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24 de maio de 2011

180-Os golpistas de 14 de Novembro libertaram Rafael Barbosa

Rafael Barbosa em 1999. Fotografia de Leopoldo Amado.
O que disse o jornalista Daniel Reis sobre Rafael Barbosa no "Diário de Lisboa" de 25 de Novembro de 1980

Figura sistematicamente presente, na luz e na sombra dos últimos trinta anos da política guineense, Rafael Barbosa foi libertado pelos golpistas de 14 de Novembro, quando aguardava a leitura da sentença em segundo processo, sob a acusação de conspirar contra o PAIGC.
Já tinha sido condenado à morte em 1977, vendo a sua pena comutada em 15 anos de prisão por decisão de Luís Cabral. A libertação anunciada pelos autores do golpe, mas ao que parece ainda não concretizada totalmente (diz-se que o seu processo seria revisto mas que ele ficaria em liberdade) foi entendida por multa gente como um sinal claro da natureza direitista para que pende o novo regime, por influência de alguns dos seus mento­res. E que Rafael Barbosa, como o prova o texto, que publica­mos, era informador e colaborador da PIDE.
Um desses mentores, o assessor do Conselho da Revolução para os assuntos jurídicos é, exactamente o ex-procurador Geral da República, dr. Cruz Pinto. O defensor oficioso de Rafael Barbosa, acusou-o em processo de ter apadrinhado e fomen­tado algumas irregularidades processuais contrastando com a liberdade que lhe foi consentida pela Policia para preparar a defesa e dar um carácter sério ao julgamento. Cruz Pinto foi o homem que mais se bateu pela condenação de Rafael à morte, pena de que aliás é um notório e conhecido defensor.
Ainda há meia dúzia de meses apenas ele próprio mandou seguir um Tribunal para a Ilha de Carache, já acompanhado do pelotão de fuzilamento, para julgar e eliminar seis presos de delito comum que tinham tentado fugir. Sabido isto, soam a falso certos pruridos manifestados, agora, para acusar Luís Cabral, com o mais evidente oportunismo.
Quanto a Rafael Barbosa, parece-nos oportuno no momento em que o novo poder em Bissau se vai definindo, traçar-lhe o retrato completo e relatar a sua trajectória de agente duplo que tanto fornecia Informações à PIDE, para isso sendo remunerado, por vezes, como prestava serviços importantes na luta clandes­tina do PAIGC.
Os dados recolhidos para este «retrato» resultaram de tes­temunhos de participantes no processo e personalidades com acesso aos autos, e de pesquisas nos arquivos tendo sido comprovados, inclusive, durante o primeiro julgamento público.
Daniel Reis

Período 1950/59:

Rafael de Paulo Gomes Bar­bosa, casado, nascido em 3 de Março de 1927, natural de Bis­sau e descendente de cabo­-verdianos, desde o inicio da dé­cada de cinquenta tenta organi­zar a resistência anticolonial criando em Bissau diversos gru­pos políticos clandestinos.
Em 1959 reúne-se com Amíl­car Cabral para a integração desses grupos, que ele dirigia, no PAIGC, o que Rafael Barbosa aceita passando a fazer parte do Partido. Relativamente a essa reunião. Amílcar Cabral disse, no Seminário de Quadros realizado em 1969 em Conakry, que «foi nessa altura também, que o PAIGC conseguiu integrar no seu seio alguns pequenos gru­pos formados em Bissau e que estavam ligados, como vos disse o Rafael Barbosa».
Nessa altura, data da reunião com Rafael em que estiveram presentes Aristides Pereira e Fernando Fortes, entre outros, Rafael passou a ocupar o cargo de secretário de Controlo.
Segundo Cabral essa reunião «foi decisiva para tudo quanto aconteceu posteriormente na luta pela independência». Rafael Barbosa começa a trabalhar, activamente para o PAIGC, indo para o mato mobilizar pessoas para luta de libertação. É esse trabalho em prol do Partido, nesta faz decisiva, que faz com que Rafael Barbosa passe a ser admirado por todos os militantes do PAIGC.

