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16 de maio de 2011

173-O golpe de Nino Vieira em 14 de Novembro de 1980 foi urdido em Portugal?

O "Diário de Lisboa" de 17 de Novembro de 1980 suspeitou que sim:

Há fortes indícios de o golpe que destruiu – para já – o PAIGC na Guiné-Bissau  ter sido urdido em Portugal ou pelo menos terem aqui sido apurados os esquemas finais e os apoios com que por­ventura contam os golpistas para sobreviver no futuro.
Não é só o facto de Nino Vieira ter estado aqui durante mais de uma semana, com per­manência no Porto em casa de uma individualidade dos negó­cios e da finança que há tempos falara da abertura de um banco privado em Bissau a que estaria associado [era Valentim Loureiro]. Aqui se encontrou nessa altura com Vítor Monteiro[1] e Vítor Saúde Maria[2]. Sombrio é também, e até se aprofundar esta questão, o comportamento da rádio oficial portuguesa no Canal 1 ao repetir diversas vezes, ao longo da tarde de sábado, quando do golpe apenas se sabia ter sido chefiado por Nino, um texto muito suspeito.
Esse longo texto, de que transcrevemos passagens, foi introduzido nos noticiários da tarde de sábado e ele fala por si, em termos tais que no mínimo, exigem uma explicação do Go­verno de Sá Carneiro.
Trata-se de um editorial disfar­çado de notícia e abre com a in­formação de que tinha sido for­mado em Bissau um Conselho da Revolução, presidido por Nino Vieira, para acrescentar logo, ter sido esse Conselho formado para sugerir o vazio do poder até «à decisão da entrega dos destinos políticos do Pais nas mãos dos filhos originários da Guiné».
O tom opinativo entra depois, descaradamente, nesta música tocada pela Radiodifusão Portu­guesa, canal 1, ao longo de toda a tarde de sábado:
«Mas não foi só Nino o homem que transportou sobre os seus ombros a revolução guineense. Há os que ficaram pelo caminho e os que em Bissau e fora do Pais vêm acompanhando silenciosa­mente o processo de unidade orgânica e politica que alguns diri­gentes do PAIGC, partido no poder na Guiné e Cabo Verde, pretenderam fazer vincar entre os dois Estados e povos baseados nos laços históricos e sanguíneos e o próprio pensamento político de Amílcar Cabral».
Em tom editorial acentua-se depois, o facto de o processo que conduziu à independência, e as negociações com Portugal, tal como a ratificação da indepen­dência entregue por Spínola a Pedro Pires, em 9 de Setembro de 1974, ter sido dirigido pelo hoje Primeiro-Ministro cabo-verdiano e «então contestado por al­gumas individualidades guineen­ses», (sic), enquanto Vítor Saúde Maria, Umarú Djaló e Luís Sanca foram «apenas testemunhas». «Este dia - disse a RDP, referindo-se á Guiné - nunca mais se apagará na memória da sua gente devido ao facto de ele ter sido realizado por um natural de Cabo Verde».
Malan Sanhá foi igualmente evocado, com o acrescento de dizer-se que a sua tentativa de golpe «demonstra claramente a determinação dos guineenses que viam e vêem em Nino Vieira a única possibilidade de transfor­mar o decurso politico do Pais, pela sua condição de filho da Guiné originário».
Não se esqueceu o articulista de referir a distanciação de Sekou Touré em relação ao regime da Guiné-Bissau devido ao facto de «os cabo-verdianos no Poder po­derem interferir no seu projecto de unidade que pretenderia para as duas Guinés, uma unidade ba­seada nas afinidades históricas, continentais, culturais comuns aos povos da Guiné-Bissau e da Guiné-Conakcy. O grupo islami­zado - continua o texto - integra a maioria da população dos dois países e de maneira nenhuma Nino Vieira pretenderia entrar em polémica, militar ou política, com Sekou Touré, seu irmão continental africano».
