Desde o início do ano de 1973, que a situação militar portuguesa na Guiné vinha a sofrer acelerada degradação. Esta possibilidade estava, aliás, prevista pelo Estado-Maior do Comando-chefe daquele teatro, que, na análise de situação feita em Dezembro de 1972, enunciava a elevada probabilidade do seu agravamento para o ano seguinte, face ao clima cada vez mais favorável à internacionalização da luta conduzida pelo PAIGC. Esta análise da situação levava mesmo os militares portugueses no território a admitir intervenção de forças das organizações internacionais ou de outros pares, em reforço ou apoio daquele movimento.
Em termos políticos, previa-se para 1973 a exploração da existência de vastas áreas libertadas, nas quais o PAIGC exercia, de facto, a administração e onde as forças portuguesas só actuavam com unidades de intervenção, por curtos espaços de tempo. Havia a ideia de que o PAIGC pretendia realizar, nesse ano, um golpe decisivo de âmbito internacional, o que já se tinha iniciado com a visita da delegação da ONU e que viria a ter continuidade com a declaração unilateral de independência. No campo militar, previa-se a intensificação das acções violentas a partir do Senegal e da Guiné-Conacri, de modo a conseguir ligar o Norte com o Sul através do eixo Guidaje, Bissorã, Bula, e, de Sul para Norte, através do eixo Guileje, Buba, Fulacunda. Esta ameaça concretizou-se com uma fortíssima pressão a Norte e a Sul, em Guidaje e em Guileje, fortemente apoiada pela artilharia de longo alcance, da qual os seus artilheiros tiravam cada vez maior rendimento, aproveitando as grandes limitações das forças portuguesas no apoio aéreo que a introdução dos mísseis Strella causara. A apreciação feita pelo comando militar português no final de 1972 era de grande pessimismo em todos os campos. Quanto a material, considerava-se que era verdadeiramente alarmante a situação das unidades do Exército quer no aspecto qualitativo, quer no quantitativo. Para obviar a esta fraqueza, as forças portuguesas recorriam ao material capturado, com a consequente incerteza de reabastecimento. Relativamente às forças navais, era referida a carência de meios para o cumprimento de algumas missões, o reduzido número de unidades equipadas com radar, a sua baixa velocidade e a falta de uniformização de equipamentos de comunicações, propondo a substituição das Lanchas de Fiscalização Pequenas por outras mais modernas. Pelo seu lado, a Força Aérea dispunha apenas de metade dos pilotos necessários, e algumas aeronaves operavam nos limites das suas possibilidades, sendo algumas delas desajustadas às missões, nomeadamente as DO-27 e os T-6. Se a situação do material não era boa, a do pessoal não era melhor. Quanto à instrução, as unidades apresentavam-se graves lacunas e insuficiências na preparação básica e de especialidade ministrada na metrópole, não estavam completas nos seus efectivos e muitos quadros mostravam-se deficientemente habilitados para exercer qualquer função de comando.
No início de 1973, o ano decisivo da guerra na Guiné, o Comando-Chefe contava assim com forças de modo geral mal preparadas, mal equipadas e mal comandadas, que se procuravam defender nos seus aquartelamentos e, como unidades de manobra e de reserva, dispunha apenas das tropas especiais: umbatalhão de pára-quedistas com três companhias, um batalhão de comandos com cinco companhias, sendo três delas africanas, e cinco destacamentos de fuzileiros especiais, dois deles também africanos.
E neste pano de fundo que os mísseis Strella começam a abater aviões a hélice e a reacção, provocando serias limitações ao emprego dos meios aéreos e ao seu apoio as forças de superfície. Este apoio dizia respeito a três áreas fundamentais: a evacuação sanitária de feridos retirados por helicóptero dos campos de batalha; o apoio aéreo próximo, que permitia as tropas portuguesas realizarem rupturas de contacto em situação vantajosa, e que era efectuado por aviões Fiat G-91 e T-6; e o transporte logístico de artigos críticos, como medicamentos, soro, pilhas para equipamentos de comunicação. Os helicópteros, em Maio, deixaram de realizar evacuações, pois seriam facilmente abatidos (voltariam a voar, mas com outros perfis de voo, a muito baixa altitude), os Fiat G-91 tiveram de adaptar os seus procedimentos de voo à nova ameaça, o que demorou algum tempo, e os T-6, a hélice, foram retirados das missões, reduzindo a disponibilidade de meios aéreos para apoio as tropas. Por fim, os transportes aéreos só voltaram a realizar-se, e com grandes limitações, após um período de estudo, voando os aviões acima dos 6000 pés e operando em número muito reduzido de pistas. São casos de ansiedade e desespero por ausência de evacuação de feridos que precipitam as situações das tropas quer em Guidaje, quer em Guileje.
Maio de 1973 constituiu a prova mais dura a que as forças portuguesas foram sujeitas nos três teatros de operações. Com efeito, o PAIGC, revelando notável capacidade de manobra e tirando partido do extraordinário acréscimo de potencial de combate, alterou profundamente o seu conceito de manobra, passando da actuação dispersa, em superfície, para a concentração maciça sobre objectivos definidos.
Neste contexto, desencadeou poderosas e prolongadas acções de fogo ajustado sobre as guarnições fronteiriças de Guidaje, Guileje e Gadamael, as quais conjugou com acções terrestres de isolamento, que efectivamente conseguiu, durante alguns dias, em Guidaje. Nestas acções, intensificou o emprego de mísseis Strella e fez uso sem restrições de armas pesadas de longo alcance e elevado poder de fogo, com a colaboração de observadores avançados na regulação do tiro, que atingiram notável grau de eficácia. Esta actividade do PAIGC alcançou valores que são os mais altos de sempre desde o início da guerra – 220 acções durante o mês –, o mesmo sucedendo em relação as baixas causadas as tropas portuguesas – 63 mortos e 269 feridos. Na Zona Oeste/Norte, o PAIGC exerceu o seu esforço na área de Bigene/Guidaje, concentrando três corpos de exercito, dois grupos de foguetões, um grupo de morteiros 120 mm e um grupo especial de sapadores, num total de cerca de 650 elementos, na região do Cumbamori, no Senegal, flagelando Guidaje 43 vezes e Bigene 21.
Na Zona Sul, desencadeou uma acção de moldes clássicos sobre Guileje, conjugando acções terrestres de isolamento com maciços de fogos de artilharia, com pleno êxito, obrigando a retirada da guarnição portuguesa, e transferindo depois esforço para Gadamael.
Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes |
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