Período 1962/64:

Em 1962, depois de um traba­lho intenso, Rafael é preso pela PIDE nos arredores de Bissau, onde se encontrava em trabalho clandestino. Torturado, é liber­tado em 1963 para em 64 ser de novo preso. É nessa situação que se encontra até 1969.
Durante esses anos de cati­veiro Rafael Barbosa, mesmo na prisão, desenvolve intenso traba­lho de mobilização pois conse­guiu contactos com o exterior que lhe permitiram continuar a orientar os trabalhos clandesti­nos. Relativamente a esse traba­lho desenvolvido dentro das pri­sões da PIDE, Cabral dá-nos noticia no Seminário de Quadros dizendo que «nalgumas cidades, durante muito tempo, mesmo em Bissau, a nossa organização trabalhou regularmente, mesmo com Rafael na cadeia. Tínhamos sempre ligações e ainda temos. No calabouço ele fez também algum trabalho".
Durante todo esse período de 1960 a 69 Rafael Barbosa fez passar para o Partido dezenas de militantes alguns dos quais ocupam hoje postos dos mais elevados no PAIGC

Período 1969/74:

Em 1969, Spínola libertou al­gumas dezenas de presos políti­cos entre eles Rafael Barbosa. Na altura da libertação e na ce­rimónia propagandística então realizada, Rafael Barbosa fez um discurso em que a acção de Spínola era elogiada.
Gozando de liberdade vigiada, Rafael Barbosa continua a traba­lhar para o Partido como respon­sável da Zona de Bissau, co­nhecida por Zona Zero. Entre­tanto, a PIDE tinha infiltrado agentes seus na rede clandes­tina de Bissau. Rafael, que desde a primeira hora tinha sido aliciado para colaborar com a PIDE, nomeadamente através dos inspectores major Carvalho Teixeira e Costa Pereira, co­meça a dar colaboração à PIDE ou, pelo menos, a facilitar-lhe certas informações. No entanto, continuou a coordenar o grupo de Bissau, mantendo contacto com a direcção do Partido, no­meadamente com Amílcar Ca­bral, por intermédio, entre ou­tros, de Adulay Djari, que era da PIDE, desde 23 de Novembro de 1971.
No seio do sector clandestino há uma certa conspiração contra Rafael Barbosa - luta pela chefia - também fomentada por ele­mentos da PIDE infiltrados na rede, tais como Malam Darame, da ANP, e Duarte Raimundo Ca­bral, entre outros.
No quadro da colaboração que teve com Spínola, Rafael acom­panhou este general a Caboxan­que e nessa operação fez um discurso. Isto em Março de 73.
Spínola ordenou ao Batalhão de Engenharia do Exército para conceder seis mil escudos em material de construção para Ra­fael Barbosa concluir uma pe­quena casa que tinha construído em Bissau. Posteriormente, ele próprio perguntou à PIDE quais eram as condições de amortiza­ção pois tinha intenção de pagar esse dinheiro. Rafael também assistiu ao chamado Congresso do Povo organizado por Spínola em 24 de Maio de 73.
Muitas missões que Rafael destinava a certos militantes na clandestinidade eram do conhe­cimento da PIDE mas curiosa­mente essas missões só eram levadas ao conhecimento da PIDE quando realizadas por agentes da PIDE infiltrados na rede clandestina. Assim aconteceu, nomeadamente com mis­sões confiadas a Duarte Raimundo Cabral Adulay Djari.

