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9 de maio de 2011

150-Campanhas para dominar o "gentio" da Guiné - I

Retirado da "História do Exército Português", do General Ferreira Martins, publicada pela Editorial Inquérito, em 1945.
Luís Augusto Ferreira Martins, Nasceu em Lisboa, a 7 de Abril de 1875 e morreu em Algés em 26 de Junho de 1967.
 Frequentou o Colégio Militar, ingressando na Escola Politécnica de Lisboa, onde preparou a admissão à Escola do Exército, tendo concluído o curso de Artilharia e o de Estado-Maior. Em 1897 participou na campanha de Moçambique, regressando a Portugal em 1898. Em 1906 passou para o Estado-Maior do Exército. Foi nomeado Sub - comandante do estado-maior do Corpo Expedicionário Português enviado para a Flandres, no Norte de França, em 1917 durante a Primeira Grande Guerra. Terminado o conflito foi nomeado chefe do estado-maior do Campo Entrincheirado de Lisboa. Comandou o regimento de infantaria n.º 5, e a (1929-1933), a Escola Central de Oficiais. Foi a partir de 1938 vogal do Conselho Superior do Exército. Entre a sua vasta obra, além da "História do Exército Português", destacam-se os livros: Jogo de Guerra simplificado, em 1911; Portugal na Grande Guerra, em 1935, obra colectiva que dirigiu; O poder militar da Grã-Bretanha e a aliança anglo - lusa, em 1939. Foi um defensor da causa de Olivença..
"Gentio" era aquele que não professava a religião cristã, ou era pagão.



GUINÉ




São naturalmente insubmissos todos os povos negros que ocupam a Guiné Portuguesa, por muito diferentes que sejam, como de facto são, as suas origens, os seus caracteres, e os seus costumes mais ou menos belicosos. Daí resultam as inú­meras campanhas que os portugueses se viram forçados a realizar nessa possessão africana, para manterem nela a sua soberania; e o período de que estamos tratando foi relativamente fértil em lutas dessa natureza, que sucintamente apontaremos.



