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24 de maio de 2011

181-Ainda Rafael Barbosa

FERNANDO BAGINHA*                                             
Rafael Barbosa: resistente, preso, herói, traidor, de novo re­sistente, de novo traidor, de novo preso, amnistiado, preso, conde­nado à morte, pena comutada, li­bertado, de novo herói e logo desmentido. Esta sucessão kar­kiana de situações não tem cer­tamente paralelo.
Rafael Barbosa é, de facto, uma figura central de todo este processo. Fundador, com Amíl­car Cabral e outros, do primeiro movimento de independência da Guiné, ele é, sem dúvida, o «ho­mem da libertação» para todos os guineenses a quem o problema se punha, isto é, aos dos meios urbanos e, sobretudo, de Bissau. Preso e deportado, conti­nua, no entanto, a ser apresen­tado como o símbolo da independência e o Presidente de Honra do Movimento.
É depois da sua prisão que a estrutura do Movimento se transforma em estrutura de Par­tido, assumindo Amílcar Cabral o cargo de secretário-geral, o que significa assumir o poder real.
Começa a preponderância do sector cabo-verdiano no Partido, continuando sempre Rafael Bar­bosa a ser apresentado corno «o homem da Guiné».
Dá-se, então, a «traição». Ra­fael Barbosa, sem que nada o fi­zesse esperar, é libertado e faz um discurso público, em que adere à -Guiné melhor» de Spínola. O PAIGC declara-o traidor à causa da libertação. Mas, na rea­lidade, tinha começado aqui uma clivagem perigosa: começava a esboçar-se a ideia da possibilidade de uma Guiné indepen­dente (ou coisa parecida ..) SEM CABO VERDE.
A Direcção Política do PAIGC não insistiu muito na condenação de Rafael Barbosa, o que se de­veu, essencialmente, a dois fac­tos importantes. O primeiro foi a adesão de cabo-verdianos ao PAIGC ter estagnado. Para além do grupo inicial, e do recruta­mento feito em Lisboa, não se concretizou a esperança de Ca­bral: a adesão de cabo-verdia­nos, e seus descendentes da Ca­samansa, no Sul do Senegal, onde a colónia crioula era de al­gumas dezenas de milhares, e que, a verificar-se, teria equili­brado o peso dos guineenses no aparelho do PAIGC. O segundo era o movimento de adesões ser, cada vez mais, proveniente de Bissau, o que queria dizer que aementavam os •• rafaelistas- no seio do Pa(tido.
Pouco tempo antes do assas­sinato de Amílcar Cabral, o «PAIGC Actualités» (boletim de propaganda editado, em francês, pelo Partido) ainda trazia em pri­meira página a fotografia de Ra­fael Barbosa, designado como Presidente do Partido.
No entanto, e dentro do Par­tido, evitava-se o «assunto Rafael»: mas, qualquer militante originário de Bissau não escondia que, para a Guiné, o símbolo da independência era Rafael Bar­bosa. E eram os homens vindos de Bissau que, sendo media­mente instruídos (tinham fre­quentado o liceu), começavam a preencher as funções de quadros médios, o que, em principio, daria controlo do aparelho.
Assim, Quando se dá a cons­piração que leva ao assassinato de Amílcar Cabral, os, cada vez mais, minoritários cabo-verdia­nos vêem-se em oposição aos, cada vez mais, maioritários gui­neenses.
E, çomo expliquei no artigo anterior, tudo teria ficado «resol­vido» se não fosse a intervenção do exército de Sekou Touré.

