O primeiro governador da colónia, no novo regime, foi o oficial de Marinha Carlos Pereira[2], que começou por mandar demolir as muralhas de Bissau, como se as considerasse inúteis para continuarem a defender a praça, acto este que surpreendeu o gentio ma não modificou as suas normais atitude de rebelião.
Logo em Fevereiro de 1912 teve esse governador de organizar uma coluna de operações para castigar o gentio revoltado. E a coluna, em que tomaram parte, além de forças regulares da colónia, numerosos voluntários civis, sob o comando do capitão de infantaria Botelho Moniz[3], bateu primeiramente o gentio na região de Binar, passando em seguida para Cacheu, destruindo as povoações de baiotes, que no caminho para Jobel lhe ofereceram resistência, e em 4 de Abril chegava a Elia onde os rebeldes foram severamente castigados. Dirigiu-se depois à povoação do régulo, impondo-lhe a restituição de artigos roubados pelo gentio, o que conseguiu sem o emprego da força, recolhendo a coluna a Bissau com a sua missão cumprida. Passados seis anos, nova rebelião dos baiotes levava a Cacheu, em Outubro de 1918 ,uma pequena coluna, sob o comando do capitão António Douwens, que, travando combate com os rebeldes de Varela e Catão, lhes infligiu numerosas baixas, dirigindo-se em seguida ao posto de Cassolol, onde recebeu durante alguns dias a apresentação dos grandes das povoações castigadas.
A VALOROSA ACTIVIDADE DE TEIXEIRA PINTO[4]
Foi no Oio que mais rudes foram as operações militares conduzidas pelo capitão Teixeira Pinto desde 1913, e que trouxeram a este bravo oficial o enorme prestígio de que gozou entre o gentio da Guiné. A índole guerreira e o espírito agressivo do gentio de Mansoa e do Oio, manifestando-se persistentemente em ostensiva insubmissão à autoridade portuguesa, levaram o governo da colónia a organizar em Março de 1913 uma coluna de operações para os castigar, confiando o seu comando ao capitão Teixeira Pinto que, chegado da Metrópole em Setembro do ano anterior, tinha, nos cinco meses decorridos, percorrido o Oio em disfarce de comerciante, e reconhecido assim essa região até então quase totalmente desconhecida dos portugueses.
Composta somente por 400 irregulares indígenas, do régulo, então amigo, Abdul-Injai[5], com uma peça de artilharia, e com a colaboração das lancha Flecha e Zagaia e do administrador de Geba com 80 homens armado, a coluna bateu-se galhardamente com o gentio de Mansoa, de 29 de Março a 22 de Abril, e depois com os do Oio, de 14 de Maio a 16 de Junho, instalando os postos militares de Porto Mansoa e de Mansabá, este na região do Oio. Foram sobretudo renhidos os combates de Mansoa e na tabanca de Mansoadi, mas o inimigo (oincas e balantas) acabou por desmoralizar-se, e submeteu-se completamente vencido.
No ano seguinte, é o mesmo valente oficial que, quase só com irregulares de Abdul-Injai[6] e de Mamadú-Sissé[7], também amigo, vai a Cacheu bater o gentio do Xuro, que revoltado tinha chacinado o administrador, alferes Nunes, e parte da tripulação do Cacine.
Depois de marchar oito horas debaixo de fogo a caminho do Xuro, acampou à noite, e no dia seguinte atingiu o local da chacina, donde o gentio tinha já fugido para Bagulho. Aí foi encontrá-lo a coluna, batendo-o completamente e destruindo-lhe a povoação, rigoroso castigo imposto aos rebeldes manjacos e brames.