Colaboração directa com a PIDE

Todas as reuniões feitas por Rafel Barbosa com militantes clandestinos, ou a maior parte delas, chegam ao conhecimento da PIDE por intermédio de infor­mações de António Filipe (Filó­sofo) e Artur Leão (Arus). Alguns militantes presos denunciavam sistematicamente Rafael Barbosa, enquanto que a PIDE dizia. a todos os militantes presos para não colaborarem com Rafael porque ele era agente da PIDE.
Entretanto houve colaboração de Rafael com a Pide na pesquisa de certas informações e um dos agentes utilizados por ambas as partes era Duarte Raimundo Cabral.
Contudo, a PIDE, essencialmente através de um informador de pseudónimo António, conse­guiu conhecer alguns planos de fuga preparados por Rafael, pois esse informador fora destacado pela PIDE, para o controlo das relações de Rafael com a juven­tude. Foi esse informador que denunciou e levou à prisão por exemplo, o então furriel miliciano Castro Fernandes que fazia parte da rede clandestina.
Por intermédio do informador Fava. a Pide conhece o conteúdo das reuniões de Rafael Barbosa com os militantes e por intermé­dio do informador Pato a Pide sabe que certos militantes pre­tendiam pôr bombas na sua de­legação em Bissau. Entre estes militantes, que foram denuncia­dos, estão Aliu Djaki Djal6 e José Carlos Schwartz, este último acusado de ter transportado bombas para Bissau. Isto pro­voca a prisão dos dois militantes clandestinos do PAIGC.
Devido á entrada das bombas em Bissau Rafael voltou a ser preso e entregou alguns desses engenhos. Toda esta a acção da Pide no seio da rede clandestina nos anos 71, 72, e 73, permite a esta policia a detenção do grosso dos activistas dessa rede, que vai sendo desmon­tada, e que em 73/74 leva de novo Rafael Barbosa à prisão com toda a sua família, incluindo uma filha de 11 anos de idade.
Contudo, Rafael sabe que há elementos da Pide no seio da rede e tende a jogar com isso fornecendo informações à Pide, que já estavam na posse dos elementos infiltrados ou que era muito provável que estes já c0onhecessem por participarem nas reuniões ou em missões concre­tas.
De facto, por algumas destas actividades, Rafael era compen­sado com auxílios financeiros da Pide.
Mas na rede clandestina notava-se a formação de uma nova direcção para afastar Ra­fael Barbos com o fundamento de que a rede anterior já estava descoberta. Nessa luta, não é estranha a influência de Momo Touré, que viria a matar Amílcar Cabral.

Suspeitas de participação na morte de Cabral

uanto à acusação da morte de  Cabral não há provas seguras da participação de Rafael mas devido a essa “entourage" suspeita-se da sua participação sem que nada tenha ficado claro. Por isso, dadas as implicações desse facto, no seio do Partido, esta questão acabou por ser, apenas, aflorada na acusação contra Rafael, no primeiro julga­mento. Não foi discutida, em tri­bunal: somente abordada nos termos da acusação.
Há de facto, algumas ligações entre Rafael Barbosa, Momo Touré, e Aristides Barbosa (es­tes dois últimos agentes directos da morte de Cabral) durante a clandestinidade e antes destes partirem para as zonas liberta­das. Só que não é claro se o processo de fuga destes dois tem a participação de Rafael, assim como não se sabe se este último aprovou, ou não, a saída de Aristides e Mamo para Co­nakry. Não se conhece, clara­mente, o conteúdo, dos contac­tos entre eles, depois dos primei­ros terem partido.
Rafael Barbosa na sua activi­dade clandestina infiltrou militan­tes no seio dos comandos afri­canos e deles tirou informações de planos militares, que trans­mite ao PAIGC.
São militantes nos comandos o furriel miliciano Saeg (irmão de um criminoso de guerra do mesmo nome), Zamora Barbosa e outros.
Rafael chega a avisar o PAIGC de uma conta aberta em Nova Iorque pelo governo colo­nial, numa altura em que Cabral ia à ONU. Fez o aviso por suspei­tar que essa conta seria para pagar agentes destinados a li­quidar Cabral. Para além dessa informação há outras também importantes, nomeadamente a presença em Bissau de militares dissidentes do regime de Co­nakry.
Foí para Morés, com a Inten­ção de ali arranjar algumas bom­bas, no seio dos guerrilheiros e regressar com elas a Bissau para as entregar à Pide e assim obter a libertação da sua família. Nessa altura, é preso em Morés pelo PAIGC e desde então, data recente esteve sempre preso à ordem da Segurança Nacional e Ordem Pública.
Antes disso faz-se notar que todos os contactos de Rafael em Bissau eram vigiados estreita­mente pela Pide. Deu também antes do 25 de Abril, e antes de ser preso, em Morés, uma en­trevista filmada a um Jornalista francês, entrevista preparada pelos serviços de acção psico­lógica do Exército e na qual es­teve acompanhado por um oficial português.
Nessa entrevista, apesar da ambiguidade das declarações, Rafael Barbosa criticava o PAIGC.
Preso em 1974, como disse­mos, em Morés e depois da en­trada da Direcção do PAIGC em Bissau, é levado para Bolama onde fica instalado numa casa guardada por soldados do PAIGC enquanto se faz a instru­ção do processo.

