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14 de janeiro de 2012

350-A cristianização dos reis de Bissau

A gravura da capa representa a planta da praça de S. José de Bissau segundo José Luís de Braun, 1780
(Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa)
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No final vão vários mapas, e gravuras e fotografias incluídas na obra.
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O próprio Avelino Teixeira da Mota, na nota introdutória que faz ao livro, dá-nos uma breve ideia do seu conteúdo:
Ao invés do que se verifica em relação às cidades de Angola e de Moçambique, cuja história tem merecido a atenção de numerosos estu­diosos, o passado da cidade e da ilha de Bissau não tem concitado gran­des atenções, Além do contido nas monografias clássicas de Chelmicki e Varnhagen e de Lopes de Lima, respeitantes a Cabo Verde e à Guiné, nas histórias gerais de Sena Barcelos e de João Barreto e em alguns relatórios de governadores, a bem pouco se reduz a bibliografia da his­tória de Bissau. Assim, apenas nos ocorrem, nesse domínio, certas par­tes do relatório do médico Damasceno Isac da Costa, o estudo de Cunha Saraiva sobre a última fortaleza, a anotação de Damião Peres sobre a defesa castrense da povoação e o cuidado, mas breve, estudo de Fausto Duarte (1).
Se é esta a situação no que respeita à história da povoação, ela é ainda bem pior no concernente ao estudo do passado dos Papéis, o grupo étnico que vivia na ilha quando a ela chegaram os Portugueses, pois aquele está praticamente por fazer,
O presente livro pretende trazer uma contribuição para a melhoria dos conhecimentos nesse duplo campo, o da história da povoação onde se fixaram os Portugueses e o da história dos Papéis da ilha. Neste último aspecto já nada pudemos recolher nos domínios da tradição oral; uma indagação rápida não nos permitiu saber de informadores fidedignos na zona oriental da ilha, onde se situa a cidade capital, e a inexistência ou raridade deles aí foi-nos confirmada por Fernando Rogado Ouintino, que desde há bastante tempo se ocupa do estudo do povo papel, O crescimento da cidade e o caldeamento das populações parece terem já levado os Papéis dessa zona ao olvido do seu passado, afigurando-se que será sobretudo com os habitantes da zona ocidental da ilha (Tor e Biombo), ainda marcadamente rural e muito mais tradicional, que haverá que contar para tentar salvar do total esquecimento algo que ainda reste na memória de alguns homens velhos (2),
Em boa parte, os textos mais importantes que servem de base a este volume foram recolhidos no decurso dos trabalhos, que se desen­rolam desde 1963, para a edição das fontes antigas portuguesas (séculos XV-XVII) relativas à Africa ocidental entre o Senegal e a Serra Leoa e com interesse para a história da geografia e dos povos africanos, De certo modo, o presente livro abre a série, embora os textos publicados sejam na maioria do final do século XVII e apenas venham a lume na língua original e sem as versões francesa e inglesa previstas para o con­junto, já que quase só dizem respeito a territórios e povos incluídos na Guiné Portuguesa,
O período em que foram escritos, o dos dois últimos decénios do século XVII, é certamente um dos mais interessantes da história de Bissau, e talvez dos menos conhecidos. Devido, sobretudo, às vantagens da sua situação geográfica, mais que às condições, sofríveis, do seu porto, a importância da povoação escolhida pelos Portugueses para se estabele­cerem no rio Grande foi crescendo ao longo desse século, e isso não podia deixar de acarretar conflitos com outros europeus interessados em se expandirem na área dos «Rios da Guiné de Cabo Verde», Esse facto trouxe incidências na própria acção missionária, já que à presença dos capuchinhos espanhóis, até então tolerada na Guiné na maior parte dos casos, era natural que se preferisse a de frades portugueses,
A defesa contra os concorrentes estrangeiros no comércio - sobre­tudo os Franceses - logicamente conduziu ao propósito de construir no porto de Bissau uma fortaleza que lhes impedisse o tráfico livre, Por sua vez, tal facto trazia alterações importantes nas relações entre os Portugueses e os Papéis, com larga possibilidade de conflitos. A forta­leza fez-se, e passados poucos anos, ainda inacabada, el-rei de Portugal mandou-a arrasar, desistindo por então de impor o monopólio comercial; atitude prudente, até porque, adversários de Portugal na guerra da suces­são de Espanha (1703-1713), os Franceses saquearam durante ela a cidade da Ribeira Grande, na ilha de Santiago de Cabo Verde, a cidade do Rio de Janeiro e a ilha do Príncipe, e certamente lhes teria sido fácil tomar o forte que os Portugueses tivessem em Bissau. No povoado fica­ram os missionários e os comerciantes, até que, meio século volvido, se iniciou a construção da majestosa fortaleza de S. José, com o poderoso amparo da Companhia do Grão-Pará e Maranhão.
Dos seis textos que agora se editam, o primeiro, de começos do século XVII, constitui a mais antiga descrição, com relativo desenvolvi­mento, da ilha e dos Papéis. Inédito até aqui, é capítulo da Etiópia Me­nor, do jesuíta Manuel Álvares, que foi devotado missionário na Serra Leoa, onde morreu em 1617.
