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13 de janeiro de 2012

349-Recenseamento Agrícola da Guiné

(Publicadas no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Volume IX, Nº 33, Janeiro de 1954. Texto assinado por Amílcar Cabral e sua mulher Maria Helena Cabral. São aqui avançados a obrigatoriedade da realização do Recenseamento, o método utilizado e os escassos meios facultados bem como os objectivos que deviam servir essa medida)

       Visam estas notas objectivos simples. Pretendem, se possível responder a estas questões:: Porque se está fazendo o Recensea­mento Agrícola? Quais os seus objectivos? Qual o processo usado na sua execução?
       Não constitui objectivo destas notas provar a utilidade ou a inutilidade do empreendimento. A utilidade ou a inutilidade dum Recenseamento Agrícola depende do papel que o mesmo desempenha ou vier desempenhar, como conhecimento, na evolução económica (portanto, social) do meio a que se refere. Isso, porque o Recenseamento Agrícola é um trabalho de base. Base do fomento agrícola duma região, num dado momento da sua evolução agrária. Será tanto mais útil quanto melhor servir a agricultura do povo ou povos a que diz respeito. Um Censo, seja da população, da agricultura, ou da indústria, se não visa a melhoria das condições de vida do povo ou povos a que e refere, não é só um trabalho inútil: é um empreendimento nocivo.

1.      Porque se está executando o Recenseamento Agrícola

Pela reunião de Londres, realizada de 15 a 19 de Dezembro de 1947, Portugal contraiu o compromisso de levar a efeito o Recenseamento Agrícola em 1950, nas suas parcelas ultramarinas. A F. A. O. (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) havia já estabelecido as linhas gerais do Recensearnento. Em Novembro de 1948, o então Encarregado do Governo da Guiné, nomeou uma Comissão consti­tuída por 4 membro, para estudar e planear o Recenseamento Agrícola, em cumprimento das determinações do Ministério do Ultramar. E a Comissão apresentou um relatório no qual apenas esquematizou os métodos de trabalho a seguir, indicou o pessoal disponivel e o necessário, e calculou as despesas a efectuar em 1949.
Por razões entre as quais é de se salientar a dificuldade do empreen­dimento, o Censo Agrícola não foi executado. Em Dezembro de 1952 foi dotada verba para a sua efectivação, tendo surgido, naturalmente, a necessidade de transferência dessa verba para 1953, por não ser possível o Recenseamento naquela altura do ano. A dotação estipulada para todo o trabalho do Censo Agrícola correspondia à calculada para a despesa a efectuar em 1949.
Em Agosto de 1953, os Serviços Agrícolas e Florestais, em cumprimento das determinações do Ministério do Ultramar, resolverarn executar o Recenseamento Agrícola, tendo sido encarregado de planeá-lo e de dirigir a sua execução, o autor desta nota.
A dificultar o complexo problema do Recenseamento Agrícola em regiões de economia atrasada, como a Guiné, patentearam-se os seguintes factores:  a) exiguidade da verba dotada (300 contos); b) falta de pessoal adestrado para tal trabalho; c) falta de tempo para efectivar os estudos preliminares e a preparação do pessoal disponível; d) dificuldade de transporte; e) ausência de quaisquer elementos de orientação para o trabalho, na parte relativa à agricultura indígena.
Porque o Recenseamento tinha de ser feito, efectuaram-se os estudos preliminares que foram possíveis, apresentaram-se as informações e as propostas relativas à orientação geral do trabalho (pessoal mínimo indispensável, distribuição das despesas, transportes, etc.) e esquematizou-se o que se entendia poder ser feito nas condições de trabalho facultadas. Entre estas, alientou-se a escassez dos seguintes elementos: disponibili­dades, tempo e pessoal.
Eis portanto, os motivos que levaram à execução do Recenseamento Agrícola:
a) Porque havia que satisfazer um compromisso contraído no campo internacional;
b) Porque o Ministério do Ultramar e o Governo da Província determinaram a sua execução ;
c) Porque, para tal, foi dotada uma verba, ainda que a exiguidade desta e o tempo disponivel implicassem a limitação do objectivo a atingir.

