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29 de novembro de 2011

308-Mulheres de ex-combatentes


Para toda a vida 
A viver de perto com agressões físicas e psicológicas às mulheres de ex-combatentes, Ana Conde, psi­cóloga da Associação de Deficientes das Forças Armadas do Porto, fala deste mundo escondido e pouco conhecido. Todo o trabalho começa pelo apoio aos ex-combatentes. Como as mu­lheres geralmente acompanham os maridos, ficam a par das situações. Assim, "damos acompanhamento à família toda, mesmo aos filhos que têm problemas pelos padrões de família onde estão inseridos".
Levando a conversa exclusivamente para o campo feminino, que aqui os homens já tiveram muito espaço, Ana Conde "tem diagnósticos de depressões graves, esgotamentos. Acho que as mulheres estão cansadas de serem mães, amigas, amantes, pois não têm ajuda dos maridos. Têm um casamento menos fe­liz, porque eles isolam-se de tudo. Por isso, as mulheres têm um papel muito mais activo na família, têm de fazer tudo. E é en­graçado que elas, muitas vezes, os acompanhem às consultas no intuito de ajudar e tentar perceber o porquê de certos com­portamentos, o porque é que ele ficou assim se não era assim?, porque é que rasteja durante a noite?, porque me bate a so­nhar?, porque fala crioulo? Elas estão extremamente cansadas".
Refere Ana Conde que muitos casais destes dormem separa­dos. O que é normal. Eles têm um sono agitado, pesadelos. Esta separação vai criando um afastamento significativo entre o ca­sal. "A mulher vai perdendo o interesse, muitas vezes cansada de maus tratos ao longo de muitos anos, não há desejo. A medica­ção específica que eles tomam baixa a potência sexual. Há uma diminuição da auto-estima do ex-combatente e é mais fácil acu­sar as mulheres de que assumirem que precisam de tratamen­to". A contrariar tudo isto está o número reduzido de divórcios. Ana Conde vê uma explicação na "nossa cultura. Elas dizem: foi este companheiro que escolhi e venha ele como vier tenho de as­sumir o compromisso. Há um padrão cultural muito forte ligado ao catolicismo. As mulheres assumiram o compromisso e sofrem os maus tratos. É a típica frase: É meu marido, tenho de o aceitar como ele é. E mesmo: O que é que os vizinhos irão dizer?". É difícil modificar padrões. Uma esposa de um doente com stress de guerra, não sendo possí­vel generalizar, terá probabilida­des de sofrer depressões, esgota­mentos, ansiedade. "Tomam muita medicação. Tornam-se pessoas mais tristes, mas muitas delas com vontade de os ajudar e de os mudarem para voltarem a ser felizes". E os filhos? "Chegam aqui com dificuldade de aprendizagem na escola, não se inserem em grupos, são crianças que se isolam, porque ouvem o pai berrar e metem-se no quarto, revoltadas, ansiosas, apresentam muita irritabilidade. Muitas delas são crianças agressivas. São os padrões familiares que têm em casa. Têm a mãe num pedestal". Conta Ana Conde que quando pedem às crianças para fazerem o desenho da família elas colocam-se com a mãe no cantinho inferior esquerdo, e o pai no cantinho direito superior, afastadíssimo, muito sério, uma figura enorme por ser violento.
Em acompanhamento na Associação dos Deficientes das Forças Armadas do Porto têm cerca de 100 casos. Não são muitos para o número de consultas que fazem. "Eles não vêm cá. Fazemos domicílios, vamos a casa deles, e muitas vezes somos corridas, dizem que estão bem. Mas falamos com as mulheres e elas sofrem. Tenho uma senhora que me diz que não ganha para portas". Conta Ana Conde um caso, associado a abuso de álcool e drogas, "extremamente agressivo. A senhora diz que não pode deixar o marido. É agredida quase todos os dias. Tem um filho fora que quer que ela vá viver com ele e ela não vai. A maior parte destas pessoas casaram para toda a vida. Esse papel é negativo, pois sofrem toda a vida. A senhora já deu entradas no hospital e não faz queixa porque não consegue incriminar o marido de nada".
Num trabalho esgotante, porque é difícil desligar-se dos casos, do que ouve, a psicóloga tem as histórias gravadas em si. "Situações de agressão muito violentas. Uma senhora contou-me situações que acho impensável que um ser humano as faça a outro". Depois, como os ex-combatentes são pessoas isoladas, as mulheres também vivem esse isolamento "porque não é autorizada a falar com os vizinhos ou a viver com outras pessoas".
Refere Ana Conde que elas tentam levar uma vida normal, "mas não conseguem. Há sempre a angústia de saber como é que ele vai entrar em casa hoje". Há muitas histórias, com algumas diferenças, mas semelhantes. E, depois, há a agressão psicológica "que muitas vezes dói mais do que uma bofetada. Porque a mulher o quer matar, porque nunca o amou, anda com outros, não desperta o desejo no marido, nunca o ajudou. E, mesmo assim, elas não os abandonam".
Quando não se coloca a possibilidade do divórcio há, para as mulheres, "o acompanhamento psiquiátrico e psicológico". Se ao ler isto sentir que vive uma situação idêntica, não hesite em contactar qualquer associação dentro desta área, ou mesmo hospitais ou centros de saúde, pois têm o dever de aconselhar. 

"Elas acompanham-nos às consultas no intuito de tentar perceber o porquê de certos comportamentos, o porque é que rasteja durante a noite? Porque me bate a sonhar? Porque fala crioulo? Estão extremamente cansadas" - Dr.ª Ana Conde



NOTiclAS MAGAZINE 21.ABR.2002 

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