Sucessivamente, em 1844 e 1853, foram os grumetes e os papeis que se sublevaram ata­cando a antiga e mal guarnecida fortaleza de Bissau, tendo de intervir em auxílio das reduzi­das forças da defesa, de uma e outra vez, as guarnições de navios franceses, que muito contri­buíram para evitar o desastre das armas portuguesas.
Em 1871, numa rebelião de grumetes de Cacheu, perde a vida o governador Álvaro Caldeira, mas logo uma força portuguesa, num severo recontro em Cacanda, castiga o rebeldes assassinos.
Os anos de 1874 a 1879 são infelizes para os portu­gueses. Avultam neles o massacre de Bolor, em que indígenas da raça felupe chacinam uma força de 50 soldados e dois oficiais, e o desastre de Nhaera, em que ficaram impu­nes os balantas revoltados, por insuficiência das forças portuguesas, muito inferiores em número às dos revoltosos. Em compensação foram coroadas de êxito as acções em­preendidas nos anos seguintes: contra os fulas no seu ataque à praça de Buba em 1880, contra os fulas e futa-fulas de Forreá em 1882, contra os biafadas em 1883, e contra o gentio de Cacanda em 1884, sob o comando, respectiva­mente, dos oficiais Manuel Pedro dos Santos, Francisco José da Rosa, Eusébio Castela do Vale e Geraldo Victor.
Em 1886[1] foi renhida a campanha contra o régulo Mus­sá-Molo que atacou as populações de Geba, sendo dominado pelas forças do tenente Marques Geraldes, do quadro colonial, desfazendo-se a lenda que reputava invencível aquele régulo rebelde, sendo por esse facto promovido aquele ofi­cial a capitão por distinção. Novas operações se desenrola­ram em Geba nos anos de 1889 a 1891, sendo particular­mente importantes as que tiveram por comandante o capitão Zacarias de Sousa Lage, cujas forças, depois de ali terem dominado os rebeldes do régulo Mali-Boiá em recontros sangrentos, tiveram ainda energia bastante para socorrerem a praça de Bissau que na mesma ocasião se defendia, mais uma vez, contra os papeis. Esta defesa de Bissau em 1891 custou a vida, numa surtida infeliz, a dois capitães portugueses Joaquim Carmo de Azevedo e Nozolino de Azevedo, ao tenente Jorge de Lucena e ao alferes Honorato Moreira.
Mais uma vez, em 1892, o capitão Sousa Lage, "oficial destemido, temido e temível", como dele disse um seu camarada que o conheceu in loco, teve de comandar novas operações contra o Mali-Boiá que, tendo conseguido fugir em 1890 para território francês, regressava à Guiné e sublevava o gentio que lhe era afeiçoado, hostilizando povos que eram fieis aos portugueses. A campanha foi difícil, mas acabou por um violento castigo aos povos revoltados pelo régulo insubmisso.
Na madrugada de 8 de Dezembro de 1893, a praça de Bissau, que tinha então por guarnição uma das três companhias de polícia que constituíam a força armada do distrito autónomo da Guiné portuguesa (as outras duas guarneciam Bolama e Geba), foi atacada pelos papeis, cujo fogo incidiu sobre o baluarte da Balança. Apoiada pelo canhão-revolver da canhoneira Flecha, a praça res­pondeu vigorosamente, sustando o assalto. Repetido o ataque à tarde, foram de novo repelidos os papeis pelo fogo certeiro de uma metra­lhadora manejada pelo capitão Pessoa, e das peças da cortina e do baluarte da Onça, apoiado pela ca­nhoneira liberal, que neles fez apreciável ceifa.
Bissau continuava, porém, a ser constantemente inquietada pelos papeis, tornando. Se quase impossível aos portugueses "afas­tarem-se das muralhas sem correrem o perigo de um vexame", como escreveu Constantino Lima, ao tempo comandante da Flecha. Só os grumetes (papeis cristãos) podiam sair impu­nemente da praça.
Em 1894, para tentar mais uma vez domi­nar os rebeldes papeis, foi enviada de Lisboa uma companhia de guerra de Marinha, a pedido do governador, coronel de artilharia Vascon­celos e Sá, que pessoalmente comandou as opera­ções e as suspendeu ao fim de oito dias "julgando suficiente o castigo infligido", quando, de facto, só tinha conseguido a tomada de lntim pela companhia de Marinha, e o bombardeamento de Bandim e Antule pela artilharia dos navios.
Menos felizes foram, também, as operações que, sob o comando do tenente Graça Falcão, se efectuaram em Oio e Farim em 1897. Este oficial por duas vezes foi atraiçoado pelos auxiliares indígenas, que lhe fugiram com armas e munições, criando-lhe a difícil situação de se defrontar em notável inferioridade de forças com os rebeldes daquelas regiões, conseguindo da primeira vez retirar sem grandes perdas, mas não podendo evitar, da segunda, que o inimigo lhe trucidasse uma parte da sua pequena coluna, morrendo o tenente António Caetano e o a!feres Luiz António, e escapando da morte, quase por milagre, o próprio comandante.
Com a ocupação da ilha de Canhabaque, dirigida pelo 1.º tenente da Armada Bernardo Diniz Ayala, e levada a efeito, já em 1900, por uma força de irregulares transportada pela canhoneira Massabi, que previamente, auxiliada pela Flecha, bombardeou a ilha, terminaram na Guiné a lutas com as várias tribos rebeldes, que no século xx viriam a repetir-se, como adiante se verá.



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AS PRIMEIRAS OPERAÇÕES NO SÉCULO XX

Logo no começo do século xx, sendo governador da Guiné o 1º tenente de Marinha Judice Biker, teve ele de reprimir as revoltas dos gentios de Jafunco[2] (1901) e do Oio (1902), utilizando as poucas tropas de que dispunha e a valiosa cooperação das canhoneiras que prestavam serviço nas suas águas, e fazendo ainda colaborar auxiliares indígenas das regiões submissas. De idênticos elementos se serviu o novo governador Soveral Martins[3], também ilustre oficial de Marinha, antigo colaborador de Mouzinho em Moçambique, quando em 1904 se sublevou o gentio do Xuro (Cacheu), investindo regiões já submetidas à autoridade portuguesa e procurando contagiá-las da sua rebelião.
Todas essas operações foram conduzidas com o desejado êxito mas, como dantes, não completadas por uma ocupação efectiva suficientemente sólida, não conseguiam garantir o domínio das regiões castigadas. Bem disse o marechal Bugeaud: "Em Africa uma expedição não seguida de ocupação, não deixa mais vestígios do que o sulco de um navio no oceano”.
Os indicios de próxima rebelião eram manifestos, em diversas regiões da Guiné, nos últimos meses de 1907, quando já governava a Província outro oficial de Marinha, que tanto se distinguiu: o então 1º tenente Oliveira Muzanty, a quem se deve a ocupação da ilha Formosa, do arquipélago dos Bijagós. Compreendendo que nada poderia fazer, com carácter definitivo,  apenas com as escassas forças da Guiné, tratou o novo governador de requisitar tropas da metrópole para empreender com elas as operações necessárias para dominar a rebelião em perspectiva.
Enquanto o governador aguardava a chegada da expedição metropolitana, manifestou-se ostensivamente a revolta de alguns povos na margem esquerda do Geba, desacatando a autori­dade portuguesa, e atacando outros povos que a esta autoridade eram fiéis. Muzanty receoso de que a demora no castigo fosse incentivo para o alastramento da rebelião, resolveu não esperar pelas forças da metrópole para dar começo às operações mais urgentes. E assim, com os elementos de que dispunha e com a colaboração da marinhagem dos navios ali surtos, organizou uma coluna de operações. de que ele próprio assumiu o comando, e marchou sobre a região revoltada de Cohor.
a régulo desta região, o célebre Infali-Sancó, tinha desrespeitado o residente de Geba, quando este. em cumprimento de ordens do governador. pretendeu que os biafadas de Cohor entregassem as armas que desde 1901 tinham em seu poder. E o mesmo régulo, servindo-se dessas armas e conseguindo aliciar o gentio de Badorá e Chime, foi atacar o régulo Abdulai, que sempre fora (mais tarde deixou de ser…) dos mais fiéis ao governo português. Foi pois em socorro de Abdulai a coluna de Muzanty, sendo a mais notável das acções realizadas o combate de Campampe, onde se distinguiram os bravos marinheiros da canhoneira D. Luiz, no assalto à tabanca que era solidamente fortificada. Esta e outras tabancas foram destruídas, e assim conseguiu a improvisada coluna evitar uma revolta iminente de quase toda a região do Geba, cuja margem esquerda, entre Chime e Bafatá ficou então pacificada.