Passava-se isto em Janeiro de 1914, e logo em Fevereiro os balantas de Braia trucidavam traiçoeiramente o alferes Manuel Pedro e o seu pelotão de cavalaria (nem os cavalos escaparam aos machetes indígenas!), quando, à boa paz, esse oficial se dirigia ao rio Banubi a escolher local para o lançamento de uma ponte. Do comando militar de Mansoa, onde se ouviu o tiroteio, saiu o 2.° sargento Romualdo Lopes com uma força que, no trajecto para o local donde vinha o rumor, encontrou duas praças do pelotão, escapadas à chacina, que o informaram do que se passava. O sargento continuou a marcha no intuito de recolher os cadáveres dos camaradas, mas ainda ali encontrou os rebeldes que o atacaram, conseguindo pô-los em fuga depois de vivo tiroteio.
Foi ainda o capitão Teixeira Pinto o encarregado de vingar os desditosos camaradas trucidados. E mais uma vez, ele cumpriu briosamente a sua missão, numa demorada campanha de seis meses , em que lutou implacavelmente com o inimigo infligindo-lhe uma série de derrotas sucessivas com enormes perdas, arrasando povoações, destruindo-lhe as tabancas em que punha as maiores esperanças de resistência, enfim, terminando essas operações com a pacificação definitiva de toda a região balanta entre Mansoa e Geba.
Crescia o prestígio de Teixeira Pinto, que o governo da colónia aproveitou para em 1915 submeter definitivamente os papeis e grumetes da ilha de Bissau que, sempre rebeldes em acatar a autoridade portuguesa, nem consentiam o arrolamento das suas palhotas, nem se sujeitavam ao pagamento do imposto.
Umn numerosa coluna, em que ainda os irregulares tinham a maioria (1.500, dos quais 200 cavaleiros), sob o comando daquele valoroso oficial, travou com o gentio rebelde os renhidos combates de Intim e Bandim, cujas posições foram tomadas, depois de um bombardeamento de artilharia lançado da praça. E logo, na sua vertiginosa marcha, Teixeira Pinto ataca Antula, Jaal e Safin, lutando sempre com a inaudita resistência do gentio, que frequentemente contra-ataca.
No combate de Safin o bravo capitão é ferido e recolhe à praça de Bissau. Mas a coluna aproveita do seu vigoroso impulso, e, sob o comando do tenente Sousa Guerra, continua o avanço e toma de assalto outras posições do gentio.
Regressa Teixeira Pinto ainda convalescente, retoma o comando, e prossegue tomando novas povoações. Combate na tabanca do Biombo onde "se livra providencialmente de um ataque traiçoeiro que lhe fora armado." E finalmente, depois de dois meses de operações, em que as forças de Teixeira Pinto tinham sofrido 47 mortos e 202 feridos, podia o glorioso capitão juntar mais uma vitória à já notável lista dos seus feitos: a ilha de Bissau estava submetida de vez à soberania portuguesa.
As operações de Teixeira Pinto, na Guiné, são um exemplo flagrante do muito que se pode conseguir do serviço dos irregulares das colónias, quando bem comandados, e melhor ainda, naturalmente, das tropas regulares indígenas, sem recorrer às dispendiosas expedições militares da metrópole.
Em 1919 Abdul-Injai, elevado a régulo do Oio em recompensa do relevante serviços que tinha prestado aos portugueses com a sua gente de guerra, nas campanhas de Teixeira Pinto, abusa da sua autoridade, exigindo trabalho e multas aos chefes indígenas das povoações limítrofes do seu regulado, e acaba por se apoderar violentamente das armas que a administração tinha distribuído aos indígenas de Cuhor. Sucedem-se os abusos do autoritário e prestigioso régulo, até que o Governo da colónia, deixando de tomar em conta os seus serviços passados, o trata como inimigo, como agora merecia, e resolve atacá-lo.
Uma coluna de polícia sob o comando do capitão Augusto de Lima Junior, depois de vivo combate em 3 de Agosto, conseguia apoderar-se de Abdul-lnjai e dos seus grandes, que no desterro, em Cabo Verde, sofreram a punição da sua deslealdade.