2.    Objectivo do Recenseamenlo Agrícola

O relatório da Reunião de Londres atrás referida indica como objec­tivo do Recensearnento obter, em cada território, um recenseamento ou uma estimativa dos seguintes elementos:
a) Superfícies totais cultivadas e superfícies consagradas às diferentes culturas;
b) Número e características simples da população;
c) Importância do gado;
d) Produção das principais culturas,
Indica, além disso, que em cada território deve procurar-se obter um método de trabalho adequado às condições do meio. Assim, sugere, para os países de economia atrasada, o emprego de métodos de sondagem na investigação dos elementos essenciais de agricultura indígena, bem como a necessidade de utilizar os dados do censo populacional na generalização dos elementos colhidos por sondagem.
Atendendo ao objectivo e sugestão referida, a Comissão nomeada em 1948, para estudar o assunto, optou pelo método de amostragern. Consi­derou como unidades as explorações agrícolas (individuais ou familiares), a quais seriam agrupadas por tribu. Pretendia inquirir 2.200 explorações indígenas. A generalização, a toda a área da Guiné, seria feita com base no Censo  populacional de 1950.
Tal critério implicaria uma generalização muito lata (a toda a área da Guiné) e uma dispersão de pessoal incompatível com as condições de trabalho facultada em 1953. Por isso, tentou-se resolver o problema de maneira diferente, visando sempre os objectivos definidos na Reunião de Londres de 1947, e atendendo às condições socioeconómicas do meio guineense..
Resumindo, pode afirmar-se que o objectivo do Recenseamento é a obtenção dos elementos essenciais, qualitativos e quantitativos, da agricultura indígena e da não indígena, na Guiné.

3.      O caso particular da Guiné. A agricultura indígena.

      Seria descabido invocar argumentos para demonstrar a inviabilidade dum Recenseamento Agrícola perfeito nas actuais condições socioeconómicas e culturais da Guiné. Basta ponderar no atraso em que vivem a populações nativas, para concluir a impossibilidade de obter directamente, do agricultor indígena, resposta aos inquéritos comuns ao recenseamento agrícola.
      Assim, o inquérito individual só seria aplicável ao agricultor não indígena e, mesmo neste caso, teria de limitar-se à propriedade perfeita. O caso da agricultura indígena foi considerado detidamente.
O aspecto qualitativo da agricultura indígena vai sendo conhecido na sua generalidade. Conhecern-se as culturas principais. Sabe-se que o tipo de exploração agrícola varia de povo para povo. Duma maneira geral, a terra é um bem colectivo, sendo-o, também, os produtos das plantas e espontâneas. A propriedade privada incide sobre os produtos obtidos pela agricultura praticada pelos elementos constituintes da família. A extensão da área cultivada depende estritamente do número de unidades de trabalho da família.
Todavia, o conhecimento dessas características gerais, apesar de útil, não bastava para resolver o complexo problema do conhecimento da agricultura indígena no seu aspecto quantitativo. Esse conhecimento não podia ser obtido directamente. Duma maneira indirecta tudo quanto se pudesse obter não passaria duma estirnativa. Daí o facto de que o Recenseamento Agrícola não pode ultrapassar, na actualidade, o limite duma estimativa.
Havia, portanto, que estruturar um método que permitisse obter uma estimativa dos elementos essenciais da agricultura indígena. Tal método devia gerar-se a partir da realidade da agricultura guineense, dependendo, evidentemente, das condições de trabalho facultadas.