O comunicado – pois é disso que verdadeiramente se trata, embora tenha sido lido aos micro­fones da RDP, a rádio oficial por­tuguesa, como se de noticiário se tratasse - conclui com a seguinte e fantasiosa boutade, pois jamais se ouviu falar de tal gente:
«Cá fora, no entanto, com lon­gas e dolorosos anos de espera encontram-se milhares de guine­enses. Foram seis anos que po­derão ter terminado na sexta-feira. Os emigrantes da Guiné-­Bissau aguardam ansiosamente o desenrolar dos acontecimen­tos. Sabe-se que um forte partido de oposição à facção cabo-verdiana do PAIGC, com sede em Paris e delegações em Lisboa e Dakar, está a promover reuniões sectoriais. Prepara-se, mesmo, quanto se sabe, o envio de uma mensagem a Nino Vieira para manifestar o apoio total dos filhos da Guiné ausentes do seu Pais ao Conselho da Revolução instau­rado agora no poder».
Fora isto, importa para já perguntar quem terá sido o autor de tal prosa e qual o papel da própria emissora oficial portu­guesa no golpe.
Com efei1o, quem conhece a composição da Redacção da RDP 1 e a qualidade dos «espe­cialistas» em assuntos africanos, mormente das questões guine­enses, confere facilmente a im­possibilidade de ter sido ela a fonte donde brotou tal papel. Mais ainda: a linguagem utilizada e a terminologia não é mais que a contida nas prosas escassas ­divulgadas pela meia dúzia de indivíduos que, por cá andavam comendo as migalhas de colonia­lismo, ou por cá preferiram mais tarde esbanjar o nacionalismo que na sua própria terra não se lhes conhecia.
Mais grave que tudo isto, é a antecipação de certos factos só posteriormente conhecidos e que só um individuo ou organização metida no golpe até à raiz dos cabelos poderia adiantar. E a RDP ao assumir isso como prosa sua, comentário seu, e ao impingi-lo aos ouvintes como se de simples matéria informativa se tratasse está no mínimo, coni­vente no golpe. Isto para não irmos mais longe.
Veja-se só o que diz a RDP, antes de chegarem as noticias a Lisboa e ao falar da detenção de vários dirigentes:
«Nessa situação poderão estar José Araújo, considerado o prin­cipal mentor do regime e conside­rado o ideólogo número um do PAIGC (e autor da nova Consti­tuição da Guiné que retira os po­deres a Nino Vieira e ao coman­dante chefe das Forças Armadas) Vasco Cabral, Fernando Fortes, Manuel dos Santos, Lima Gomes, todos eles naturais de Cabo Verde, para além de individuali­dades da Segurança Nacional que vêm julgando os casos de contestação por parte dos filhos da Guiné». E todos, ou quase todos eles, viriam de facto a ser presos, excepto Vasco Cabral (natural de Farim, filho de guine­enses, que nenhum laço familiar tem com o Presidente) que não é cabo-verdiano mas sim um dos principais alvos políticos a abater por todo aquele que pretendesse inflectir o regime.
Finalmente, a RDP deixou per­ceber aos seus ouvintes, como não fora surpreendida com a conspiração ao recordar que Nino Vieira se encontrara em Lisboa (numa viagem a caminho de Pa­ris) com «o seu companheiro de armas Umarú Djaló e Vítor Saúde Maria todos eles naturais da Guiné e pertencentes a chamada linha Nino Vieira, individualida­des influentes da facção guine­ense do PAIGC».
Mais claro que isto é difícil ser­-se.



[1] Vítor Freire Monteiro, era Governador do Banco Nacional da Guiné-Bissau; foi depois Ministro das Finanças do primeiro governo de Nino Vieira. (nota minha)
[2] Vitor Saúde Maria, era Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de Luís Cabral, continuou como tal até Maio de 1982, já com Nino Vieira; foi primeiro ministro de Maio de 1982 até Março de 1984, altura em que se exilou em Portugal; regressou em 1990 e fundou o Partido Unido Social Democrata (PUSD) em 1992; concorreu às eleições presidenciais em 1994; foi assassinado em 1999, durante a guerra civil. (Nota minha)


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