(Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa)
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No final vão vários mapas, e gravuras e fotografias incluídas na obra.
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O próprio Avelino Teixeira da Mota, na nota introdutória que faz ao livro, dá-nos uma breve ideia do seu conteúdo:
Ao invés do que se verifica em
relação às cidades de Angola e de Moçambique, cuja história tem merecido a
atenção de numerosos estudiosos, o passado da cidade e da ilha de Bissau não
tem concitado grandes atenções, Além do contido nas monografias clássicas de
Chelmicki e Varnhagen e de Lopes de Lima, respeitantes a Cabo Verde e à Guiné,
nas histórias gerais de Sena Barcelos e de João Barreto e em alguns relatórios
de governadores, a bem pouco se reduz a bibliografia da história de Bissau. Assim, apenas nos
ocorrem, nesse domínio, certas partes do relatório do médico Damasceno Isac da
Costa, o estudo de Cunha Saraiva sobre a última fortaleza, a anotação de Damião
Peres sobre a defesa castrense da povoação e o cuidado, mas breve, estudo de
Fausto Duarte (1).
Se é esta a situação no que respeita à
história da povoação, ela é ainda bem pior no concernente ao estudo do passado
dos Papéis, o grupo étnico que vivia na ilha quando a ela chegaram os
Portugueses, pois aquele está praticamente por fazer,
O presente
livro pretende trazer uma contribuição para a melhoria dos conhecimentos nesse
duplo campo, o da história da povoação onde se fixaram os Portugueses e o da
história dos Papéis da ilha. Neste último aspecto já nada pudemos recolher nos
domínios da tradição oral; uma indagação rápida não nos permitiu saber de
informadores fidedignos na zona oriental da ilha, onde se situa a cidade
capital, e a inexistência ou raridade deles aí foi-nos confirmada por Fernando
Rogado Ouintino, que desde há bastante tempo se ocupa do estudo do povo
papel, O crescimento da
cidade e o caldeamento das populações parece terem já levado os Papéis dessa
zona ao olvido do seu passado, afigurando-se que será sobretudo com os
habitantes da zona ocidental da ilha (Tor e Biombo), ainda marcadamente rural e
muito mais tradicional, que haverá que contar para tentar salvar do total
esquecimento algo que ainda reste na memória de alguns homens velhos (2),
Em boa parte, os textos mais importantes que servem de base a este
volume foram recolhidos no decurso dos trabalhos, que se desenrolam desde 1963, para a edição das fontes antigas portuguesas (séculos XV-XVII)
relativas à Africa ocidental entre o Senegal e a Serra Leoa e com interesse
para a história da geografia e dos povos africanos, De certo modo, o presente
livro abre a série, embora os textos publicados sejam na maioria do final do
século XVII e apenas venham a lume na língua original e sem as versões
francesa e inglesa previstas para o conjunto, já que quase só dizem respeito a
territórios e povos incluídos na Guiné Portuguesa,
O período em que foram escritos, o dos dois
últimos decénios do século XVII, é certamente um dos mais interessantes
da história de Bissau, e talvez dos menos conhecidos. Devido, sobretudo, às
vantagens da sua situação geográfica, mais que às condições, sofríveis, do seu
porto, a importância da povoação escolhida pelos Portugueses para se estabelecerem
no rio Grande foi crescendo ao longo desse século, e isso não podia deixar de
acarretar conflitos com outros europeus interessados em se expandirem na área
dos «Rios da Guiné de Cabo Verde», Esse facto trouxe incidências na própria
acção missionária, já que à presença dos capuchinhos espanhóis, até então
tolerada na Guiné na maior parte dos casos, era natural que se preferisse a de
frades portugueses,
A defesa contra os concorrentes estrangeiros no
comércio - sobretudo os
Franceses - logicamente conduziu ao propósito de construir no porto de
Bissau uma fortaleza que lhes impedisse o tráfico livre, Por sua vez, tal facto
trazia alterações importantes nas relações entre os Portugueses e os Papéis,
com larga possibilidade de conflitos. A fortaleza fez-se, e passados poucos
anos, ainda inacabada, el-rei de Portugal mandou-a arrasar, desistindo por
então de impor o monopólio comercial; atitude prudente, até porque, adversários
de Portugal na guerra da sucessão de Espanha (1703-1713), os Franceses
saquearam durante ela a cidade da Ribeira Grande, na ilha de Santiago de Cabo
Verde, a cidade do Rio de Janeiro e a ilha do Príncipe, e certamente lhes teria
sido fácil tomar o forte que os Portugueses tivessem em Bissau. No povoado ficaram os missionários e os comerciantes, até que, meio
século volvido, se iniciou a construção da majestosa fortaleza de S. José, com
o poderoso amparo da Companhia do Grão-Pará e Maranhão.
Dos seis textos que agora se editam, o primeiro, de começos do
século XVII, constitui a mais antiga descrição,
com relativo desenvolvimento, da ilha e dos Papéis. Inédito até aqui, é
capítulo da Etiópia Menor, do jesuíta Manuel
Álvares, que foi devotado missionário na Serra Leoa, onde morreu em 1617.