Custara-nos, no entanto, a sua prisão a vida do alferes Afonso Figueira e de 9 praças caídas em combate. Eram mais dez vítimas - desta vez, brancos portugueses - a acrescentar às muitas que o famoso Abdul-Injai sacrificou à sua ferocidade, quando, ainda como amigo, punha a sua bravura e o seu prestígio ao serviço de Teixeira Pinto, de quem fora, na verdade, o mais prestimoso auxiliar.
Depois das gloriosas campanhas do intrépido Teixeira Pinto, apenas restava por dominar na Guiné a ilha de Canhabaque[8].
As operações de 1917, comandadas pelo major Ivo Ferreira, contra o gentio revoltado dessa ilha, duraram oito meses em permanente luta[9], sendo tomadas ao inimigo as tabancas principais[10], e consagrando-se a vitória com a instalação de dois postos em Bine e ln-Orei, e com a assinatura de um auto de submissão, assinatura platónica, submissão apenas aparente, porque os actos de rebeldia e de banditismo continuaram. A tal ponto que em 1925 o novo governador, Velez Caroço[11], se viu forçado a realizar novas operações na ilha, onde travou combates, destruiu povoações, apreendeu armas e munições, parecendo que o castigo tinha sido desta vez mais duro e porventura mais duradouro nos seus efeitos. Pura ilusão! A derrota dos canhabaques fora ainda desta vez efémera, e em 1933 um relatório do director dos serviços e negócios indígenas da Guiné acentuava que o novo governador, Carvalho Viegas[12], se veria "novamente a braços com o célebre problema, que é uma mancha de desprestígio para o nosso domínio militar e coloniaL"
Foi este governador que, comandando pessoalmente as operações realizadas em 1935-36 (operações cuja descrição não tem aqui cabimento porque a sua época excede o limite imposto a esta obra) conseguiu dominar definitivamente os canhabaques, domínio garantido por factos até então não verificados na ilha, e que demonstram o “perfeito reconhecimento da soberania nacional e respeito por ela."
Justo é registar esta valorosa acção do governador Carvalho Viegas, porque, não só a sua campanha de Canhabaque acabou de pacificar toda a Guiné, como "escreveu honrosamente a palavra Fim em matéria de ocupação das colónias portuguesas," na frase justa e feliz do Dr. Fernando Emídio da Silva, numa sua notável conferência na Sociedade de Geografia de Lisboa.
[1] A Conferência de Berlim de 1885 exigiu que só havia soberania nas colónias desde que estas fossem ocupadas militarmente. Em Dezembro de 1911 os alemães manifestaram novamente interesse nas colónias portugesas chegando mesmo, em Agosto de 1913, a um acordo com os ingleses para a divisão das colónias portuguesas. Esse acordo só não foi assinado e implementado porque surgiu a I guerra mundial (nota minha)
[2] 1º tenente da Marinha Carlos de Almeida Pereira, governador da Guiné de 23 de Outubro de 1910 a Agosto de 1913 (nota minha)
[3] José Carlos Botelho Moniz, pai do general Júlio Botelho Moniz, que tentou um golpe contra Salazar. (nota minha)
[4] José Teixeira Pinto, capitão de Infantaria, nasceu em Angola em 1876. Combateu com Alves Roçadas em 1905 e 1907. Esteve na Guiné de 1912 a 1915. Depois de regressar a Portugal foi para Moçambique em 1917, tendo morrido, como major, em Novembro desse ano em luta contra os alemães em Negomano. (nota minha)
[5] Abdul-Injai era balanta, os 400 irregulares eram balantas (nota minha)
[6] Eram 500 balantas (nota minha)
[7] Mamadú-Sissé era oficial de 2ª linha, comandava 200 balantas nesta acção (nota minha)
[8] Nos Bijagós (nota minha)
[9] Foram, além disso, atacados por uma epidemia de beribéri (nota minha)
[10] Inorei e Meneque (nota minha)
[11] José Frederico Velez Caroço, governador da Guiné de 1921 a 1926 (nota minha)
[12] Luís António de Carvalho Viegas, governador da Guiné de 1032 a 1940 (nota minha)
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