CAMPANHA DE 1908

Em princípio de 1908, um outro destacamento também constituído por praças de Marinha e outras europeias, com uma peça de arti­lharia e alguns auxiliares indígenas, foi encarregado de, sob o comando do capitão de estado maior Ilídio Nazaré, efectuar a reparação de linhas telegráficas danificadas pelos rebeldes na Quinara, reparação que não se efectuou sem que fosse preciso dominar pela força o gentio, que foi então duramente castigado.
Pouco depois, em Março, o capitão Botelho Moniz, comandando um outro pequeno destacamento em que também tomavam parte marinheiros juntamente com as poucas forças disponíveis do depósito de adidos e da companhia indígena de atiradores, foi encarregado de bater os felupes de Varela, que se negavam ao pagamento do imposto, e impediam a passagem de brancos pelas suas terras. O castigo foi rigoroso, sofrendo os rebeldes numerosas baixas.
Em 19 do mesmo mês de Março, chegava enfim a desejada expedição da metrópole, que levava apenas uma companhia de infantaria 13 (em vez de duas requisitadas). artilharia igualmente deficiente e mal armada (uma divisão do Grupo de artilharia montada), e uma força de engenharia, e ia desprovida de cavalaria porque alguém fizera crer, no Terreiro do Paço, que esta arma não podia operar na Guiné, e tanta falta veio a fazer, como algures faz notar uma testemunha presencial.
Viu-se assim obrigado o governador Mu­zanty a reforçá·la com uma companhia de Ma­rinha e uma companhia mista de infantaria (deportados europeus e atiradores indígenas), para poder constituir a coluna de operações que, sob o seu próprio comando (tendo por chefe do estado maior o capitão Nazaré e por adjunto o tenente D. José de Serpa Pimentel), iria bater o gentio da margem direita do Geba, que na campanha de 1907 tinha ficado impune.
Atravessado o rio em Bambadinca, travava a coluna, em 6 de Abril, o seu primeiro combate -combate de Ganturé - com o gentio biafa­da que se bateu bravamente, o que não impediu que fosse assaltada e incendiada a povoação, debandando o inimigo acossado pelos auxiliares grumetes[4]. Seguidamente dispersou-se a tiro o inimigo, que atacou a coluna em marcha sobre Sambel-Nhantá, e foi aí que, segundo o testemunho do então tenente Nunes da Ponte, comandante da artilharia, não foi possível efectuar a perseguição por falta de cavalaria, pois “os negros mais leves do que nós, e conhecedores dos caminhos, corriam um pouco mais; nem um só foi possível apanhar... ".
Por fim chegou a coluna à tabanca Madina, último reduto fortificado do insubmisso régulo, a qual, ao fim de meia hora de combate, era tomada e incendiada, fugindo os seus defensor . Nesse dia, 9 de Abril, hasteava-se a bandeira portuguesa no Cohor, e sabia·se que o Infali-Sancó se encontrava quase abandonado e sem prestígio.
Dias depois chegava de Moçambique uma companhia de infantaria macua… desarmada! Forneceram-se-lhe umas velhas Sniders, e com elas ficaram os macuas guarnecendo o forte de Caranqué Cunda, cuja construção estava quase concluida em 18 de Abril, quando o governador decidiu que a coluna seguisse para Bissau.
Ia agora defrontar-se com os papeis, que em 1894 o governador Vasconcelos e Sá não tinha dominado definitivamente.
Depois de bombardeadas pela artilharia da fortaleza de Bissau as povoações de Intim, Bandim e Antula, marchou a coluna, já bastante desfalcada, sobre Intim, onde foi violentamente atacada, acabando no entanto por ocupar a povoação que, como Bandim, atingida no mesmo dia, foi destruída. No dia seguinte, destacou da coluna uma força comandada por VeIosa Cama­cho (que já encontrámos em 1902 na campanha do Báruè) para Contume, celeiro natural da ilha, onde se supunha que os papeis tivessem guardado os seus recursos. À custa de um rijíssimo combate, que custou a vida ao jovem alferes Jaime Duque, conseguiu o destacamento destruir Contume e regressar à coluna.
Mas o inimigo não desarmara, e cerca da meia noite de 10 para 11 de Maio, de súbito a coluna, tranquilamente bivacada em quadrado, se viu cercada pelos papeis, que ao mesmo tempo atacavam todas as faces do quadrado. Acordados em sobressalto, todos tomaram os seus postos de combate e responderam ao ataque, que durou intenso até perto das 3 horas, quando os papeis e balantas, não menos de 4.000, e Iançaram furiosamente contra o quadrado, cuja admirável resistência evitou a rotura. E ao romper da manhã acabava o tiroteio, e o inimigo, fugido para o mato, fazia ouvir “cada vez mais distante o seu ulular selvagem” .
Com este violento combate de Intim (11 de Maio) terminava na Guiné a campanha de 1908.