Quatro dos restantes textos dizem
respeito à acção missionária, sendo
dois da autoria de Fr. Vitoriano Portuense, bispo de Cabo Verde, e outro
relacionado com a sua acção. Explica-se, assim, que o presente livro, como é
expresso no seu título, esteja centrado na actividade desse notável
missionário, que fez duas viagens à Guiné
e interveio activamente nos acontecimentos que por então se desenrolaram em
Bissau.
O primeiro desses textos é a carta em que o bispo dá conta a D.
Pedro II da sua primeira viagem, em 1694. Foi publicada na sua maior parte pelo P:e
António Joaquim Dias Dinis, em 1937, e edita-se agora na totalidade.
Baseia-se nela em parte um opúsculo muito raro, saído em 1695, em
que se descreve também o baptismo, em Lisboa, de um filho do rei de Bissau.
Embora o publicássemos em periódico de Bissau em 1964
e 1965, novamente se edita agora, dada a sua grande relação com
outros textos.
Pudemos localizar o relato da parte inicial da
segunda viagem de Fr. Vitoriano Portuense à Guiné, contendo a descrição do
baptismo, em vésperas de morrer, do rei de Bissau, Bacampolo Có ou D. Pedro. Publica-se também agora pela primeira vez, julgando-se ser
totalmente desconhecido antes, pois nem sequer o minucioso cronista da
Província da Soledade, Fr. Francisco de Santiago, o cita ou utiliza.
Após estes
quatro textos portugueses, editam-se mais um em francês e outro em espanhol.
Aquele é um trecho, infelizmente truncado no começo,
respeitante à ilha de Bissau e à
viagem que lá fez em 1686-1687 o senhor de La
Courbe; servimo-nos da edição de 1913 de Cultru. É um texto valioso, pela sua objectividade e pela soma de elementos que dá
relativos à influência portuguesa,
La Courbe encontrou em Bissau
três capuchinhos espanhóis, e fala-nos do manifesto contra a escravatura por
eles feito, É este um assunto que tem andado envolvido em certa
confusão, o que em parte se deve à deficiente maneira como o relato de La Courbe foi
utilizado no conhecido livro de Labat sobre a África ocidental, Sabia-se que
um exemplar do manifesto chegara a Roma, por via do núncio em Portugal, e que
dele se ocupara a Propaganda Fide, e só apenas através das actas das sessões
desta se tinha uma ideia do seu conteúdo, O texto que
agora trazemos a lume é o do exemplar enviado ao rei de Portugal, e o seu
conhecimento vem lançar muita luz na matéria, Talvez tal documento tenha contribuído
para as viagens de Fr, Vitoriano Portuense à Guiné e para certas formas da
sua actuação, nomeadamente no que se refere ao baptismo dos escravos,
Os seis textos são precedidos de
um estudo, acompanhados de notas e seguidos de um apêndice documental em que se
transcrevem várias fontes que muito contribuem para a sua melhor compreensão e para mais perfeito
esclarecimento dos factos ocorridos então em Bissau,
O nosso estudo destina-se sobretudo a apresentar tais
textos e a facilitar a sua interpretação, e de modo algum pretende ser uma
análise aprofundada dos acontecimentos da época, para o que lhe falecem muitos
elementos, nomeadamente no campo económico,
Do conjunto desses textos, dos documentos
finais e daquilo que escrevemos, ressaltam numerosos conflitos em vários
campos: entre missionários espanhóis e missionários portugueses, entre
portugueses e [ranceses, entre europeus e africanos, entre o bispo de Cabo
Verde e o capitão-mar de Bissau, etc, Cremos haver aí bastante matéria pata
reflexão e para mais aprofundado estudo,
Apraz-nos ainda salientar que
várias das fontes que transcrevemos ou utilizamos documentam o alto critério e
notória prudência de vários pareceres do Conselho Ultramarino em questões abordadas
neste livro, pelo que julgamos que este traz um modesto contributo pata a
história desse venerando órgão da administração do ultramar, Em ilustrações fora do texto apresenta-se uma
selecção de espécies cartográficas (de meados do século XVII a meados do século XVIII), que desde há muito vimos inventariando com vista
ao estudo da história da cartografia de Bissau e zonas próximas.
(1)
DAMASCENO ISAC DA COSTA, Relatório do Serviço da Delegação da [unta de
Sal/de na vil/a de Bissau respectivo ao mll!o de 1884, Lisboa, 1887, 91 pp.; JosÉ MENDO
DA CUNHA SARAIVA, «A fortaleza de Bissau e a Companhia do Grão Pará e
Maranhão», in Congresso Comemorativo do V Centenário do Descobrimento da
Guiné, Lisboa, I, 1946, pp. 157-91;
DAMIÃO PERES, Planta da Praça de Bissau e suas adjacentes por Bernardino
Amónio Alvares de Andrade, Lisboa, 1952; Auuário da Guiné Portuguesa, Bissau,
1946, pp. 207-229 (pp. 357-409 na edição de 1948).
(2)
(2) Ao
menos no que respeita a genealogias e listas de reis, De um povo afim, os Manjacos
de Caió, ainda foi possível, há um quarto de século, recolher a relação dos
reis: ARTUR MARTINS DE MEIRELES, «Baiú (Gentes
de Kaiú)», in Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, III, 11, Julho 1948, pp. 607-638.
Luanda,
Novembro de 1970.
A. TEIXEIRA DA MOTA
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