Carta ao Senhor Presidente do Conselho de Ministros da República de Portugal1
Dakar, a 10 de Junho de 1960
Excelência,
Os filhos dos territórios da Guiné dita portuguesa e das Ilhas de Cabo Verde, agrupados no seio do M.L.G.C.2.- movimento nascido na República do Senegal, país livre, pleno de esperança e democracia - apresentam a Vossa Excelência, por intermédio do Cônsul de Portugal em Dakar, os seus objectivos.
Considerando que o ano de 1960 é o ano histórico da libertação e da independência da África Negra;
Considerando que os territórios de expressão francesa, inglesa ou belga, bem como os territórios sob tutela da O.N.U., entram no concerto das nações livres;
Considerando que a liberdade é nula na Guiné dita portuguesa e no arquipélago de Cabo Verde;
Considerando que os trabalhadores desses territórios não se podem associar em sindicatos verdadeiramente independentes porque as ditas associações de trabalhadores dependem exclusivamente do governo e da classe patronal;
Considerando que a escravatura, abolida no mundo inteiro, ainda perdura em larga escala nas colónias portuguesas (trabalho forçado, contrato de trabalho indígena, etc., etc.) ; Considerando que o regime que Vossa Excelência preside desde há trinta e dois anos tem sempre combatido a evolução do homem africano;
Considerando que a escravatura, abolida no mundo inteiro, ainda perdura em larga escala nas colónias portuguesas (trabalho forçado, contrato de trabalho indígena, etc., etc.) ; Considerando que o regime que Vossa Excelência preside desde há trinta e dois anos tem sempre combatido a evolução do homem africano;
Considerando que a discriminação racial é uma realidade cruel e flagrante nas possessões portuguesas da África e da Ásia (brancos, mestiços, indígenas civilizados, indígenas não civilizados, etc. ,etc. ) ;
Considerando que os povos da Guiné e de Cabo Verde rejeitam sem condições as fórmulas de integração, de assimilação ou de províncias ultramarinas, por traduzirem todas elas a mesma finalidade de esconder o colonialismo e exploração do homem africano, impedindo a sua evolução no caminho do progresso e da democracia,
Pedem a Vossa Excelência,
Em nome do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem - "os homens nascem, vivem e morrem iguais" -, em nome da convenção de Filadélfia - "a trabalho igual, salário igual" - que Vossa Excelência dê a independência aos territórios africanos sob dominação portuguesa3.
1 A carta tem por remetente: « Mouvement de Libération de la Guinée et du Cap Vert (M.L.G.C.), Ecole Corona Diallo, Rebeuse, Dakar ». Segundo fontes autorizadas, atribui-se a carta a Amílcar Cabral, mas não há certeza quanto à sua autoria
2 O M.L.C.G.. é o movimento que deu origem ao P.A.I.G.C.(Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) fundado por Amílcar Cabral.
3 Escrito em vermelho como no documento original.
Mas Salazar já tinha, há muito, "argumentos" para recusar a descolonização:
«As terras coloniais, ricas, extensas e de fraquíssima densidade populacional são o natural complemento da agricultura metropolitana, nos géneros pobres sobretudo, e das matérias-primas para a indústria, além de fixadores de uma população em excesso daquilo que a metrópole ainda comporte e o Brasil não deseje receber. ( ... )
Quanto a nós, o caminho seguido define-se por uma linha de integração num Estado unitário, formado de províncias dispersas e constituído de raças diferentes. Trata-se, se bem interpreto a nossa história, de uma tendência secular, alimentada por uma forma peculiar de convivência com os povos de outras raças e cores que descobrimos e a que levamos, com a nossa organização administrativa, a cultura e a religião comuns aos portugueses, os mesmos meios de acesso à civilização.
Nós cremos que há raças decadentes ou atrasadas, como se queira, em relação às quais perfilhamos o dever de chamá-las à civilização. Que assim o entendemos e praticamos, comprova-se pelo facto de não existir qualquer teia de rancores ou de organizações subversivas que neguem ou que pretendam substituir a soberania portuguesa. ( ... )
Tem-se apresentado contra o conceito português das províncias ultramarinas a objecção da separação geográfica, da falta de continuidade territorial. O argumento não pode ser decisivo já que, no Atlântico, os Açores são ilhas adjacentes, Cabo Verde aspira ao mesmo regime e também porque há numerosos Estados constituídos por parcelas distanciadas mais do que Lisboa está de algumas das províncias do Ultramar. Trata-se de factos ou criações históricas para as quais se procuram, debalde, ajustamentos a teorias lineares.»
Quanto a nós, o caminho seguido define-se por uma linha de integração num Estado unitário, formado de províncias dispersas e constituído de raças diferentes. Trata-se, se bem interpreto a nossa história, de uma tendência secular, alimentada por uma forma peculiar de convivência com os povos de outras raças e cores que descobrimos e a que levamos, com a nossa organização administrativa, a cultura e a religião comuns aos portugueses, os mesmos meios de acesso à civilização.
Nós cremos que há raças decadentes ou atrasadas, como se queira, em relação às quais perfilhamos o dever de chamá-las à civilização. Que assim o entendemos e praticamos, comprova-se pelo facto de não existir qualquer teia de rancores ou de organizações subversivas que neguem ou que pretendam substituir a soberania portuguesa. ( ... )
Tem-se apresentado contra o conceito português das províncias ultramarinas a objecção da separação geográfica, da falta de continuidade territorial. O argumento não pode ser decisivo já que, no Atlântico, os Açores são ilhas adjacentes, Cabo Verde aspira ao mesmo regime e também porque há numerosos Estados constituídos por parcelas distanciadas mais do que Lisboa está de algumas das províncias do Ultramar. Trata-se de factos ou criações históricas para as quais se procuram, debalde, ajustamentos a teorias lineares.»
António Oliveira Salazar. Discursos e Notas Politicas, vols. III e V (1943 e 1957).
Coimbra, Coimbra Editora, sem data.
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