território de há longos séculos. Já no século XV havia propagandistas entre o povo mandinga - no tempo em que o rei de Portugal se dizia senhor da Guiné e pre­tendia fazer muita cristandade.
Esta nossa permanente e generosa intenção foi, de início, efectuada pelo envio de missionários, verdadeiros homens de fé - não isenta de audácia - que trabalharam com espantoso desembaraço, desvendando as terras, investigando os costumes e baptizando. Não se poderá dizer que tivessem efectuado um perfeito apostolado e conseguido insuflar puras luzes de religião cristã nos escurecidos cérebros da selva: mas a verdade é que, com a simples água baptismal lançaram a primeira, e porventura a mais sólida, semente de uma nova vida espiritual. O baptismo assim dado ficou amarrando as consciências primitivas a um novo e alto dever. Não foi ele ministrado sob o cutelo ameaçador; mas mesmo que o fosse, como O fizeram os ferozes sequazes de Mahomet; um homem baptizado fica preso a essa religião e não raro se torna um entusiasta do credo que lhe foi imposto.
Foi, então, com os primeiros missionários que nasceram os primi­tivos núcleos de cristãos da nossa Guiné. Desde o início, as caravelas da Guiné traziam os padres, embora poucos, espalhavam-nos pela costa e eles internavam-se, com inacreditável êxito, pelo interior. Os Bijagós, Farim, Geba e outros pontos foram percorridos com extraordinário pro­veito para a dilatação da fé.
Os chefes indígenas abriam-se sem receios, e muitos entregaram-se às novas ideias redentoras. Sobre o mapa nebuloso desse tempo brilham autênticos focos de luz: Cacheu, Geba, Guínala...
Perdeu-se, porém, a continuidade. As naus pouco se detinham na Guiné, passavam à Mina, iam já para a índia. A Guiné era uma terra entregue à exploração directa, delegada um pouco aos colonos de Cabo Verde. Não se pensou mais em evangelização.
Entretanto vieram os moiros, pregando por um lado e dizimando os mais rebeldes. E nós assistimos, quase indiferentes, à instalação em nossa casa, da maior barreira à nossa expansão.

Julgo evidente que a cristianização de gentios significa civilização.
E tenho como certo que ela quer dizer também nacionalização. Trata-se portanto de um problema nacional, de resto baseado nas tradicionais direc­trizes da nossa expansão, as quais temos mantido, com extraordinária intuição, através dos séculos. ...»

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