CONSULTAS

Para consultas, além da "Caixa de pesquisa" em cima à esquerda podem procurar em "Etiquetas", em baixo do lado direito, ou ver em PÁGINAS, mais abaixo ainda do lado direito, o "Mapa do Blogue"

Este blogue pode ser visto também em

9 de dezembro de 2010

11-Sei que matei

Fui mandado e disseram-me antes:
“É assim, vais ter que matar e até podes morrer, pode suceder, depende de ti.”
Não me convenci disso, porque nunca na minha vida tinha querido matar alguém e nunca quis morrer, sempre desejei viver. E, já lá na guerra, fui vendo alguns morrerem sem que quisessem, só porque tinham sido enviados para aquela operação, só porque os colocaram naquele posto ou naquela viatura, não dependeu deles. Eu, como quase todos, disparei muito a G3 em operações e emboscadas, mas nunca soube se ficou alguém morto por mim no meio daquela mata ou atrás daquelas árvores. A maior parte das vezes nem os víamos.
Mas, naquelas operações para tomar a base do PAIGC verifiquei, infelizmente, que era assim como me tinham dito. Foram duas companhias de intervenção e o meu pelotão, da companhia de quadrícula, foi-lhes agregado.
A primeira operação não correu bem. As primeiras emboscadas fizeram-na à companhia da frente. Dei indicação ao meu pelotão, que estava a meio, que entrasse pela mata para fazer um envolvimento. Fui á frente e, a certa altura, disse-me o Lamine, meu guarda-costas, “estão ali turras”. E estavam lá. Apontei, sempre fui bom atirador, mas, horror em matar, apontei baixo e acertei na perna dum deles. Corremos, mas eles fugiram arrastando o ferido. Complicada aquela mata. Foram três dias de marchas entre árvores e várias emboscadas. Destruímos umas casas de mato, mas não chegámos ao acampamento. No terceiro dia encostaram-nos ao rio Camjambari. Disse-me o capitão comandante da operação:
“Ó Aiveca, tenho aqui os meus homens organizados, vá você ver se fura o cerco.”
Lá fui. Vi um e disparei, ouvi-o gritar “ai o cú!”. Não o matei, pensei. Depois e muito tiroteio, levei porrada e tive de voltar para trás. Passado tempo disse-me para ir tentar novamente. Fui e levei porrada novamente, com a agravante de um soldado meu ter levado um tiro nas costas, dos do capitão, que também começaram a disparar. Passado tempo, disse-me para ir novamente furar.
“Não vou mais, meu capitão. Viu o que aconteceu há pouco. Além disso está visto que não dá. Não é melhor chamar os T6?”
Reconsiderou. Vieram os T6, despejaram umas bujardas à volta e lá nos safámos.
A outra a seguir foi com os mesmos. Não foi diferente quanto às andanças na mata e às várias emboscadas, mas houve alguns feridos nossos desta vez. O comandante, ao terceiro dia, optou por nova táctica: deixar uma companhia a levar porrada a sul da base e, à socapa (a mata era cerrada), foi com a dele mais o meu pelotão para oeste, virando para norte e atacando pelo lado do rio Camjambari. Entrámos de repente, o grosso deles estava entretido com a outra companhia, havia lá três ou quatro que tentaram reagir mas foram abatidos pela companhia, o meu pelotão entrou por uma barraca coberta de colmo. Estava lá uma rapariga que agarrou numa kalashnikov. Gritei-lhe:
“Firma lá!” (está quieta!).
Mas ela apontou-me a arma. Despejei-lhe uma rajada na barriga, caiu no chão. Fiquei primeiro estático a olhar para ela. Era bonita. Virei-me, mandei a G3 para o cão e gritei furioso:
“Merda!”.
Os meus soldados olharam para mim espantados. Um furriel disse-me:
“Olhe que ela matava-o”.
Havia várias carteiras, á minha frente um quadro preto com um desenho a giz branco de um vaso de flores. Por baixo tinha escrito, também a giz branco, “Um vaso de flores”. Dei depois com o 1º cabo Paulo em cima da rapariga agonizante e a levantar-lhe o vestido. Ainda a tremer fui-me a ele, dei-lhe um murro e uns pontapés:
“Eu dou cabo de ti, grande cabrão!”
Veio o capitão, olhou para tudo, disse que era preciso ir fazer uma revista àquilo tudo, que os gajos tinham largado a outra companhia, tinham-se pirado. Vi o guia ao pé dele e perguntei-lhe se sabia quem era aquela rapariga no chão.
“É a professora, a Abess, manjaca”, disse-me ele
Encontrámos muita coisa. Ao sairmos pegámos fogo a um armazém de munições, que esteve a rebentar durante vários minutos enquanto nos afastámos.
Aquela morte que sei não me tem saído da cabeça..

Sem comentários:

Enviar um comentário