O tribunal de guerra que julgou e condenou Rafael Barbosa (1997)

É por esta altura que o papel de Spínola em ,tudo isto me parece de abordar ..
(Antes, quero fazer um parên­tesis: A esquerda. portuguesa adoptou, para seu descanso, até ao 25 de Abril e depois, o es­quema geral de «É mau? Foi Pide». Isto permitia explicar tudo o que não se sabia explicar: As­sim, e neste caso, Amílcar tinha sido morto e só havia uma explicação: foi a Pide. Este foi, aliás, o sentido do primeiro programa da Rádio Libertação do PAIGC, por mim escrito e lido depois do as­sassinato. E eu, quando o escrevi e li, já não acreditava nisso! Sa­bia, tão bem como todos os que estávamos nessa situação, que a Pide não tinha, directamente, nada a ver com o assassinato [Daniela Cabrita Mateus demonstrou que não foi bem assim. Ver o post http://coisasdaguine.blogspot.com/2011/01/42-amilcar-cabral-foi-assassinado-ha-38.html)]. Penso, com isto, não estar a pro­mover a Pide, mas, pelo contrá­rio, estar a retirar-lhe méritos que a esquerda  lhe atribuia, acusan­do-a permanentemente de po­deres conspirativos que na realidade não possuíam.
Foi a compreensão desta con­tradição insuperável que levou Spínola a investir tanto na «recuperação»  de Rafael Barbosa e a deixá-lo à vontade, para conti­nuar a conspirar. Porque Spínola sabia que Rafael Barbosa podia fazer os discursos que fizesse, mas, logo que à vontade, não dei­xaria de recomeçar uma luta pela qual já pagara sete anos de pri­são.
Começou, portanto, um certo «LIBERALISMO», no sentido de se permitir saídas colectivas de BIssau, que, de outro modo, se­riam impossíveis, atendendo-se ao dispositivo militar que rodeava capital da colónia. S6 assim se entende que chegassem às li­nhas do PAIGC grupos de 30 e 4{) indivíduos, que vinham de Bissau passando todo este sistema de segurança.
Spínola jogava na agudização da contradição que ele sabia existir: quantos mais guineenses do PAIGC mais rápida seria a de­sagregação do Partido. Amílcar Cabral também o entendeu e até se encontrou por duas vezes com Spínola, no Senegal. Mas o processo já vinha de longe e já era imparável. Spínola, com a sua «Guiné melhor», conseguiu insi­nuar a ideia, ao nível dos quadros de guerra, de que sem a unidade Cabo Verde-Guiné algo seria possivel. O que, para Portugal, era inegociável era Cabo Verde.
Isto, acrescentando-se ao can­saço de guerra dos quadros mili­tares do mato (como Osvaldo Vieira e Nino Vieira), preparou ra­pidamente o caminho para o «golpe de Estado sem Estado» que foi o assassinato de Amílcar Cabral.
Desde então, e até à chegada definitiva de Nino ao poder, tudo foram atrasos de percurso:
• Primeiro, o falhanço do golpe de 1973, por oposição de um dos seus apoiantes: Sekou Touré;
• Segundo, o 25 de Abril em Portugal, com o processo de des­colonização, que obrigou todos os intervenientes a estarem de acordo;
• Terceiro, a confirmação no po­der de Luís Cabral, beneficiando do processo de descolonização e do apoio dos outros países saídos das ex-colónias, no âmbito do CONP;
• Quarto, o apoio que Luís Ca­bral sempre teve por parte de Francisco Mendes (Chico Té), primeiro-ministro até ao acidente que o vitimou. Chico Té funcio­nou como o homem do equilíbrio entre os militares e a direcção ca­bo-verdiana Se Chico Té fosse vivo estaria, certamente, entre os bodes expiatórios agora encon­trados. Estaria no grupo dos que «faziam maldades», como os comandantes Julião e André Gomes.
Um abraço amigo, André Gomes!...

in Jornal "O Ponto" de 18 de Dezembro de 1980

* FERNANDO BAGINHA viveu na Suécia onde trabalhou, durante alguns anos, com o PAIGC. Em 1972 e 1973 foi professor da Escola-Piloto do Partido, na República da Guiné, de que chegou a ser director. Foi também o autor e responsável pelos programas de propaganda dirigidos aos militares portugueses, através das emissões da Rádio Libertação do PAIGC.

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