Um enorme roncar de aviões despertou-nos, Vestimo-nos rapidamente e saímos. Começaram a largar bombas e a metralhar. Minuciosamente. São 6 horas da manhã. Uma dúzia de B26 giram no céu plúmbeo [devem referir-se aos T6, pois parece-me que na Guiné nunca houve B26; além disso, é um exagero falar em uma dúzia numa só acção, além de que nunca estariam tantos disponíveis…], quatro caças volteiam, traçando círculos concêntricos à nossa volta. Desta vez vieram em força e bombardeiam-nos com estrondo. Ouvimos explosões muito perto. Saímos rapidamente da base. O bombardeio continua durante uma hora pelo menos. Afastamo-nos para longe da área de Djagali [na margem esquerda do rio Farim]. Foi certamente um informador que avisou durante a noite um dos postos portugueses na região. Os portugueses devem saber que Cabral está na área. Depois de andarmos durante algum tempo, escondemo-nos num matagal, éramos um pequeno grupo de quinze – esperámos que tudo ficasse calmo. O bombardeio tornou-se menos intenso, deitámo-nos ou sentámo-nos debaixo dos ramos, encostados aos troncos das árvores.
- “Inocêncio”, disse Amílcar.
- “Hum!”
- “Inocêncio, é a guerra”.
Enquanto isso, Titina prepara Nescafé numa pequena caixa de metal. Pelas 7h30 um avião de reconhecimento voou sobre nós. Quinze minutos depois, uns camponeses passam levando toros de madeira à cabeça.. "Balantas”, disse Inocêncio, “há uma piada entre os Balantas: querem reconstruir a palhota antes que ela acabe por arder".
Os aviões continuam a bombardear, agora esporadicamente.
- “Antes”, disse Amílcar, “o portugueses no Norte concentraram as suas tropas no Oio. O Congresso de 1964 decidiu levar a luta a todo o lado. E isso foi feito num ano. O que é que eles podem fazer? Bombardear. Temos milhares de homens em armas. Eles destroem o que podem... Já não controlam o país "
Um pouco mais tarde, os combatentes conduzem ao nosso objectivo. Os aviões continuam a girar, já longe de nós, que esperamos; o tempo de inatividade está a ser longo.
Inocêncio canta uma canção popular em crioulo:
GALO BEDJU [Galo velho]
I
"Senhor António, o que é que você tem?
Porque está tão triste?
Ó meus amigos, não é nada,
Tenho é saudades da minha juventude.
II
Quando era galo novo
Comia o milho nas tuas mãos,
Agora que sou galo velho
Obrigas-me a estalar o bico contra a terra.
Cerca das 8h30 chegam dois combatentes. Bombardearam a tabanca de Djagali, não se sabe ainda o no número de mortos e feridos. Titina parte imediatamente para tratar dos feridos.
-“Para cá chegarem, precisam concentrar forças em Olossato”, disse Amílcar, “mas nós cortámos a estrada e a ponte está destruída "
De qualquer modo foi tomada a decisão de não partir dali para Yadur, como estava planeado para saírem da Guiné. Iria multiplicar desnecessariamente os riscos. Especialmente porque as medidas para garantir a segurança do Secretário-Geral iriam afectar a mobilidade dos combatentes e seria necessário mobilizar demasiados homens.
Um camponês passa, carregando madeira. Cumprimenta-nos.
-“Então”, diz Amílcar, “não te abrigas? "
"-Eles não nos podem matar todos num só dia", responde o homem.
Ficámos a saber que havia 7 mortos e 5 feridos em Djagali. Era quase meio-dia quando regressámos à base de Maké. Trazido por Nino, responsável do Sul, estava lá um jornalista da Jeune Afrique, Justin Vieyra.. Cabral concede-lhe uma breve entrevista onde lhe disse que a ajuda dos Estados africanos era muito insuficiente.
Partimos nessa noite para atravessar a fronteira.
Ao longo do caminho fomos saudados amigavelmente pelos camponeses,
Já mais longe, dois rapazes com idades entre 16-17 anos dirigem-se a Amílcar e pedem-lhe armas para lutar:
Já mais longe, dois rapazes com idades entre 16-17 anos dirigem-se a Amílcar e pedem-lhe armas para lutar:
"Havemos de tê-las muito em breve, para vocês também", disse Cabral.
A marcha é rápida e silenciosa por entre a atmosfera húmida.. As camisas estão coladas à pele.
Fazemos uma breve paragem perto de uma fonte. A água está morna, mas sabe bem. Aproximam-se dois camponeses, reconhecem Cabral e abraçam-no. São dois Fula, velhos militantes do Partido.
Durante a caminhada, encontrámos mais dois rapazes que nos cumprimentam. cumprimentar.
"- Coragem”, disse Amílcar, “vamos vencê-los”
"- Coragem”, disse Amílcar, “vamos vencê-los”
"- Claro," responderam eles .
