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6 de março de 2011

76-Fogo até ao osso

Foi durante a operação Inquietar I. Vi um soldado da CART1689 agarrado à perna direita, que estava a arder, e soltando gritos lancinantes. À volta dele estavam uns tantos, baralhados e sem saber que fazer.

Cheguei-me lá.
- "Ai, minha mãezinha! Ai, minha mãezinha", gritava o rapaz, desesperado. A perna direita das calças ardia e ele, na ânsia de apagar as chamas com as mãos, tinha-as já todas queimadas. Em dois dedos saíam dois ossos por entre a pele.
- "Tirem-lhe as calças", e olhei-lhe para os dedos. Horrível. "Água, dêem cá água".
Ninguém tinha, nem eu. Tínhamos andado na mata nesta situação, sem água nos cantis.
- "Vai dizer ao capitão que é preciso um heli", disse a um. Com as calças fora, vi-lhe a perna queimada, mas já não havia fogo. A dor era grande e ele continuava "Ai, minha mãezinha! Ai, minha querida mãezinha". Na tragédia e no desespero é o que está mais perto do coração de um filho. Sempre o protegeu, sempre o amparou, é ela que lhe pode valer.
Havia que fazer qualquer coisa. Não era o melhor,sabia, mas não havia outra alternativa. Tirei os pacotes de manteiga das rações de combate e barrei-lhe as pernas e os dedos. Seria um alívio.
E foi.
- "O meu alferes é tão bom", disse-me.
- "Como é que foi isto?",perguntei aos outros.
- "Rebentou uma granada de fumos que ele tinha no bolço das calças".
Veio um helicóptero e levou-o.
Na altura nem soube o nome dele. Fiquei a sabê-lo depois, muito mais tarde. Quando estive no QG da Região Militar do Norte, em conversa com o general Moreira Maia, que tinha sido o comandante da companhia do homem nessa operação. Lembrava-se disso.
- "Era o Banharia. Já o encontrei aqui no Porto. Tem uma data de cicatrizes nas mãos, mas está bem".
Falámos sobre essa operação Inquietar I, mas ele já não se lembrava de me ter enviado três vezes furar o cerco que o PAIGC nos fizera nas margens do rio Camjambari.
Lembramo-nos do que nos marcou. Do que foi marca para os outros não. Percebe-se.

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