OPERAÇÕES DE 1909

"Foi o balanta talvez o indígena que maior resistência opôs à expansão do propósito colonizador - escreve Carvalho Viegas na sua bela obra Guiné Portuguesa - enfrentando com decisão e valentia as colunas enviadas a submetê-lo. Muito destro no manejo da arma branca, foi sempre um inimigo de temer, nos recontros em que as armas de fogo não puderam contê-lo a distância".
Este foi o inimigo com que se defrontaram os portugueses em 1909 quando, na região de Goli, o gentio atacou na manhã de 21 de Fevereiro o posto militar fortificado, cuja guarnição conseguiu repelir o atacante.
Havendo indícios de que em breve voltariam os balantas a atacar o fortim, com mais numerosos elementos, manJou o governador Muzanty reforçar-lhe a guarnição com tropas de infantaria e artilharia, cujo comando assumiu o capitão Ilídio Nazaré. Parte desta guarnição saiu em reconhecimento, com um destacamento da 9ª companhia de guerra de Moçambique e auxiliares do régulo Abdul·Injai, tudo sob o comando do 2.° tenente de Marinha CasaI Ribeiro, sem que fosse atacada.
Mas em 4 de Março, em nova surtida de forças , sob o mesmo comando, foram estas forte­mente atacadas pelo inimigo, que conseguiram repelir até Barram: e os auxiliares, avançando sobre Dati, destruíram as povoações como castigo ao rebelde.
O general Carvalho Viegas[5], que durante oito anos governou a colónia , comenta no seu livro, quando se refere à qualidade guerreira do balanta: “isto revela mais uma boa qualidade que, transformada pela paz, foi enriquecer-lhe as faculdades de trabalho que ele dedica, hoje em dia (1936), inteiramente ao aumento da sua riqueza, e que, adrede cultivada, pode fazer dele um brilhante componente da tropa negra, para a qual e volvem actualmente a atenções de todos quantos têm por missão cuidar da Defesa Nacional”.
Não pararam em 1909 – muito longe disso – as campanhas na Guiné; mas as que se seguiram pertencem já à nova época histórica que noutro capítulo será tratada.


Em baixo, imagens existentes na "Nova História Militar Portuguesa", dirigida por Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira.




[1[Realizou-se em 1885 a chamada Conferência de Berlim que só reconhecia a soberania sobre as colónias desde que estivessem militarmente ocupadas. Daí a necessidade da dominação completa dos povos da Guiné, e das outras colónias. (nota minha)
[2] Tabanca dos Felupes a norte do rio Cacheu (nota minha)
[3] Alfredo Cardoso Soveral Martins, governador de 1903 a 1904 (nota minha)
[4] Os grumetes eram naturais da Guiné considerados civilizados, isto é, cristianizados que viviam com ou serviam os brancos. (nota minha)
[5] Luís António de Carvalho Viegas, foi governador de 1932 a 1940 (nota minha)

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