Quatro dos restantes textos dizem respeito à acção missionária, sendo dois da autoria de Fr. Vitoriano Portuense, bispo de Cabo Verde, e outro relacionado com a sua acção. Explica-se, assim, que o presente livro, como é expresso no seu título, esteja centrado na actividade desse notável missionário, que fez duas viagens à Guiné e interveio activa­mente nos acontecimentos que por então se desenrolaram em Bissau.
O primeiro desses textos é a carta em que o bispo dá conta a D. Pedro II da sua primeira viagem, em 1694. Foi publicada na sua maior parte pelo P:e António Joaquim Dias Dinis, em 1937, e edita-se agora na totalidade.
Baseia-se nela em parte um opúsculo muito raro, saído em 1695, em que se descreve também o baptismo, em Lisboa, de um filho do rei de Bissau. Embora o publicássemos em periódico de Bissau em 1964 e 1965, novamente se edita agora, dada a sua grande relação com outros textos.
Pudemos localizar o relato da parte inicial da segunda viagem de Fr. Vitoriano Portuense à Guiné, contendo a descrição do baptismo, em vésperas de morrer, do rei de Bissau, Bacampolo Có ou D. Pedro. Publica-se também agora pela primeira vez, julgando-se ser totalmente desconhecido antes, pois nem sequer o minucioso cronista da Província da Soledade, Fr. Francisco de Santiago, o cita ou utiliza.
Após estes quatro textos portugueses, editam-se mais um em fran­cês e outro em espanhol. Aquele é um trecho, infelizmente truncado no começo, respeitante à ilha de Bissau e à viagem que lá fez em 1686-1687 o senhor de La Courbe; servimo-nos da edição de 1913 de Cultru. É um texto valioso, pela sua objectividade e pela soma de elementos que dá relativos à influência portuguesa,
La Courbe encontrou em Bissau três capuchinhos espanhóis, e fala­-nos do manifesto contra a escravatura por eles feito, É este um assunto que tem andado envolvido em certa confusão, o que em parte se deve à deficiente maneira como o relato de La Courbe foi utilizado no conhe­cido livro de Labat sobre a África ocidental, Sabia-se que um exemplar do manifesto chegara a Roma, por via do núncio em Portugal, e que dele se ocupara a Propaganda Fide, e só apenas através das actas das sessões desta se tinha uma ideia do seu conteúdo, O texto que agora trazemos a lume é o do exemplar enviado ao rei de Portugal, e o seu conhecimento vem lançar muita luz na matéria, Talvez tal documento tenha contri­buído para as viagens de Fr, Vitoriano Portuense à Guiné e para certas formas da sua actuação, nomeadamente no que se refere ao baptismo dos escravos,
Os seis textos são precedidos de um estudo, acompanhados de notas e seguidos de um apêndice documental em que se transcrevem várias fontes que muito contribuem para a sua melhor compreensão e para mais perfeito esclarecimento dos factos ocorridos então em Bissau,
O nosso estudo destina-se sobretudo a apresentar tais textos e a facilitar a sua interpretação, e de modo algum pretende ser uma análise aprofundada dos acontecimentos da época, para o que lhe falecem muitos elementos, nomeadamente no campo económico,
Do conjunto desses textos, dos documentos finais e daquilo que escrevemos, ressaltam numerosos conflitos em vários campos: entre mis­sionários espanhóis e missionários portugueses, entre portugueses e [ran­ceses, entre europeus e africanos, entre o bispo de Cabo Verde e o capi­tão-mar de Bissau, etc, Cremos haver aí bastante matéria pata reflexão e para mais aprofundado estudo,
Apraz-nos ainda salientar que várias das fontes que transcrevemos ou utilizamos documentam o alto critério e notória prudência de vários pareceres do Conselho Ultramarino em questões abordadas neste livro, pelo que julgamos que este traz um modesto contributo pata a história desse venerando órgão da administração do ultramar, Em ilustrações fora do texto apresenta-se uma selecção de espécies cartográficas (de meados do século XVII a meados do século XVIII), que desde há muito vimos inventariando com vista ao estudo da história da cartografia de Bissau e zonas próximas.

(1)    DAMASCENO ISAC DA COSTA, Relatório do Serviço da Delegação da [unta de Sal/de na vil/a de Bissau respectivo ao mll!o de 1884, Lisboa, 1887, 91 pp.; JosÉ MENDO DA CUNHA SARAIVA, «A fortaleza de Bissau e a Companhia do Grão Pará e Maranhão», in Congresso Comemorativo do V Centenário do Descobrimento da Guiné, Lisboa, I, 1946, pp. 157-91; DAMIÃO PERES, Planta da Praça de Bissau e suas adjacentes por Bernardino Amónio Alvares de Andrade, Lisboa, 1952; Auuário da Guiné Portuguesa, Bissau, 1946, pp. 207-229 (pp. 357-409 na edição de 1948).
(2)    (2) Ao menos no que respeita a genealogias e listas de reis, De um povo afim, os Man­jacos de Caió, ainda foi possível, há um quarto de século, recolher a relação dos reis: ARTUR MARTINS DE MEIRELES, «Baiú (Gentes de Kaiú)», in Boletim Cultural da Guiné Por­tuguesa, III, 11, Julho 1948, pp. 607-638.


Luanda, Novembro de 1970.

A. TEIXEIRA DA MOTA
Papeis e Bissau
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