Procurador-geral apadrinha irregularidades

O processo começa a ser instruído e curiosamente, as princi­pais peças que servem de: base à acusação tinham sido fornecidas pelo próprio Rafael Barbosa ao PAIGC. Com efeito, Rafael en­viava regularmente, havia muito tempo, vários documentos sobre a. sua actividade incluindo um diárioo. Foi. esse material, junto com depoimentos de militantes da rede clandestina que serviu de base à acusação.
Em Setembro de 76, começa o Ju~gamento que dura até Feve­reiro de 1977 com algumas interrupções. O interesse pelo caso de Rafael Barbosa fez com que centenas de pessoas acompa­nhassem o julgamento público indo ao tribunal. No primeiro dia, um sábado, as pessoas não cabiam na sala e tiveram de ficar na rua à chuva. Foram distribuídos panfletos.
Depois passaram-se a fazer as audiências no cinema da base aérea, em Blssalanca, para onde se continuavam a deslocar al­gumas dezenas de pessoas.
Algumas testemunhas de Ra­fael Barbosa chegaram a ser presas pela Segurança antes de comparecerem em juízo, facto que foi denunciado pelo defen­sor oficioso, o advogado popular dr. WIadimir de Brito. Este, aliás, aceitara a defesa de Rafael Bar­bosa por lhe ter sido salientada a importância nacional de o acu­sado ter todas as garantias de defesa.
O defensor oficioso protestaria até contra vícios vários e graves do julgamento, alguns dos quais foram da responsabilidade do procurador-geral da República, Cruz Pinto (hoje assessor civil do Conselho da Revolução, que li­bertou Rafael Barbosa) nomea­damente o desigual tratamento das testemunhas de acusação e defesa, sendo estas últimas mui­tas vezes presas no decurso do julgamento sem quaisquer fun­damentos legais.
Rafael Barbosa foi julgado e condenado à morte. Pediu a graça do Presidente do Conse­lho de Estado e a sentença foi­-lhe comutada para 15 anos de prisão. É de notar que nos ter­mos da Lei de Justiça Militar na base da qual foi acusado e jul­gado a pena máxima de prisão é de 10 anos pelo que só por mani­festo abuso do Poder e ilegalidade lhe são aplicados 15 anos de prisão, com pleno conheci­mento e participação do procurador-geral.
Há a destacar, finalmente; o facto de Rafael Barbosa ter re­cebido diversas cartas de Amíl­car Cabral, a última das quais datada de 18 de Janeiro de 73, portanto dois dias antes da sua morte, cartas de certo modo amistosas e contendo conselhos e directivas para a actividade clandestina.
Mesmo depois da morte de Amílcar Cabral, ainda recebeu uma carta de Luís Cabral, datada de 24.de Fevereiro de 73 na qual o ex-presidente o tratava por camarada, o que leva a crer que a Direcção do PAIGC não acredi­tava na versão segundo a qual Rafael Barbosa teria tido res­ponsabilidades na morte de Ca­bral. Essas cartas foram juntas ao processo e lidas no julga­mento.

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