Sabe bem estar aqui debaixo do meu mosquiteiro. Os outros foram para o mato. Eu hoje não fui. É bom estar sozinho às vezes. No último ataque deram cabo das camas, só tenho este colchão no chão, sei lá quando vêm novas camas. Tenho o mosquiteiro preso ao tecto, mas o problema é que, agora, são também as formigas. Paciência. Mas o que ma chateia mais é que também deram cabo da minha Yashika, a minha querida máquina fotográfica que apanhava tanta coisa. Quando era possível, claro. Mas era um gravar de lembranças, coisa que não poderei fazer mais.
Tenho saudades da Júlia, do cabelo e da pele dela, dos suspiros quando fazíamos amor, das conversas sobre a Faculdade de Letras. Talvez lhe faça um poema.
Não sei. A Júlia não me escreve, não me diz nada. Na última carta que lhe enviei tentei motiva-la a dizer-me o que se passa, mas ela não me respondeu.
E como é possível fazer poesia sem ter nada de poético no interior nem nada de inspirador que nos envolva? Entaramela-se-me a escrita e não posso evitar a procura do rebuscado e da frase bonita, que não sai porque estou demasiado prosaico. Sempre fui confuso, vacilante e incapaz nestas coisas de amor.
O silêncio dela não me ajuda. Como é possível pensar em amor e fazer poesia se nos rói a ansiedade? Como tecer raízes com versos se o futuro nos falta? Como colher flores em terra ressequida e gretada, sem a pinga de água dela? Tenho um mundo em mim, mas sinto-me sozinho no mundo. Tenho promessas no peito e no olhar mas sinto-me perdido no vazio. Para quê? Para que vale tudo o que tenho?
Não interessa. Sai o que sair.
Que está a suceder comigo?
Que sucedeu
na escuridão serena dos campos e das árvores
neste calor brando da noite
entre as vozes dos bichos da floresta?
Deixei-me apanhar na rede
que eu julgava já inexistente
para mim.
Que hei-de fazer
como fugir
se a rede está nas tuas mãos
amor?
Vais-me libertar
apertando-a bem contra o teu regaço
ou
vais tirar-me a liberdade
abandonando-me na floresta?
Vim de tão longe para longe
tão prevenido e seguro
tão decidido a nunca mais
vim tão certo
guardado por mim mesmo
jurei tanto que nunca mais
mas estou nas tuas mãos
amor
Se me largares ficarei preso a ti
e quão difícil e penosa é a luta pela liberdade
assim
Se me prenderes a ti dás-me a liberdade
o sol
a vida
o teu ar inebriante
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