4.      O processo ulilizado na execução do Recenseamento Agrí­cola. Crílica.

Para a agricultura praticada pelo não indígena, será seguido o processo normal de recenseamento. Os impressos correspondentes ao questionário serão distribuídos aos agricultores não indígenas por inter­médio da autoridade adminisrativa .
A estimativa desejada, para a agricultura indígena, teria de ser obtida pelo método chamado «de amostragern» Tal método consiste fundamen­talmente em escolher, numa dada área, um número de fracções represen­tativas da agricultura indígena, investigar tudo quanto seja possível sobre e as fracções, e, por recapitulação, integração e extrapolação, generali­zar o elemento colhido a toda a área considerada. Para e a generali­zação é necessário dispor- se duma ou de várias bases, entre a quais são mais importantes: I) as estatísticas agrícolas anuais, estabelecidas pelos processos habituais; II) as estatísticas demográficas estabelecidas pela Administração Civil (Censo da População);  III) o número de contri­buintes. É indispensável dispor desses elementos tanto para a fracção estudada como para a área afectada pela generalização, e as estatisticas têm de ser da mesma natureza.
Na Guiné a única base de que se pode dispor é o Censo da População realizado anualmente pela autoridade administrativa
Um problema delicado é o da escolha da fracção representativa sobre a qual incidirá o estudo que deve servir de base à generalização. – O pro­cesso comumente aceite é o seguinte: escolhem-se, em número que permita uma base estatística satisfatória, povoações que,  pelas características da sua agricultura, se podem considerar representativas duma dada região (povoação-tipo). Efectua-se um estudo completo dessas povoações nos aspectos social, económico e cultural. Seguidamente procede-se ao recensearnento agrícola. Os elementos colhidos (resultado de medições efectua­das por agentes recenseadores adestrados) são sujeitos a uma recapitula­ção e, depois de obtidos os índices referentes a cada elemento, são, por extrapolação, generalizados ao território em estudo, com o auxílio das bases já referidas.
As actuais condições da Guiné e o meio de trabalho facultado não permitiram a utilização integral do processo referido.
Para que fosse possível a obtenção duma estimativa dos elementos essenciais da agricultura indígena, houve que operar uma modificação no processo descrito, em prejuízo do que tem de essencial. E a necessidade resultou da impossibilidade material de estudar detalhadamente cada povoação-tipo escolhida, o que é consequência da escassez de tempo, de verba e de pessoal adestrado.
O estudo das características agrícolas das diversas regiões e dos diversos povos da Guiné, bem como os ensaios sumários realizados no sentido da experimentação de método de trabalho, mostraram que: I) cada povo assenta a sua actividade agrícola numa estrutura agrária constante (regime de propriedade, forma de exploração, cultura e prá­ticas de cultivo); II) a presença dum dado povo numa dada região depende, geralmente, dos imperativos da sua estrutura agrária; III) a exploração da terra é feita em regime familiar, e, raramente, por morança e tabancas ; IV) a extensão da terra cultivada depende principalmente do número de unidades de trabalho da família; V) a agricultura duma dada região é a do povo que a habitam; VI) dentro duma dada região, o tipo de agricultura dominante é o da do povo mais representado; VII) a agricultura duma povoação caracteristicamente rural é, genericamente, a da região em que se encontra integrada; VIII) considerada uma povoa­ção, a agricultura praticada por uma dada família dum dado povo, é idêntica à praticada pela outra família do mesmo povo.
Os factos anunciados levaram a concluir que: I) o método de amostragem é na realidade não só aplicável como o único aplicável nas actuais condições da Guiné; II) em qualquer região considerada existem povoa­ções-tipo, isto é, cuja agricultura é representativa da dessa região; III) a área do Posto Administrativo pode ser considerada como unidade territo­rial para generalização dos elemento essenciais da agricultura indígena, obtidos na povoações-tipo dessa área, desde que seja tomado em cada Posto um número estatisticarnente satisfatório de povoações-tipo; IV) na impossibilidade material de estudar detalhadamente cada povoação-tipo, bastaria estudar, em número estatisticamente satisfatório, a agricultura de vária famílias dos povos das povoações-tipo escolhidas; V) os índices resultantes desse estudo, conjugados com os dados do censo da população, permitiriam obter, por generalização, uma estimativa dos elemento essen­ciais da agricultura indígena, para toda unidade territorial, isto é, para cada Posto Administrativo; VI) o único índice de possível obtenção, face aos meios de trabalho disponíveis, seriam as médias por família, e por família por povo, de cada elemento essencial estudado.
E eis, em traços largos, o método usado na execução do Recensea­mento Agrícola. Mediante a premente necessidade de se levar a cabo o empreendimento, mesmo em condições deficientes (de verba, de tempo e de pessoal) estruturou-se um Plano Geral do Recenseamento Agrícola que foi superiormente aprovado.
Porque o método da sondagen pode ser aplicado através de vários processos, houve que determinar qual ou quais os processos que deviam ser utilizados no Recen eamento. O estudo das características gerais da agricultura guineense, atrás referido, mostrou ser conveniente o sseguinte procedimento e tatístico:
a) Divisão da população em subpopulação «ou estratos tão homo­géneos quanto possível, de forma que as sondagens separadas efectuadas em cada estrato conduzissem a estirnativas afectadas de pequeno erro» (ROSENFELD, 1953). Daí o ter-se considerado o Posto Administrativo como unidade territorial de generalização, e, dentro da área de cada Posto, ter-se feito incidir a sondagem sobre cada povo principal, em separado.
b) Escolha, em cada Posto Administrativo, de povoações que, pelas suas caracterísricas agrícolas ,podem ser consideradas como representa­tivas da agricultura de toda a área do Posto (povoações-tipo).
c) Em cada povoação-tipo o número de explorações agrícolas Iami­liares de cada povo (grupo homogéneo), a inquirir, foi calculado propor­cionalrnente à importância do mesmo povo no conjunto populacional do Posto a que pertence a povoação-tipo.
d) As explorações agrícolas familiares, a inquirir em cada povoa­ção-tipo de cada Posto, e pertencentes a um dado povo, foram escolhidas ao acaso.
Convém notar que o método usado enferma de defeitos. Além de não estudar integralmente a região considerada, obriga a uma estimativa. Ora uma estirnativa tem carácter subjectivo, o que é sempre prejudicial. Fatalmente, cometem-se erros. A propósito, ROSENFELD (1953) numa recente publicação da F. A. O., afirma: «O método das sondagens é um processo que toda a gente pratica, desde sempre... O seu inconveniente reside no facto de apenas fornecer um valor aproximado das caracteris­ticas medidas, mas apresenta a vantagem de não medir os caracteres observados senão sobre um pequeno número de unidades», Além de que, nos casos como o da Guiné, o único método aplicável é o das sondagens, infere-se que possibilita uma diminuição considerável dos gastos com o empreendimento.
A utilização do conjunto de processos referidos, representa uma tentativa no sentido de restringir ao máximo a possibilidade de erro neste trabalho que, segundo parece, é o primeiro, no género, a ser realizado no Ultramar Português.
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Bissau. Janeiro de 1954

Maria Helena Cabral e Amílcar Lopes Cabral




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