17h. Na margem esquerda do Farim. Já nos esperava uma vintena de combatentes. Entrámos numa piroga. Ouvimos um ruído de motor do outro lado do cotovelo do rio.
"- A canhoneira! ", diz alguém.
Aceleramos as remadas. O ruído aproxima-se. Enfiamo-nos num canal do outro lado, protegidos pelo mangais. A canhoneira passa, o barulho vai diminuindo.
Do outro lado do rio, há uma grande planície túmida e nua. Há três quilómetros antes de alcançar a cobertura de palmeiras. Mesmo indo rápido, com as armas, a carga e o terreno lamacento, devemos demorar pelo menos 20 minutos para atravessar. É dia, há muito sol. O risco de sermos descobertos por um avião de reconhecimento é muito grande. Decidimos esperar pelo anoitecer. Meia-hora mais tarde chegauma segunda piroga com combatentes. Pouco tempo depois chega mais uma com outro grupo de combatentes. Ficamos todos sentados. Fumamos cigarros portugueses fabricados em Angola “Fábrica de Tabaco Ultramarina”, marca AC.
Do outro lado do rio, há uma grande planície túmida e nua. Há três quilómetros antes de alcançar a cobertura de palmeiras. Mesmo indo rápido, com as armas, a carga e o terreno lamacento, devemos demorar pelo menos 20 minutos para atravessar. É dia, há muito sol. O risco de sermos descobertos por um avião de reconhecimento é muito grande. Decidimos esperar pelo anoitecer. Meia-hora mais tarde chegauma segunda piroga com combatentes. Pouco tempo depois chega mais uma com outro grupo de combatentes. Ficamos todos sentados. Fumamos cigarros portugueses fabricados em Angola “Fábrica de Tabaco Ultramarina”, marca AC.
"- Chamamos-lhes Amílcar Cabral", diz Inocêncio.
O dia começa a declinar. Partimos. Levanta-se vento. Um grupo precede-nos e outro vai atrás de nós. Andamos de noite, sem dizer uma palavra, a passo rápido.
Para 21 horas encontramos um grupo de combatentes. "É Bobo, o responsável da área de Sambuiá", disse Cabral. Ele chega-se e conta-nos.
Esta manhã, os portugueses tentaram um cordão de envolvimento. Seis helicópteros desembarcaram cerca de cinquenta portugueses e auxiliares africanos a 20 km da fronteira. Bobo reuniu 36 homens, procurou depois o contacto com os portugueses e conseguiu empurrá-los para uma área arborizada. A emboscada ocorreu por volta das 17 horas. Os portugueses tiveram cinco mortos e feridos. Depois retiraram-se. Há quatro feridos no grupo Bobo, incluindo três com gravidade
Para 21 horas encontramos um grupo de combatentes. "É Bobo, o responsável da área de Sambuiá", disse Cabral. Ele chega-se e conta-nos.
Esta manhã, os portugueses tentaram um cordão de envolvimento. Seis helicópteros desembarcaram cerca de cinquenta portugueses e auxiliares africanos a 20 km da fronteira. Bobo reuniu 36 homens, procurou depois o contacto com os portugueses e conseguiu empurrá-los para uma área arborizada. A emboscada ocorreu por volta das 17 horas. Os portugueses tiveram cinco mortos e feridos. Depois retiraram-se. Há quatro feridos no grupo Bobo, incluindo três com gravidade
Comemos algumas mangas. Combatentes do grupo de Bobo deram-nos algumas rações de combate tiradas dos cadáveres portugueses. Pegámos numa.
" - Esta era de um mercenário africano", disse um dos combatentes.
É uma ração individual "Tipo E", pacote verde escuro. Contém alimentos em um tubo, um filtro para água, etc.
Retomamos a marcha. Estamos agora numa savana arborizada. Continuamos sempre precedidos e seguidos por um grupo de combatentes. Mas, como precaução adicional, Bobo colocou dois grupos nas asas, a uma centena de metros de nós. Andarmos rapidamente: os últimos quilómetros, os menos arborizados, onde os riscos podem ser grandes, são cobertos em um ritmo recorde.
Depressa chegámos à primeira aldeia senegalesa. A ambulância do P.A.I.G.C. estava lá com os três gravemente feridos na emboscada da tarde.. É uma hora da manhã.
Tradução minha de extracto de "Lutte Armée en Afrique", de Gérard Challiand, Cahiers Libres 101, François Maspéro
Depressa chegámos à primeira aldeia senegalesa. A ambulância do P.A.I.G.C. estava lá com os três gravemente feridos na emboscada da tarde.. É uma hora da manhã.
Tradução minha de extracto de "Lutte Armée en Afrique", de Gérard Challiand, Cahiers Libres 101, François Maspéro
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